Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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O Papel da Literatura na Educação (Paulinas, 2024) da autoria do Papa Francisco constitui uma importante reflexão sobre a importância da leitura, da literatura e da arte como fatores de enriquecimento humano e de emancipação.
UMA CARTA OPORTUNA A carta intitulada O Papel da Literatura na Educação (Paulinas, 2024) da autoria do Papa Francisco constitui uma boa surpresa e uma leitura para todos, que pretende despertar para o amor pela leitura, propondo uma nova atitude para os cristãos em geral, para os candidatos à formação eclesiástica e para os leitores em geral, visando abrir espaço à leitura de obras literárias. A função pedagógica da obra é, assim, evidente, constituindo um precioso apelo à valorização do livro e da leitura. De facto, a literatura tem um efeito, inequivocamente positivo, de "educar o coração e a mente do pastor" para "um exercício livre e humilde da própria racionalidade", bem como para o "reconhecimento fecundo do pluralismo das línguas humanas". Deste modo, ler amplia a sensibilidade humana e permite "uma grande abertura espiritual". De facto, deve haver uma preocupação dos cristãos de "tocar o coração dos seres humanos contemporâneos para que eles possam comover-se e abrir-se diante da proclamação do Senhor Jesus". "A contribuição que a literatura e a poesia podem oferecer é de valor inigualável". Contudo, se o Papa refere em especial o caso dos cristãos, pode considerar-se que esta carta é dirigida a todas as pessoas, considerando a leitura e a arte fatores de aproximação entre todos no sentido do respeito mútuo, da imaginação, do pluralismo e da criatividade. São incontestáveis os benefícios de um bom livro que, "muitas vezes no tédio das férias, no calor e na solidão de alguns bairros desertos", torna-se "um oásis que nos distancia de outras escolhas" e que, em "momentos de cansaço, raiva, deceção, fracasso", pode ajudar-nos a superar tais momentos e a "ter um pouco mais de serenidade". Porque talvez "essa leitura abra novos espaços interiores" que nos ajudem a não nos fecharmos "naquelas poucas ideias obsessivas", que "nos prendem de maneira inexorável". Aliás, muitas vezes as experiências com redes sociais têm conduzido a um fechamento ou a uma lógica de circuito fechado, que a literatura e a reflexão contrariam. E o Papa Francisco recorda que as pessoas costumavam dedicar-se à leitura com mais frequência "antes da onipresença dos meios de comunicação social, das redes sociais, dos telefones celulares e de outros dispositivos". Enquanto um produto audiovisual pode ser "mais completo", a verdade é que "a margem e o tempo para 'enriquecer' a narrativa ou interpretá-la são geralmente reduzidos", todavia a leitura de um livro desafia o leitor a um papel mais ativo, porque a obra literária é "um texto vivo e sempre fértil". Acontece que, quando lê, “o leitor é enriquecido com o que recebe do autor", tantas vezes distante no espaço e no tempo, mas que nos permite ir além e isso permite fazer florescer a riqueza de sua própria pessoa. Assim, importa alcançar um acesso privilegiado, através da literatura, ao coração da cultura humana e, mais especificamente, ao coração do ser humano. Porque, na prática, a literatura tem a ver "com o que cada um de nós deseja da vida" e "entra em uma relação íntima com nossa existência concreta, com as suas tensões essenciais, com os seus desejos e os seus significados".
AS VIRTUALIDADES DA LEITURA O Papa Francisco adverte ainda para que não se leia por obrigação, devendo-se selecionar as leituras "com abertura, surpresa e flexibilidade". E assim enuncia as consequências positivas que decorrem do "hábito de ler", como ajuda a "adquirir um vocabulário mais amplo", a desenvolver a própria inteligência, a estimular a imaginação e a criatividade, permitindo que as pessoas aprendam a exprimir as suas narrativas de uma forma mais rica, melhorando a capacidade de concentração, reduzindo os níveis de deficit cognitivo, e acalmando o stress e a ansiedade. Em termos concretos, a leitura "prepara-nos para compreender e, assim, enfrentar as várias situações que podem surgir na vida", continua Francisco, "ao ler, mergulhamos nas personagens, nas preocupações, nos dramas, nos perigos, nos medos de pessoas que acabaram por ultrapassar os desafios da vida". E com Jorge Luis Borges podemos chegar a definir literatura como a possibilidade de "ouvir a voz de alguém". E esse alguém, próximo ou distante no tempo e no lugar, torna-se um valioso companheiro, com quem temos possibilidade de dialogar, transformando esse intercâmbio num fator de compreensão mútua e de reconhecimento comum.
A literatura permite, afinal, “fazer eficazmente a experiência da vida”. E se a nossa visão ordinária do mundo é “reduzida” e limitada pela pressão que os objetivos operacionais e imediatos do nosso agir exercem sobre nós “também o serviço – cultual, pastoral, caritativo – pode tornar-se” somente algo a fazer, o risco passa a ser o cair na busca duma “eficiência que banaliza o discernimento, empobrece a sensibilidade e reduz a complexidade”. Assim, na "nossa vida quotidiana", devemos aprender “a distanciarmo-nos do imediato, a reduzir a velocidade, a contemplar e a escutar. Isto pode acontecer quando, de modo desinteressado, uma pessoa se detém para ler um livro. É necessário “recuperar formas hospitaleiras e não estratégicas de relacionamento: ocorre distância, lentidão, liberdade para uma abordagem da realidade, em palavras simples, a literatura nos permite "treinar o nosso olhar para buscar e explorar a verdade das pessoas e das situações", "nos ajuda a dizer nossa presença no mundo". Além disso, insiste o Papa, "lendo um texto literário" vemos através dos olhos dos outros, desenvolvemos "o poder empático da imaginação", "descobrimos que o que sentimos não é só nosso, é universal, e, por isso, até a pessoa mais abandonada não se sente só”. E assim descobrimos que aquilo que sentimos não é apenas nosso, é universal, e por isso descobrimos alguém que nos acompanha.
Enquanto regi a cadeira de Antropologia Filosófica na Faculdade de Letras, em Coimbra, esforcei-me sempre por aliciar os estudantes para a leitura da grande literatura mundial, concretamente das tragédias e dos romances, na convicção de que seria esse um dos lugares indispensáveis para poderem penetrar de modo substancial na urgência do conhecimento da realidade humana no seu enigma e mistério.
Foi, por isso, para mim, uma surpresa feliz entrar em contacto com algo totalmente inédito na história das publicações papais: a Carta do Papa Francisco sobre o papel da literatura na Educação, publicada com a data de 17 de Julho de 2024. Ela teria sido escrita pensando na formação dos futuros padres, mas, pensando bem, é para todos, reconhecendo “o valor da leitura de romances e poemas no caminho do amadurecimento pessoal”.
Francisco tem consciência de que é necessário “ultrapassar a obsessão dos ecrãs, dedicando-se tempo à literatura, a momentos de leitura serena e livre, a falar de livros que, novos ou antigos, continuam a dizer-nos tanto”.
Pessoalmente, quero lembrar, entre outros, o neurocientista Michel Desmurget, autor de A Fábrica de Cretinos Digitais e, mais recentemente, de Ponham-nos a Ler! A leitura como antídoto para os cretinos digitais, que mostrou como a dependência dos ecrãs pura e simplesmente estupidifica: “Ler influencia positivamente todas as dimensões fundamentais da nossa humanidade.”
Concordando, Francisco lamenta que, “com poucas excepções, a atenção à literatura é considerada como algo não-essencial. A este respeito, gostaria de afirmar que tal perspetiva não é boa. Ela está na origem de uma forma de grave empobrecimento intelectual e espiritual dos futuros padres, que ficam assim privados de um acesso privilegiado, precisamente através da literatura, ao coração da cultura humana e, mais especificamente, ao coração do ser humano. De uma forma ou outra, a literatura tem a ver com o que cada um de nós deseja da vida, uma vez que entra numa relação íntima com a nossa existência concreta, com as suas tensões essenciais, com os seus desejos e os seus significados.”
Ele próprio foi professor de Literatura, sabendo, pois, do que que fala, e dá um exemplo: “Eu gosto muito dos artistas das tragédias, porque todos podemos sentir as suas obras como nossas, como a expressão dos nossos próprios dramas. No fundo, ao chorar o destino das personagens, estamos a chorar por nós mesmos: o nosso vazio, as nossas falhas, a nossa solidão.” Na verdade - e cita Karl Rahner -, a literatura inspira-se na quotidianidade vivida, suas paixões e acontecimentos reais, como “a acção, o trabalho, o amor, a morte e todas as pobres coisas que enchem a vida”.
É urgente ir ao encontro do Homem, não do Homem abstracto, mas de um ser humano concreto, do “mistério daquele ser concreto com as feridas, os desejos, as recordações e as esperanças da sua vida”. E para isso está também o recurso assíduo à literatura, que, entre tantas outras vantagens, “melhora a capacidade de concentração, reduz os níveis de deficit cognitivo e acalma o stress e a ansiedade. Mais ainda: prepara-nos para compreender e, assim, enfrentar as várias situações que podem surgir na vida. Ao ler, mergulhamos nas personagens, nas preocupações, nos dramas, nos perigos, nos medos de pessoas que acabaram por ultrapassar os desafios da vida, ou talvez, durante a leitura, demos às personagens conselhos que mais tarde nos servirão a nós mesmos.” E cita M. Proust: os romances desencadeiam “em nós, no espaço de uma hora, todas as alegrias e desgraças possíveis que, durante a vida, levaríamos anos inteiros a conhecer minimamente; e, dessas, as mais intensas nunca nos seriam reveladas, porque a lentidão com que ocorrem nos impede de as perceber”. E C. S. Lewis: “Ao ler as grandes obras da literatura, transformo-me em milhares de pessoas sem deixar, ao mesmo tempo, de permanecer eu mesmo”, e continua: “Neste ponto, como na religião, no amor, na ação moral e no conhecimento, ultrapasso-me a mim próprio e, no entanto, quando o faço, sou mais eu do que nunca.”
Para que serve a literatura? “Ela ajuda-nos a dizer a nossa presença no mundo, a “digeri-la” e a assimilá-la, captando o que vai para além da superfície da experiência; serve, portanto, para interpretar a vida, discernindo os seus significados e tensões fundamentais.” Mais: o seu olhar “forma para o descentramento, para o sentido do limite, para a renúncia ao domínio cognitivo e crítico da experiência, ensinando-lhe uma pobreza que é fonte de extraordinária riqueza. Ao reconhecer a inutilidade e, talvez até, a impossibilidade de reduzir o mistério do mundo e do ser humano a uma polaridade antinómica de verdadeiro/falso ou de certo/errado, o leitor aceita o dever de julgar não como instrumento de domínio, mas como impulso para uma escuta incessante e como disponibilidade para se envolver nessa extraordinária riqueza da história que se deve à presença do Espírito, e também se dá como Graça, isto é, como acontecimento imprevisível e incompreensível que não depende da ação humana, mas redefine o humano enquanto esperança de salvação.”
E Francisco conclui luminosamente: “Não podemos renunciar à escuta das palavras que nos deixou o poeta Paul Celan: ‘Quem realmente aprende a ver aproxima-se do invisível’.” E eu lembrei-me de Paul Klee: “A arte não reproduz o visível, ela torna visível.”
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado no DN | 24 de agosto de 2024
O Ultimatum inglês de 11 de janeiro de 1890 marcou profundamente a vida portuguesa inserindo-se na internacionalização da bacia hidrográfica do rio Zaire e na liberdade de navegação do rio Zambeze. Portugal tinha nas suas mãos as duas chaves da navegação em Angola e Moçambique, sendo forçado a franquear ambos os rios à navegação estrangeira. É uma das consequências do chamado Mapa Cor de Rosa, que pretendia conceder a Portugal o controlo dos territórios entre Angola e Moçambique, na sequência das expedições de Angola até à contracosta de Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens. Hesitações na política colonial e uma posição internacional frágil deram espaço a que o influente cônsul britânico Harry Johnston (1858-1927) se tenha tornado um agente ativo no amotinamento das populações em todo o curso do rio Chire – do lago Niassa ao Zambeze.
Assim, o Ultimatum pôs em causa as aspirações territoriais portuguesas entre Angola e Moçambique. Portugal deveria evacuar os territórios de Mashona (hoje Zimbabué) e as margens do rio Chire. Perante tão humilhante invetiva, o governo progressista em funções demite-se, cedendo lugar a um gabinete regenerador presidido por António de Serpa Pimentel, que negoceia o Tratado de 20 de agosto de 1890, mal recebido pela opinião pública, que o Parlamento reprovaria – uma vez que previa cedências territoriais excessivas e abrangia compromissos em Angola, quando nesse território não havia questões com os britânicos. Além disso, havia cedências desproporcionadas quanto aos transportes ferroviários e à liberdade de comércio. O governo cai e dá lugar a um ministério não partidário, com apoio do Exército, presidido pelo General João Crisóstomo de Abreu e Sousa (outubro de 1890), tendo como ministro da Marinha e Ultramar o dramaturgo António Enes, que tinha uma posição crítica relativamente ao mapa cor-de-rosa. A capacidade negocial face ao governo britânico era, porém, muito limitada, importando introduzir correção ao Tratado de 20 de agosto. Em Londres, o marquês de Soveral tenta obter junto do Primeiro-Ministro Lord Salisbury (1830-1903) as alterações necessárias que permitissem uma saída airosa e que evitassem perdas irreparáveis para a posição portuguesa. Salisbury resiste: ou se mantinha tudo na mesma ou se renegociava tudo. Cecil Rhodes, com o seu projeto de ligação ferroviária do Cabo ao Cairo, através da South Africa Company, exerce forte influência. Havia que agir rapidamente e António Enes propõe um “modus vivendi”, tendo por base a liberdade de navegação no Zambeze e no Chire para Portugal e o compromisso da Inglaterra de não celebrar novos compromissos com os régulos africanos, até se fixarem as fronteiras.
Salisbury e Soveral assinam em Londres a 14 de novembro de 1890 uma convenção para vigorar em 6 meses, pela qual o governo português se comprometia a permitir o trânsito de todas as vias fluviais do Zambeze, do Chire e do Pungue e a facilitar as comunicações entre os portos portugueses da costa e os territórios na esfera de influência da Grã-Bretanha. Era uma solução precária, mas preparava um entendimento. Em 28 de maio de 1891 viria a ser assinado um Convénio e em 11 de junho o Tratado que substituía o de 20 de agosto. Alguns aspetos foram retificados, como os de Angola, mas as reivindicações britânicas em matéria de exploração mineira ficaram. Quanto às fronteiras houve ganhos e perdas e António Enes partiria para a África Oriental para exercer funções de Alto-Comissário. Mas o Ultimatum deixou sequelas definitivas. Antero de Quental presidiu à Liga Patriótica do Norte, que marcou fortemente o protesto contra os britânicos, e em 31 de janeiro teve lugar a tentativa republicana do Porto, muito influenciada pela implantação da República brasileira (de 15 de novembro de 1889), dirigida intelectualmente por Sampaio Bruno e Basílio Teles, mais pensadores do que políticos de ação, que permitiu a aura do movimento, apesar do insucesso imediato, considerado como precursor da República.
Nos antecedentes próximos do 5 de Outubro de 1910 temos, assim, fatores políticos (o Ultimatum inglês, o 31 de Janeiro, os adiantamentos à Casa Real, a ditadura de João Franco, o regicídio), económicos (a perda de confiança interna, as imposições dos credores externos, a desorganização), financeiros públicos (o peso da dívida, a bancarrota de 1891-92, a falta de receitas fiscais estáveis), constitucionais (o esgotamento do rotativismo regenerador, a degradação do sistema partidário), educativos (a taxa de analfabetismo próxima dos 80%, a insuficiente cobertura escolar, o mal estar académico de 1907), culturais (o ambiente urbano favorável ao republicanismo), e sociais (tensões cidade/campo, falta de industrialização, ausência de política social). As instituições estavam demasiado frágeis, a humilhação tornou-se intolerável, o descontentamento sobretudo nas cidades gerou um clima que explodiu quando o rei e o príncipe real foram mortos…
Conheci Eugénio Lisboa em Londres, sempre com o mesmo rigor e afabilidade, com a amável presença de Maria Antonieta, sua mulher. Conferencista exemplar, era claríssimo até no modo como pronunciava as palavras, assinalando com naturalidade cada sílaba, cada frase, com a preocupação de deixar nítidas as ideias que exprimia. Tinha um sentido de humor único, não perdendo oportunidade para recordar um episódio burlesco. Engenheiro eletrotécnico de formação, no IST, entregou-se, ao longo da vida à literatura com uma dedicação digna de nota. Muitas vezes disse que no pelouro crítico só há uma regra, que considerava de ouro: ler, ler e ler. “Ler com atenção despreconcebida. Ler, aguardando sem a malícia de um programa prévio. Sem querer enfiar pelo texto abaixo a incompetência do método pré-fabricado. É o texto, a sua natureza, a sua força específica, a sua originalidade própria, a sua frescura intrépida – que nos hão de sugerir o método (se algum) mais adequado” (As Vinte Cinco Notas do Texto, INCM, 1987). Afinal, a clareza é a boa fé dos filósofos. E costumava lembrar António Sérgio, quando este pedia que não se fizessem confusões. “Um eclipse do Sol é uma escuridão, mas a teoria dos eclipses é uma doutrina clara”.
Eugénio Lisboa era um leitor permanente e insaciável – vário, intrépido e fecundo. Estou a ver a sua caligrafia cuidada, em cadernos de linhas, e a ordenação de citações oportunas, escolhidas com elevado critério. Não é possível compreendermos o que se chamou segundo modernismo, da revista “Presença”, sem recorrer a quem melhor conheceu e melhor estudou esse singular encontro cultural. Leu e estudou o seu amigo José Régio melhor do que ninguém, e como exímio intérprete entendeu bem os contributos de Adolfo Casais Monteiro, Branquinho da Fonseca e João Gaspar Simões. Percebeu cedo a originalidade do grupo e concordaria com a exceção à ideia de que o Português não é nada inclinado ao conhecimento de si próprio: “gosta muito de falar de si, mas daí a conhecer-se vão mundos”. Contudo, se se seguisse tal simplificação teríamos de concluir que “Antero, Pessoa e Pascoaes, por exemplo, não existiram, ou não foram portugueses, porque o mais significativo da poesia e da personalidade deles – aquilo que mais centralmente os devorou – é muito pouco característico do Português, tal como em média o conhecemos”.
Autor é aquele que acrescenta e foi esse o critério fundamental de Eugénio Lisboa na busca da literatura relevante. Lembremos o conselho que deu a António Osório, em boa hora, para que publicasse a sua inconfundível e sublime poesia. Por outro lado, a admiração que reservou a Jorge de Sena permite-nos aquilatarmos da originalidade e da força de um autor que sempre se considerou menos reconhecido do que deveria, mas que com a passagem do tempo e a limpeza dos caminhos assumiu o lugar essencial, como o crítico sempre considerou. Eugénio citou a propósito de outro intelectual marcante, o Padre Manuel Antunes, Charles Lamb, que disse: “Gosto de me perder no espírito dos outros homens”. Foi assim que aconteceu com ele próprio, numa obra plena de referências e de análises argutas e inteligentes assentes na busca incessante da eterna sabedoria do pensamento e da escrita. Montherlant, Reinaldo Ferreira ou Rui Knopfli também o ocuparam especialmente. Era um cosmopolita, com uma costela anglo-saxónica, criada na experiência moçambicana e na presença em Londres. Ao folhearmos números antigos da revista “Colóquio – Letras”, encontramos sempre o leitor atual, exigente e insaciável, a descobrir aquele pormenor essencial que passaria despercebido ao leitor ocasional. Não esqueço ainda a ação que desenvolveu na Comissão Nacional da UNESCO, sempre atento aos vários domínios da organização: a educação, a cultura, a ciência, o património e a comunicação. E as suas memórias em Acta est Fabula são imperdíveis, um autêntico néctar para a leitura do mundo.
O Relatório da UNESCO sobre a Educação para o século XXI – “A Educação um Tesouro a Descobrir” (Edições Asa, 1996) coordenado por Jacques Delors constitui uma peça-chave para a compreensão do desenvolvimento humano no mundo atual.
COMPROMISSO E REFORMA A imprensa internacional foi unanime em salientar que as ideias de compromisso e de reformismo gradual foram as marcas fundamentais do percurso cívico e político de Jacques Delors, que foi um grande impulsionador da causa europeia. Militante cristão desde a adolescência, na Juventude Operária Católica, no escutismo e no movimento “La Vie Nouvelle”, no seio do qual dirigiu os cadernos “Citoyens 60”, foi um discípulo confesso de Emmanuel Mounier. Recorde-se que o pensamento de Mounier (1905-1950) se organizou em torno de dois grandes polos: por um lado, a procura fundamental das condições de uma nova civilização, capaz de equilibrar a pessoa e a comunidade, e, por outro, o compromisso na história que interpela o pensamento através do acontecimento. «O acontecimento é o nosso mestre interior», escreveu Mounier a Jean-Marie Domenach, pouco antes de morrer. O aforismo resume a posição filosófica do autor, que recusou sempre fazer do personalismo um sistema. Por isso, Paul Ricoeur preferiu sempre falar de “filosofia da pessoa”. Assim, se há um pensamento de Mounier em busca das «estruturas do universo pessoal», este não pretende forçar o terreno concreto, histórico, para indicar a priori o sentido do acontecimento ou a orientação das ações a levar a cabo – como afirmou Guy Coq. O «campo de estrutura personalista» não é pensável em si mesmo ex ante, compreendemo-lo no interior dos problemas concretos, sociais ou políticos. É através dos problemas, no compromisso assumido no terreno, que este «campo de estrutura personalista» suscitará soluções. Mounier procurou, assim, constantemente uma coerência entre o discurso, a qualidade de homem e a ação. E Jacques Delors foi sempre fiel a esta ideia, insistindo sempre na fidelidade a esta ideia. Como disse Bernard Comte com felicidade: «O método de Mounier e o seu estilo de ação, são marcados pelo exemplo de Péguy: recusa separar o combate de ideias, o trabalho de elaboração dum pensamento, da presença na frente da atualidade política e social, nas lutas travadas em nome da justiça, da liberdade e da paz» (Cf. Guy Coq, Mounier: Compromisso Político, trad, portuguesa, Gradiva).
DEMOCRACIA E PESSOA HUMANA A ideia de democracia como sistema de valores esteve, de facto, bem presente no percurso político de Jacques Delors e na sua ação. E são as raízes do pensamento de Mounier que animam esse entendimento dinâmico. Assim, a formação económica obtida no Banco de França foi sempre caldeada pela consciência social. O planeamento estratégico deveria constituir uma agenda orientada para uma economia humana, considerando que o mercado só por si era incapaz de garantir a satisfação plena das necessidades numa perspetiva de desenvolvimento humano. Daí a defesa precursora dos objetivos de um desenvolvimento sustentável articulado com a equidade intergeracional e a justiça distributiva. O europeísta visionário considerou, assim, que o mercado, sendo necessário, não poderia ser um meio exclusivo definidor da partilha de recursos. Como afirmou em Braga, nas Semanas Sociais de 2006, o facto de “alguns desejarem impor a tese segundo a qual o social seria um travão ao crescimento e à competitividade, a verdade é que tal é um erro”. A economia ao serviço da pessoa humana é “crucial”. Por isso, não podemos “aceitar que apenas os mecanismos do mercado determinem ao mesmo tempo o útil e o justo” – ou seja, a economia de mercado não pode tornar-se sociedade de mercado. A ligação entre democracia, coesão económica e social, justiça e criação de espaços supranacionais como a União Europeia era para Jacques Delors um método necessário. Por isso, no último texto que escreveu, sintomaticamente sobre os cinquenta anos da “revolução dos cravos” de 25 de abril de 1974 afirmou que, pondo fim à ditadura, “Portugal ao abrir as portas da democracia, abriu ao mesmo tempo, as portas da Europa. E insistia na ligação indissociável entre democracia representativa e integração europeia, quando o alargamento da União volta à ordem do dia. A União Europeia deve ser constituída apenas por democracias e apenas poderá ser maior se for democrática. O ideal europeu depende da qualidade da representação democrática que o sustenta. Para o humanista de sempre, amigo saudoso de Mário Soares, a democracia como a unidade europeia não são conceitos abstratos, baseando-se em homens de boa vontade, capazes de tornar as profundas aspirações dos povos em resultados de paz, liberdade e prosperidade. “Quando tantos países sob ameaça batem à porta da União Europeia, quando as nossas próprias Assembleias representativas perdem o gosto do bem comum e o sentido do compromisso, quando a tentação do autoritarismo e a espera de um homem providencial nos afastam das nossas responsabilidades cidadãs minadas pelo individualismo, a doce recordação da alegria popular de 25 de abril de 1974 vem reavivar em toda a Europa as cores frágeis, mas brilhantes da democracia”.
DELORS E A CULTURA Para Jacques Delors, a cultura, envolvendo a educação e a ciência, as artes e a memória, deve estar no centro da vida democrática. Por isso, abraçou com grande entusiasmo a coordenação do fundamental relatório da UNESCO sobre a Educação no século XXI. O texto intitulado “Um Tesouro a descobrir” invoca a fábula de La Fontaine “o lavrador e os filhos” revelador de que a melhor herança que o pai sábio tinha para deixar, o tesouro escondido, era a educação. A educação durante toda a vida está no coração da sociedade, as diferentes sequências da educação devem estar interligadas, as estratégias de reforma têm de ligar escola, famílias e comunidades, devendo alargar-se a cooperação internacional à aldeia global. Exemplo, experiência e cuidado são essenciais. Daí a complementaridade necessária entre aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros e aprender a ser. “Fundamentalmente, a UNESCO estará a servir a paz e a compreensão entre os homens, ao valorizar a educação como espírito de concórdia, fruto de um querer viver em comum, como militantes da aldeia global que há que pensar e organizar, para bem das gerações futuras. Deste modo, estará a contribuir para uma cultura da paz”. Compreendendo a complexidade da vida humana, Delors estava ciente de quanto conhecimento se perde na informação e de quanta sabedoria se perde no conhecimento. Daí a insistência numa Europa aberta, respeitadora das raízes, ciente do respeito mútuo e da defesa da liberdade, da igualdade e da diferença, capaz de se tornar um fator de mediação e de paz. Não sendo uma fórmula mágica, a aprendizagem é um dos principais meios disponíveis para procurar o desenvolvimento humano mais profundo e harmonioso e assim diminuir a pobreza, a exclusão, a ignorância, a opressão e a guerra. Eis o que Jacques Delors procurou nunca esquecer.
O tema da Educação é muito sério e obriga à criação de consensos duráveis nas sociedades modernas. Lembramos o que defendeu Knut Wicksell (1851-1926): uma sociedade civilizada não pode definir as políticas de longo prazo, como a da aprendizagem de qualidade, ao sabor das modas, dos ciclos eleitorais ou dos discursos dos demagogos. Tem de haver um contrato durável. O objetivo mundial da UNESCO “Educação para todos” é de realização difícil, sobretudo quando consideramos a totalidade da população, sabendo que o ensino obrigatório abrange hoje todos jovens pelo menos até aos dezoito anos de idade. A recente publicação dos resultados do PISA tem suscitado muitos comentários. São legítimas todas as preocupações, mas há muitos argumentos fáceis e falaciosos que pouco ajudam à resolução do problema. Se temos que dignificar os professores e os educadores, não podemos limitar-nos ao debate corporativo. E esclareça-se o seguinte: é essencial haver comparações internacionais que considerem as situações reais existentes na educação e formação. Os resultados desses estudos devem ponderar os contextos complexos em que se inserem, sendo as grandes tendências objeto de rigorosa avaliação. Nesta oitava ronda do estudo da OCDE sobre o desempenho dos alunos de quinze anos de idade, temos sinais diversos que devem ser ponderados com muito rigor. Agora, houve consequências diretas da pandemia e do confinamento, sentidos por todos, mas houve outros fatores estruturais que estiveram presentes, e que temos de conhecer.
O exercício foi realizado em março de 2022 por 690 mil estudantes de 81 países e regiões do mundo, dos quais 34 fazem parte da OCDE, e ocorreu em circunstâncias especiais, que levaram ao adiamento por um ano do exercício. No entanto, os motivos de preocupação são reais. No caso português, temos de olhar as nossas dificuldades específicas, não correndo o risco de menosprezar elementos já conhecidos, respeitantes à deficiente qualidade dos desempenhos. Não podemos estar satisfeitos. E o certo é que a avaliação educativa obriga à consideração de vários elementos, não podendo reduzir-se a um só método e critério. Eis por que não podemos tirar conclusões com base nos valores circunstanciais. Temos, sim, de partir das alterações verificadas para saber a razão das mesmas. Havendo novos riscos, por que razão houve consequências negativas? Desvaneceram-se anteriores sinais positivos? De facto, continua a haver muito trabalho por fazer, de modo a garantir uma avaliação séria das aprendizagens. E temos de manifestar insatisfação pela situação atual, inserindo a sua análise no caminho percorrido. Em 1974 tínhamos 25% de analfabetos, sendo a escolaridade obrigatória de 6 anos, tendo passado a 9 anos apenas no ano de 1986. O abandono escolar foi gradualmente reduzido, mas os bloqueamentos não se desvaneceram subitamente. A utilidade do PISA e da cooperação com a OCDE é indispensável, mas essa análise corresponde apenas a uma parte do problema. A avaliação do sistema educativo é insuficiente entre nós e para ser eficiente deverá abranger as escolas, os professores e educadores e os estudantes. A qualidade educativa afere-se, de facto, na relação entre a escola, a família e a comunidade. Eis por que este debate não pode ser simplificado. Não há receitas mágicas, e quem disser que as tem, mente. John Dewey ensinou-nos que a escola faz parte da vida. As sociedades formadas por pessoas livres, iguais e diferentes, devem ser realidades abertas, civilizadas e respeitadoras dos direitos fundamentais. Por isso, toda a educação terá de ser para a cidadania. E John Locke ensinou-nos que não há modelos perfeitos de escola. A vida humana precisa de exigência e de ar puro. E os consensos são indispensáveis para que ninguém fique excluído e para que a qualidade resulte da convergência natural dos esforços dos cidadãos.
Os programas e os currículos escolares não podem ser confundidos com árvores de Natal, onde há sempre lugar para um novo elemento, tema ou matéria julgados de interesse. Importa seguir as reflexões antigas de grandes pedagogos, segundo as quais há a respeitar um núcleo fundamental, claro e limitado de objetivos e matérias, já que como disse Montaigne é preciso privilegiar uma cabeça bem feita, em lugar de uma cabeça bem cheia. Compreende-se a tentação de sermos mais abrangentes, mas é indispensável que uma escola seja um lugar de partilha de saberes e responsabilidades, de modo a abrir horizontes, mais do que criar um gabinete de curiosidades de cultura geral. John Dewey ou António Sérgio ensinaram-nos, por isso, a colocar a tónica no exemplo e na experiência. A escola não existe para a vida futura, mas para garantir desde já uma cidadania inclusiva, envolvendo todos. Participei em Paris numa reflexão sobre a Europa e a escola, a propósito da atribuição do prémio do livro do ano para melhor compreender a Europa a Caroline de Gruyter, dos Países Baixos, autora da obra Monde d’hier, monde de demain, un voyage à travers l’empire des Habsburg et l’Union Européenne (Actes Sud, 2022), com o apoio do Instituto Jacques Delors – “Notre Europe”. A experiência de um império de diversas línguas, povos, nações, religiões e territórios, a ponto de o lema dos Habsburgos ser Austriae Est Imperare Orbe Universo, AEIOU, constitui hoje uma lição histórica para prevenir vicissitudes e riscos de uma realidade muito complexa. De facto, a experiência europeia deve ser lida à luz não de uma lógica formal ou utópica, mas de instituições mediadoras capazes de criar soluções duradouras de paz, desenvolvimento e sustentabilidade. Mas, como foi afirmado no debate, a consciência europeia não se constrói pelo estudo abstrato e meramente formal das instituições comunitárias, mas pela mobilização dos jovens cidadãos em iniciativas concretas.
Recordo o facto de no Ano Europeu do Património Cultural (2018) ter sido possível envolver as redes de bibliotecas e centros de recursos escolares em iniciativas que permitiram a cada escola a escolha não só de um exemplo do património local, material ou imaterial, um monumento ou uma tradição, mas também de uma referência de outro Estado. Deste modo, o diálogo entre diferentes escolas e situações permitiu uma partilha, na qual cada comunidade poderia não só conhecer-se melhor, mas também conhecer as experiências dos outros. E assim o património cultural permitiu realizar experiências concretas de cidadania ativa, juntando a um tempo exemplos, princípios e valores. Ao invés da lógica nacional, fechada sobre si, pôde ganhar-se com o aprofundamento da identidade e das diferenças. E a defesa do património cultural, abriu pistas para a memória, o meio ambiente e o conhecimento da evolução da história e da cultura, no entendimento de que a paz exige a consideração da conflitualidade e da respetiva regulação.
O desenvolvimento humano obriga, assim, a garantir uma cidadania inclusiva, que fundamente a “republica escolar”, baseada na liberdade, na igualdade e na responsabilidade, em que haja participação e subsidiariedade, que reconheça as diferenças, o papel do outro e aproxime a realização do bem comum respeitante às pessoas concretas e à sociedade civil. Num cenário com duas guerras às portas do nosso continente, temos de desenvolver os fatores de coesão e de confiança, precisamos dos outros, procurando consensos duráveis. Como Jacques Delors afirmou no relatório sobre o futuro da educação, que coordenou para a UNESCO, é indispensável respeitar quatro pilares nesse tesouro escondido que é a aprendizagem: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros e aprender a ser. A Europa na escola, como a cidadania, não podem ser, assim, referências teóricas, têm de ser fatores de compreensão e de ação.
Recordando a memória da antiga Presidente do Centro Nacional de Cultura, Helena Cidade Moura, salientamos o seu empenhamento em prol da Educação permanente.
EDUCAÇÃO PARA TODOS A última vez que falámos foi na Residência Faria Mantero, no Restelo, onde viveu os últimos anos da sua vida, e onde também esteve António Ramos Rosa, que, aliás, nos deixou um “retrato” da sua amiga Helena Cidade Moura, num impressivo apontamento que se encontra no Centro Nacional de Cultura por gentileza da família desta. Falámos então longamente, essencialmente sobre projetos de educação popular, lembrando a sua própria experiência prática de alfabetização de adultos e de mobilização de iniciativas de participação cívica de norte a sul do país. Recordo-me de exaustivos documentos que me mostrou, com programas de descentralização de educação e formação, bem como de modos concretos de reconhecimento de formações adquiridas. A ideia de Educação permanente era para Helena uma prioridade absoluta e eixo de uma verdadeira política de cultura, não apenas como conceção programática, mas como mobilização de vontades e empenhamento de ações necessárias. O poder local e a importância da participação cívica eram fatores cruciais com os quais se poderia melhorar a qualidade da democracia. Mais do que um programa formal, a ideia de novas oportunidades para todos, era essencial. Exatamente nesse sentido a UNESCO consagrou em 1990, em Jomtien, como primeiro objetivo mundial a Educação para todos.
A PRIORIDADE DAS MULHERES Mais do que o combate pacífico contra o analfabetismo, haveria que considerar a educação e a formação como uma troca de saberes e experiências, reconhecendo que por exemplo um artesão analfabeto não pode ser esquecido já que, além do direito e dever à educação, tem muito para dar à sociedade em termos dos conhecimentos, do saber e do saber fazer, do mesmo modo que a prioridade relativamente ao ensino das mulheres constitui fator crucial no tocante á igualdade e à transmissão de conhecimentos. O filho ou a filha de uma mulher alfabetizada não será analfabeto ou analfabeta e, a prazo, pelo efeito multiplicador da aprendizagem, toda a sociedade ganhará com a literacia das mulheres. Saber ler permite não apenas transmitir experiências, ler estórias às crianças, mas também ter o conhecimento dos planos de saúde e de planeamento familiar, ler as bulas dos medicamentos. Salvam-se vidas vacinando as crianças e tendo acesso a consultas médicas e a medicamentos e a uma alimentação correta e equilibrada, mas também beneficiando da esperança da poesia ou da ciência. Era todo este entusiasmo que motivava Helena Cidade Moura no seu combate pela Educação permanente e pelo valor incalculável do conhecimento e da cultura como fatores motivadores da democracia e do Estado de direito.
UM GRANDE EXEMPLO CÍVICO Com um percurso cívico irrepreensível, desde o magistério literário ou da presidência do Centro Nacional de Cultura, onde contou com o apoio do Padre Manuel Antunes, S.J., até à função de deputada, depois de 25 de abril de 1974, foi sempre uma incansável militante da cultura e das artes. Como membro ativo da Civitas – Associação de Defesa e Promoção dos Direitos dos Cidadãos, fundada em 1987, lembrou-me o trabalho direto com desempregados, com trabalhadores em situação de exclusão social, resultante da emigração, da precariedade e da pobreza, habitantes de bairros degradados, cujo corte do laço social aponta para a exclusão. Havia que contrariar a rutura, entre o tecido social e as necessidades do País, no quadro europeu e no âmbito do desenvolvimento humanista, ao qual as novas tecnologias e os objetivos de coesão social trouxeram a exigência de um contexto de maior participação. “A busca desse contexto (continuava Helena) levou a um potencial de mudança, que nos foi aproximando da verificação de hipóteses teóricas fundamentais no pensamento de Chombart de Lauwe, segundo o qual a crise económica é uma crise cultural, na medida em que as escolhas de desenvolvimento, que estão na origem de erros de orientação, são fundamentadas em sistemas de representação e de valores, sobre as conceções do mundo, sobre as ideologias que recusam, em geral, de formas diversas, reconhecer nos factos, os direitos humanos e dos povos, mesmo se, em palavras, os defendem”.
Não esqueço esse nosso derradeiro encontro, e sobretudo o sentido das suas preocupações, a fim de que não esquecêssemos o dever essencial de fazer da Educação para todos uma responsabilidade partilhada, determinada e necessária. Mas devo lembrar ainda a honra que tive, enquanto Ministro da Educação, de nomear Helena como representante do Ministério na Comissão do Centenário da morte de Eça de Queiroz. Trabalhou então intensamente, sempre com a preocupação de aproximar a literatura das pessoas e de garantir a qualidade das aprendizagens no ensino obrigatório. Estivemos, por isso, juntos em Tormes, num momento inesquecível. E para sempre lhe estamos gratos pelo trabalho pioneiro na edição dos “Livros do Brasil” da obra de Eça. Em especial lembre-se o “salvamento” de A Cidade e as Serras, num episódio complexo de que hoje conhecemos os contornos algo estranhos. E concordamos com o que afirmou então, de forma diplomática, “que a profusão de emendas que o espírito-companheiro de grupo (referia-se a Ramalho) teria feito nos manuscritos de Eça está longe do que hoje nos pede o respeito pela obra literária”. Helena Cidade Moura abriu, assim, caminho à edição crítica, e devemos estar-lhe eternamente gratos. Oiçamo-la: “Eça, estilisticamente, foi um precursor. Ainda hoje nos espanta a novidade expressiva do seu estilo. Seria que no seu tempo, mesmo aqueles que o consideravam o maior de todos, não sentiriam segurança suficiente para expor aos olhos do publico uma prosa demasiado direta? O problema requer investigação. A verdade é que hoje uma edição cuidada das obras de Eça de Queiroz não se pode fazer apenas repetindo as primeiras edições, nos livros que mesmo considerados não póstumos por ter sido por ele organizada e tratada a sua impressão com o editor, foram na verdade publicados depois da sua morte”. E assim se criou um novo paradigma. O trabalho feito está à vista, realizado pelos melhores especialistas para benefício da cultura e da memória de Eça, mas a premonição de Helena tem de ser reconhecida, uma vez que pôs termo a uma inércia talvez respeitosa, mas inaceitável. Filha de Hernâni Cidade, que tive o gosto de conhecer, e que foi mestre no estudo da literatura portuguesa e um dos fundadores da revista “Colóquio” da Fundação Calouste Gulbenkian, nascida em 27 de agosto de 1923 e falecida a 20 de julho de 2012, pode dizer-se que foi, com Sophia de Mello Breyner e Helena Vaz da Silva, uma das mulheres que colocou o Centro Nacional de Cultura como importante referência cultural, para além de tudo o que realizou ao longo de uma vida cívica de grande importância.
Eduardo Marçal Grilo em Salazar e a Educação no Estado Novo (Clube do Autor) procede a uma análise em que procura ver as razões do atraso educativo português no salazarismo.
QUE POLÍTICA EDUCATIVA? No livro de Christine Garnier Férias com Salazar (1952) surgem considerações sobre o que Oliveira Salazar pensava sobre as políticas educativas. À pergunta “qual deveria ser o principal fator da educação em Portugal?”, a resposta não se faz esperar: “A família. Por felicidade, nós dispomos ainda em Portugal um fator favorável embora insuficiente; a família conserva uma certa consistência ao lado da desagregação que por toda a parte se lhe nota. Afirmando que a educação é da competência e da alçada da família, a Constituição Portuguesa quis exprimir não só o pensamento de que o Estado não pode fazer obra educativa contrariamente ao espírito da família de que a criança proveio, mas o de que a educação deve fazer-se principalmente no seio familiar”. Na introdução que escreveu para a entrevista que António Ferro lhe fez, as considerações educativas do então Presidente do Conselho tinham sido semelhantes: “pesam sobre nós defeitos tradicionais, que é mister desenraizar das almas, do carácter dos portugueses. Pesa conjuntamente com esses defeitos uma educação viciosa que nos não dá rendimento preciso. (…) A obra educativa a realizar, mormente nesta época de renascimento nacional, tem de partir dum ato de fé na Pátria portuguesa e inspirar-se num são nacionalismo”.
EDUCAÇÃO E ESTADO NOVO… Eduardo Marçal Grilo em Salazar e a Educação no Estado Novo (Clube do Autor) procede a uma análise em que procura ver as razões do atraso educativo português no salazarismo. Além da perspetiva que demonstra o diminuto interesse do governante pela função educativa, compreendemos que esse entendimento se estende ao grave problema do analfabetismo, que não é visto como prioridade primeira: “Considero mais urgente a constituição de vastas elites do que ensinar o povo a ler”. E assim a limitada definição de um quadro global (ler, escrever e contar) tem de ser lida em contraste com a preocupação que encontramos, designadamente em textos emblemáticos desde Garrett a Adolfo Coelho, sem entrarmos em linha de conta com as reformas do início do século XX, que não puderam ir além das boas intenções, considerando a instabilidade política vivida. Se o discurso é propositadamente limitador e se, nas suas origens, há a preocupação de romper com as medidas visando fazer avançar o país, a verdade é que os acontecimentos mundiais irão forçar um gradualismo reformista, sobretudo no pós-guerra. Como diz o Presidente da República no Prefácio: “o autor demonstra por que razão a educação foi um dos flagrantes fatores de retardamento nacional, entre os anos trinta e sessenta, apesar dos esforços meritórios de alguns visionários ou arrojados”. De facto, “o Estado Novo não fez na área da educação o investimento que o país necessitava, mas a taxa de analfabetismo sofreu entre 1930 e 1970, uma redução de 34%: em 1930 haveria em Portugal cerca de 70 por cento de analfabetos, e em 1970 cerca de 26 por cento” … Esta evolução, contudo, só avançará de 1950 até aos anos setenta, havendo vários fatores a considerar, desde a criação das regentes escolares até ao plano de alfabetização dos anos cinquenta, passando pelo efeito do serviço militar obrigatório, que deve ser lembrado.
Importa recordar que a primeira alteração introduzida no ensino primário depois de 1926 ocorreu logo em 1927, na Ditadura Militar, antes do Estado Novo, sendo ministro da Instrução Pública Alfredo Magalhães, que alterou a estrutura do ensino primário adotada em 1919 e que reduziu a escolaridade obrigatória de cinco para três anos, facto sem paralelo no contexto das políticas comparadas, já que a evolução normal seria a de um progressivo enquadramento que permitisse um aumento na taxa de escolarização. A influência republicana no meio dos educadores e professores não terá sido alheia a esta orientação, que viria a ser confirmada após a ditadura militar. A reforma de 1936 de Carneiro Pacheco reforçou esse ponto de vista, baseando-se numa orientação ideológica marcada pela doutrinação da juventude, num sentido eminentemente nacionalista e de afirmação de uma “ordem” centrada num chefe absoluto e incontestado e na clara recusa do pluralismo. “As nações que querem viver baseiam a disciplina interior na autoridade de um governo ‘com autoridade’ e procuram dispor de soldados capazes de fazer triunfar o seu direito” – dirá o ministro da Educação Nacional, na defesa da Mocidade Portuguesa.
QUE MODERNIZAÇÃO A evolução da situação internacional no decurso dos anos quarenta conduzirá, todavia, a uma progressiva mudança no discurso e na concretização política. Em 1940 é posto em prática o ambicioso plano dos centenários, no tocante às construções escolares, havendo inovações no ensino industrial, profissional e agrícola ainda que concebido de forma marginal na relação ao ensino liceal, visto aquele como “ensino dos outros e para os filhos dos outros”. Em 1952, com o ministro Pires de Lima há uma clara tomada de consciência da situação alarmante que se vivia em matéria de analfabetismo, o que obrigou à definição de um plano que envolveu a obrigatoriedade efetiva do ensino primário, o recenseamento escolar, o reforço da fiscalização e a educação de adultos. Pode dizer-se que este momento é o mais importante para o progresso efetivo na luta contra o analfabetismo. Mas será Francisco Leite Pinto o protagonista, no dizer de Rómulo de Carvalho, de uma “política de valorização da educação e da formação dos recursos humanos, como resposta às exigências de uma economia moderna e como forma de promoção de uma certa mobilidade social”. Assim, em 1959, recordo o que aconteceu, o ministro concebeu um plano que denominou de fomento cultural, cuja realização muito ambiciosa necessitaria de meios financeiros e técnicos internacionais. Estabeleceu então contactos com organismos internacionais, a começar na OCDE, no âmbito da aplicação do Plano Marshall, e obteve o apoio indispensável, criando-se a partir daí um núcleo de especialistas, no âmbito do Projeto Regional do Mediterrâneo, que envolveu além de Portugal, a Espanha, a Itália, a Grécia e a Turquia. Deste modo, o despacho do ministro Leite Pinto de 21 de novembro de 1959 cometeu ao Prof. Alves Martins, do ISCEF, a funcionar no Centro de Estudos de Estatística Económica do Instituto de Alta Cultura, a tarefa de proceder à análise quantitativa da estrutura escolar portuguesa, o que coincidiu, na OCDE, à organização da conferência sobre indicadores e técnicas de previsão com largas implicações no ensino. Com esta preocupação, a escolaridade obrigatória foi alargada para os 4 anos, em 1956, mas apenas para o sexo masculino, ao contrário do que o ministro propusera. Só em 1960 as quatro classes passariam a ser obrigatórias para todos. Em 1961, o ministro sairia abruptamente. Estavam, contudo, lançadas as bases de um novo tempo. Por isso, diria: “Afirmo categoricamente que se não acabarmos com a frase rançosa e vergonhosa de que o Tesouro não pode dar prioridade às despesas da Educação, não poderemos ir longe no futuro, nesse futuro que para o Ocidente consiste numa contínua ascensão no caminho da prosperidade”. Com grande cópia de informações úteis, o livro de Eduardo Marçal Grilo é, assim, uma boa base de reflexão, sobre um tema essencial, que não pode ser subalternizado nem esquecido.
«L’Avenir de Terre-Patrie – Cheminer avec Edgar Morin» sob direção de Alfredo Pena-Vega (Actes-Sud, 2021) é publicado para assinalar o centenário de Edgar Morin.
OS PILARES DA EDUCAÇÃO
Quando definimos o perfil dos alunos no final do ensino obrigatório, recorremos aos sete pilares que Edgar Morin considerou essenciais para a Educação, numa cultura de autonomia e responsabilidade: prevenção do conhecimento contra o erro e a ilusão; ensino de métodos que permitam ver o contexto e o conjunto, em lugar do conhecimento fragmentado; o reconhecimento do elo indissolúvel entre unidade e diversidade da condição humana; aprendizagem duma identidade planetária considerando a humanidade como comunidade de destino; exigência de apontar o inesperado e o incerto como marcas do nosso tempo; educação para a compreensão mútua entre as pessoas, de pertenças e culturas diferentes; e desenvolvimento de uma ética do género humano, de acordo com uma cidadania inclusiva. De facto, só poderemos compreender e assumir uma cidadania livre e responsável se ligarmos informação, conhecimento e sabedoria – e entendermos a complexidade. A catástrofe está no horizonte, mas é possível inverter o curso dos acontecimentos. Morin recorda dois exemplos marcantes de tempos muito diferentes. A resistência vitoriosa por duas vezes da pequena cidade de Atenas perante o poder formidável dos persas, cinco séculos antes da nossa era, foi altamente improvável, mas permitiu o nascimento da democracia e da filosofia. Do mesmo modo, foram tão inesperados como improváveis o atraso e o congelamento da ofensiva alemã em Moscovo no Outono de 1941 e depois a contraofensiva vitoriosa de Jukov em 5 de Dezembro, seguida no dia 8 pelo ataque a Pearl Harbour que fez entrar os Estados Unidos na Guerra. A História reserva-nos inúmeros exemplos que nos permitem alimentar esperanças, desde que haja capacidade de autocrítica e mobilização de vontades, em torno de objetivos inteligentes e justos.
UM NOVO HUMANISMO
Com Terêncio temos de entender que nada do que é humano nos pode ser estranho. E quando alguém pergunta o que é a identidade europeia, Edgar Morin recorda a sua ideia de uma «comunidade de destino», capaz de congregar a consciência das diferenças e a importância do outro. Prefiro usar a expressão comunidade plural (e democrática) de destinos e valores. A cultura é o que diferencia e a civilização é o que difunde a criatividade humana. A identidade corresponde, assim, à exigência de um caminho comum e partilhado. Impõe-se perceber que, na expressão de Denis de Rougemont ou de Daniel Bell, o Estado atual é grande e pequeno demais para responder aos problemas contemporâneos. Quando surge, por fim, a pergunta sobre o que caracteriza uma ética europeia, na linha de Montaigne, E. Morin responde que o universalismo e a capacidade autocrítica são as características europeias fundamentais. Precisamos, no fundo, de uma Europa criativa que aceita a imperfeição, aberta ao mundo, universalista e cultora da crítica, capaz de incorporar um caminho que possa favorecer a ideia fecunda de metamorfose! Em “La Voie – Pour l’Avenir de l’Humanité” (Fayard, 2011), Morin apresenta um conjunto muito vasto de propostas para ultrapassar a crise que vivemos, mas, mais do que isso, para compreender as raízes do mal que nos atinge globalmente e que exige respostas urgentes, corajosas e determinadas – que ultrapassem a mera lógica do curto prazo. Ernesto Sabato, o grande escritor argentino afirmou que «só há um modo de contribuir para a mudança, é a recusa da resignação». Edgar Morin concorda, preocupado com as fragilidades que estão a destruir os fundamentos de uma humanidade consciente das tarefas fundamentais que tem de assumir num tempo de incerteza e de risco de destruição. Nos tempos em que vivemos, plenos de contradições, em que os erros e as responsabilidades são de todos, apesar da tentação de criar bodes expiatórios, tantas vezes falsos e ilusórios, Morin lança um alerta – que se impõe impedir que persista o fatalismo, segundo o qual nada poderemos fazer para inverter a perigosa situação em que estamos. Estão profundamente enganados os que pensam poder voltar à corrida vertiginosa que confunde economia e ficção. “No sabemos lo que pasa y eso es lo que passa” – Ortega y Gasset disse-o, e hoje sentimos que se trata de uma ilustração do que nos está a acontecer. Edgar Morin fala-nos da cegueira de conhecimento que separa os saberes e desintegra os problemas fundamentais e globais, que necessitam de um conhecimento transdisciplinar. E refere que o ocidental-centrismo apoia-se apenas na racionalidade e dá-nos a ilusão de possuir o universal. E assim não é apenas a nossa ignorância, mas também o nosso conhecimento que nos cegam.
CRISE PLANETÁRIA
A crise planetária, com que lidamos mal, resulta da inexistência de autênticos dispositivos de regulação. A crise global não se resume, assim, a um acidente provocado pela hipertrofia do crédito, a qual não se deve apenas ao problema de uma população empobrecida pelo encarecimento dos bens e serviços, obrigada a manter o nível de vida pelo endividamento. Edgar Morin aponta o dedo à especulação do capitalismo financeiro nos mercados internacionais (do petróleo, dos minerais e dos cereais) e ao facto de o sistema financeiro mundial se ter tornado um barco à deriva, desligado da realidade produtiva. E cita Patrick Artus e Marie-Paule Virard, no seu livro anterior ao “crash” do Outono de 2008, intitulado «Globalisation: le pire est à venir» (La Découverte, 2008): «O pior ainda está para vir, em resultado da conjugação de cinco características da globalização: uma máquina inigualitária que mina os tecidos sociais e atiça as tensões protecionistas; um caldeirão que queima os recursos raros, encoraja as políticas de concentração e acelera o reaquecimento do planeta; uma máquina que inunda o mundo de liquidez e que encoraja a irresponsabilidade bancária; um casino onde se exprimem todos os excessos do capitalismo financeiro; uma centrifugadora que pode fazer explodir a Europa». Em suma, as desigualdades afetaram gravemente a eficiência e a equidade, através da fragilização do capital social (como há muito alerta Robert Putnam). A lógica de casino agravou os efeitos de um ciclo especulativo de consequências muito nefastas, como há muito alertara o insuspeito Vilfredo Pareto. A crise é ecológica, pela degradação da biosfera; é demográfica, pela confluência da explosão populacional nos países pobres e da redução nos países ricos, com desenvolvimento de fluxos migratórios gerados pela miséria; é urbana, pelo desenvolvimento de megapolis poluídas e poluentes, com ghettos de ricos ao lado de ghettos de pobres; é da agricultura, pela desertificação rural, concentração urbana e desenvolvimento das monoculturas industrializadas; é ainda crise da política, pela incapacidade de pensar e de afrontar a novidade, perante a crescente complexidade dos problemas; é ainda das religiões, pelo recuo da laicidade, pelo emergir de contradições que as impedem de assumir os seus princípios de fraternidade universal. Numa palavra, «o humanismo universalista – afirma Morin - decompõe-se em benefício das identidades nacionais e religiosas, quando ainda não se tornou um humanismo planetário, respeitando o elo indissolúvel entre a unidade e a diversidade humanas». A ideia fixa do crescimento contínuo e interminável não pode continuar. A evolução das ciências sociais e humanas obriga a entendermos a atual crise como uma via de repensamento – não apenas das circunstâncias económicas e financeiras, mas também das implicações sociais e axiológicas. A persistência nos erros que conduziram à atual situação levará a que os males das ilusões e das aparências se somem à incapacidade de perceber que os recursos escassos e que o meio ambiente estão a ser destruídos irreversivelmente. Tudo tem, afinal, a ver com o facto de o ganho a todo o custo ter substituído na ciência económica a consideração de que é a pessoa humana e a sua dignidade que têm de estar no centro da satisfação das necessidades.