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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A VIDA DOS LIVROS

  

De 25 de novembro a 1 de dezembro de 2024


A biografia de Egas Moniz, da autoria de João Lobo Antunes, permite-nos tomar contacto com um republicano humanista que em toda a sua vida acreditou no progresso social, nos direitos humanos e nas instituições baseadas na liberdade. (Egas Moniz – Uma Biografia, Gradiva, 2010).

 


LEMBRAR PERSONALIDADE MULTIFACETADA
O primeiro Prémio Nobel de nacionalidade portuguesa é ainda desconhecido por muitos, apesar de ter tido uma intervenção importante no seu tempo, quer como médico e professor na sua especialidade, quer como político muito ativo e interveniente na I República, quer como ensaísta e estudioso da língua e da literatura e amante das artes plásticas. Foi, de facto, no seu tempo uma figura marcante, que hoje merece ser recordado nas diversas áreas e facetas em que desenvolveu atividade. João Lobo Antunes legou-nos uma obra fundamental, que é a primeira biografia de Egas Moniz, uma das mais fascinantes personalidades de cidadão e médico do século XX, a quem se devem contribuições científicas fundamentais: a angiografia, técnica que permite a visualização dos vasos cerebrais, e a psicocirurgia, o primeiro tratamento cirúrgico de certas doenças psiquiátricas, retomada nos tempos atuais, em consequência dos progressos tecnológicos mais recentes. Foi galardoado com o Prémio Nobel da Fisiologia e da Medicina de 1949, partilhado com o fisiologista suíço Walter Rudolf Hess.


DE UMA ESTIRPE MUITO ANTIGA
António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz nasceu há 150 anos em 1874 em Avanca e formou-se na Universidade de Coimbra. Seu tio paterno e padrinho, o Padre Caetano de Pina Resende e Sá Freire insistiu que adotasse o nome de Egas Moniz em virtude de considerar que a família Resende descendia em linha direta de Egas Moniz, o aio do rei D. Afonso Henriques. A sua tese sobre “A Vida Sexual” tornou-se num bestseller quando foi publicada, conhecendo diversas edições. Em 1911 transferiu-se de Coimbra para a Universidade de Lisboa como Professor de Neurologia. Contudo, até 1919 foi sobretudo um político ativo, chegando a Ministro de Negócios Estrangeiros no governo de Sidónio Pais, depois de ter sido Embaixador em Madrid, tendo ainda chefiado a delegação portuguesa à Conferência de Paz de Versalhes no final da Grande Guerra. Foi fundador do Partido Republicano Centrista, dissidência do Partido Evolucionista de António José de Almeida, que se integraria no Partido Nacional Republicano (sidonista).   Foi ainda escritor e autor de obras como "A Nossa Casa" e "Confidências de um investigador científico". Foi também autor de um ensaio de crítica literária de grande interesse: "Júlio Dinis e a sua obra" (1924), onde demonstra que o escritor se inspirou em personagens reais oriundas de Ovar na criação das figuras principais dos seus romances fundamentais "A Morgadinha dos Canaviais" e "Pupilas do Senhor Reitor". Egas Moniz também escreveu sobre pintura e reuniu uma coleção de pintura naturalista, atualmente aberta ao público na Casa-Museu Egas Moniz em Estarreja, onde se destacam obras de Silva Porto, José Malhoa e Carlos Reis, além de uma coleção de peças de louça, prata e mobiliário de variada proveniência, testemunho do seu grande interesse e apurado gosto pelas artes plásticas e decorativas. A 14 de março de 1939, aos 64 anos, sofreu um atentado no seu consultório, perpetrado por um doente mental, engenheiro agrónomo de 28 anos, que, numa crise de paranoia, alvejou o médico com oito tiros. Foram-lhe retiradas três balas, mas uma ficou alojada na coluna dorsal. Apesar da gravidade dos ferimentos, Egas Moniz recuperou por completo, sem qualquer sequela física.


Sobrinho do colaborador direto de Egas Moniz, Pedro de Almeida Lima, João Lobo Antunes disponibilizou-nos uma narrativa objetiva e crítica, para a qual dispôs de testemunhos diretos, de origem familiar, bem como de numerosos documentos e cartas inéditos. Temos acesso assim a elementos fundamentais para o melhor conhecimento de um português que foi um notável cidadão e político, um diplomata, um homem das letras e do mundo, um clínico de sucesso e um celebrado cientista, inesperado e improvável.


EXEMPLO FASCINANTE
A biografia de Egas Moniz permite-nos, de facto, tomar contacto com um republicano humanista que em toda a sua vida acreditou no progresso social, no bem comum, na educação e na ciência, nos direitos humanos e nas instituições baseadas na liberdade, na igualdade e na fraternidade (Egas Moniz – Uma Biografia, Gradiva, 2010). Usando um nome heroico que lembrava as raízes antigas e originais da pátria portuguesa, alcançou a celebridade internacional, de que muito se orgulhava. A melhor homenagem que o saudoso João Lobo Antunes lhe faz é a de nos recordar uma personalidade multifacetada que, entre o muito que o interessava, não só foi premiado com o Prémio Nobel, mas, mais do que isso, foi um exemplar pedagogo e ensaísta, profundo conhecedor da língua portuguesa e respeitado até aos nossos dias pelos seus cultores. Morreu em 13 de dezembro de 1955.   


Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença