Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

  

De 19 a 25 de dezembro de 2022


Eduardo Marçal Grilo em Salazar e a Educação no Estado Novo (Clube do Autor) procede a uma análise em que procura ver as razões do atraso educativo português no salazarismo.


QUE POLÍTICA EDUCATIVA? 
No livro de Christine Garnier Férias com Salazar (1952) surgem considerações sobre o que Oliveira Salazar pensava sobre as políticas educativas. À pergunta “qual deveria ser o principal fator da educação em Portugal?”, a resposta não se faz esperar: “A família. Por felicidade, nós dispomos ainda em Portugal um fator favorável embora insuficiente; a família conserva uma certa consistência ao lado da desagregação que por toda a parte se lhe nota. Afirmando que a educação é da competência e da alçada da família, a Constituição Portuguesa quis exprimir não só o pensamento de que o Estado não pode fazer obra educativa contrariamente ao espírito da família de que a criança proveio, mas o de que a educação deve fazer-se principalmente no seio familiar”. Na introdução que escreveu para a entrevista que António Ferro lhe fez, as considerações educativas do então Presidente do Conselho tinham sido semelhantes: “pesam sobre nós defeitos tradicionais, que é mister desenraizar das almas, do carácter dos portugueses. Pesa conjuntamente com esses defeitos uma educação viciosa que nos não dá rendimento preciso. (…) A obra educativa a realizar, mormente nesta época de renascimento nacional, tem de partir dum ato de fé na Pátria portuguesa e inspirar-se num são nacionalismo”.


EDUCAÇÃO E ESTADO NOVO… 
Eduardo Marçal Grilo em Salazar e a Educação no Estado Novo (Clube do Autor) procede a uma análise em que procura ver as razões do atraso educativo português no salazarismo. Além da perspetiva que demonstra o diminuto interesse do governante pela função educativa, compreendemos que esse entendimento se estende ao grave problema do analfabetismo, que não é visto como prioridade primeira: “Considero mais urgente a constituição de vastas elites do que ensinar o povo a ler”. E assim a limitada definição de um quadro global (ler, escrever e contar) tem de ser lida em contraste com a preocupação que encontramos, designadamente em textos emblemáticos desde Garrett a Adolfo Coelho, sem entrarmos em linha de conta com as reformas do início do século XX, que não puderam ir além das boas intenções, considerando a instabilidade política vivida. Se o discurso é propositadamente limitador e se, nas suas origens, há a preocupação de romper com as medidas visando fazer avançar o país, a verdade é que os acontecimentos mundiais irão forçar um gradualismo reformista, sobretudo no pós-guerra. Como diz o Presidente da República no Prefácio: “o autor demonstra por que razão a educação foi um dos flagrantes fatores de retardamento nacional, entre os anos trinta e sessenta, apesar dos esforços meritórios de alguns visionários ou arrojados”.  De facto, “o Estado Novo não fez na área da educação o investimento que o país necessitava, mas a taxa de analfabetismo sofreu entre 1930 e 1970, uma redução de 34%: em 1930 haveria em Portugal cerca de 70 por cento de analfabetos, e em 1970 cerca de 26 por cento” … Esta evolução, contudo, só avançará de 1950 até aos anos setenta, havendo vários fatores a considerar, desde a criação das regentes escolares até ao plano de alfabetização dos anos cinquenta, passando pelo efeito do serviço militar obrigatório, que deve ser lembrado.

Importa recordar que a primeira alteração introduzida no ensino primário depois de 1926 ocorreu logo em 1927, na Ditadura Militar, antes do Estado Novo, sendo ministro da Instrução Pública Alfredo Magalhães, que alterou a estrutura do ensino primário adotada em 1919 e que reduziu a escolaridade obrigatória de cinco para três anos, facto sem paralelo no contexto das políticas comparadas, já que a evolução normal seria a de um progressivo enquadramento que permitisse um aumento na taxa de escolarização. A influência republicana no meio dos educadores e professores não terá sido alheia a esta orientação, que viria a ser confirmada após a ditadura militar. A reforma de 1936 de Carneiro Pacheco reforçou esse ponto de vista, baseando-se numa orientação ideológica marcada pela doutrinação da juventude, num sentido eminentemente nacionalista e de afirmação de uma “ordem” centrada num chefe absoluto e incontestado e na clara recusa do pluralismo. “As nações que querem viver baseiam a disciplina interior na autoridade de um governo ‘com autoridade’ e procuram dispor de soldados capazes de fazer triunfar o seu direito” – dirá o ministro da Educação Nacional, na defesa da Mocidade Portuguesa.


QUE MODERNIZAÇÃO
A evolução da situação internacional no decurso dos anos quarenta conduzirá, todavia, a uma progressiva mudança no discurso e na concretização política. Em 1940 é posto em prática o ambicioso plano dos centenários, no tocante às construções escolares, havendo inovações no ensino industrial, profissional e agrícola ainda que concebido de forma marginal na relação ao ensino liceal, visto aquele como “ensino dos outros e para os filhos dos outros”. Em 1952, com o ministro Pires de Lima há uma clara tomada de consciência da situação alarmante que se vivia em matéria de analfabetismo, o que obrigou à definição de um plano que envolveu a obrigatoriedade efetiva do ensino primário, o recenseamento escolar, o reforço da fiscalização e a educação de adultos. Pode dizer-se que este momento é o mais importante para o progresso efetivo na luta contra o analfabetismo. Mas será Francisco Leite Pinto o protagonista, no dizer de Rómulo de Carvalho, de uma “política de valorização da educação e da formação dos recursos humanos, como resposta às exigências de uma economia moderna e como forma de promoção de uma certa mobilidade social”. Assim, em 1959, recordo o que aconteceu, o ministro concebeu um plano que denominou de fomento cultural, cuja realização muito ambiciosa necessitaria de meios financeiros e técnicos internacionais. Estabeleceu então contactos com organismos internacionais, a começar na OCDE, no âmbito da aplicação do Plano Marshall, e obteve o apoio indispensável, criando-se a partir daí um núcleo de especialistas, no âmbito do Projeto Regional do Mediterrâneo, que envolveu além de Portugal, a Espanha, a Itália, a Grécia e a Turquia. Deste modo, o despacho do ministro Leite Pinto de 21 de novembro de 1959 cometeu ao Prof. Alves Martins, do ISCEF, a funcionar no Centro de Estudos de Estatística Económica do Instituto de Alta Cultura, a tarefa de proceder à análise quantitativa da estrutura escolar portuguesa, o que coincidiu, na OCDE, à organização da conferência sobre indicadores e técnicas de previsão com largas implicações no ensino. Com esta preocupação, a escolaridade obrigatória foi alargada para os 4 anos, em 1956, mas apenas para o sexo masculino, ao contrário do que o ministro propusera. Só em 1960 as quatro classes passariam a ser obrigatórias para todos. Em 1961, o ministro sairia abruptamente. Estavam, contudo, lançadas as bases de um novo tempo. Por isso, diria: “Afirmo categoricamente que se não acabarmos com a frase rançosa e vergonhosa de que o Tesouro não pode dar prioridade às despesas da Educação, não poderemos ir longe no futuro, nesse futuro que para o Ocidente consiste numa contínua ascensão no caminho da prosperidade”. Com grande cópia de informações úteis, o livro de Eduardo Marçal Grilo é, assim, uma boa base de reflexão, sobre um tema essencial, que não pode ser subalternizado nem esquecido. 


Guilherme d’Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença

A VIDA DOS LIVROS

De 20 a 26 de maio de 2019

 

 

«Thomaz de Mello Breyner – Relatos de uma Época, do final da Monarquia ao Estado Novo» de Margarida de Magalhães Ramalho (Imprensa Nacional, 2018) é uma biografia elaborada com grande rigor cronológico e histórico, que permite compreender não só a vida do biografado e mas também a sua época.

 

 

UMA BIOGRAFIA EXEMPLAR
A obra que agora nos chega só foi possível porque o biografado teve o cuidado de registar em cadernos e em agendas aquilo a que foi assistindo, bem como as pessoas com que se cruzava e se relacionava. Os primeiros cadernos respeitam ao período de 1880 a 1895, desde a frequência académica aos passeios, passando pelo namoro com Sophia Burnay, pela morte do pai ou pelo casamento do Príncipe Real. Teria sido o seu amigo conde de Sabugosa, um dos Vencidos da Vida, que o incentivou à prática memorialista – e quando este morreu (em 1924) teria feito uma promessa a si mesmo de que publicaria as suas “Memórias”, deixando o primeiro volume pronto (1930) e um segundo praticamente terminado. Infelizmente, porém, não chegaria a cumprir o seu desiderato, para além da infância e juventude, deixando, contudo materiais que foram preciosos para a elaboração desta obra. E quem aqui encontramos? Para Reinaldo dos Santos, “um príncipe do espírito” e para José Tomás Sousa Martins, insigne mestre de Medicina, “o melhor dos rapazes. Possui a nobre faculdade de admirar sinceramente (…) no sentir tem a mais absoluta indiferença pelo pedantismo triunfante, a mais rija indignação só lhe vem diante do egoísmo burguês”. Os onze capítulos do livro acompanham a personagem. Nascido em 2 de setembro de 1866, Thomaz de Mello Breyner vai acompanhar a transição do século e dos regimes. Os primeiros capítulos são mais curtos, mas com o andamento do tempo a informação coligida foi aumentando. Filho do comandante do regimento de Caçadores 5, então aquartelado no Castelo de S. Jorge, aí nasce, num lugar privilegiado. E dirá que foi um “menino estragado”, pelos mimos que recebeu de seus pais – aproveitando bem a possibilidade de ver tudo o que se passava à sua volta… Apenas com quatro anos, testemunha as movimentações da Saldanhada (1870) e a partir dos seis anos, sendo seu pai ajudante de campo do rei D. Luís. Passa a ser convidado para as festas dos príncipes, nas quais sofre troças e dissabores por ser uma criança apenas remediada de uma família sem meios de fortuna. Tem, no entanto, o apoio da rainha D. Maria Pia, que lhe permite superar situações difíceis. Os acontecimentos e as vicissitudes são múltiplos, mas o certo é que esse contacto revelar-se-á muito importante na formação do futuro médico, que inicialmente pretendeu seguir a carreira na Marinha… Conhece Herculano e Bulhão Pato e sabe tirar lições de um tempo que está longe das facilidades, mas que lhe dá um riquíssimo convívio humano… Conhece escritores, artistas, publicistas – até Ramalho e Eça. Começando com dificuldades no aproveitamento escolar, consegue superá-las com sucesso. Deixando o desígnio da carreira militar, aponta para a Medicina, dando-nos conta pormenorizada dos sucessos e infortúnios, merecendo especial referência a relação académica com os Professores José Tomás Sousa Martins e Miguel Bombarda. E lembro na memória familiar a boa lembrança que meu bisavô tinha do Conde Mafra. Meu bisavô era professor da Escola Médica e vizinho em S. João dos Bem-casados de Mello Breyner – admirando o jovem clínico.

 

NA CIDADE DE PARIS E NÃO SÓ…
Partindo para Paris, para aprofundar os estudos da Medicina, afirma: “Tenho visto com satisfação que a Escola de Lisboa não é nada tão má e que os portugueses aqui podem fazer boa figura, quer pela fala, quer pelos conhecimentos que têm, de resto não admira porque os nossos programas são os mesmos e os livros também, o meio é que é mais acanhado”. O ambiente de Paris é cheio de surpresas, desde a tentativa de uns quantos penduras à espera que Thomaz lhes emprestasse dinheiro até a uma chamada para acorrer a um ataque histérico de uma senhora em casa de um conde russo… Apesar de tudo, com alívio, Thomaz regressa a Lisboa, é nomeado Médico da Real Câmara e prepara cuidadosamente o casamento com Sophia Burnay, filha do célebre banqueiro. Passo a passo, encontramos o período difícil em que a monarquia constitucional está profundamente fragilizada, e em que o rei D. Carlos se deixa envolver nos erros dos partidos dinásticos, divididos entre a pura intriga (“discussões e bulhas dos monárquicos”) e a incapacidade de mobilizar o país. A humilhação do Mapa-Cor-de-Rosa deixou marcas profundas, o suicídio de Mouzinho de Albuquerque, quaisquer que fossem as suas razões torna-se um sinal de desalento nacional. Este é, contudo, um tempo de muito trabalho profissional para Thomaz de Mello Breyner, aliando a consulta médica, a prevenção, a preocupação com as injustiças sociais, bem patentes na vida das meretrizes e no alargamento das doenças venéreas. As relações entre os Reis tornam-se cada vez mais distantes e inconciliáveis. E o médico descobre, com preocupação, sinais perigosos de doença em D. Carlos, um nível de diabetes elevadíssimo não augura nada de bom… O monarca vai trata-se nas Termas de Pedras Salgadas, e há um movimento regional que parece de grande apoio popular o Rei… T. Mello Breyner confessará que se deixou enganar por essa onda, que não podia iludir o facto de Lisboa ser cada vez mais republicana.

 

CONTINUAM AS DIFICULDADES…
“Continuam as trapalhadas políticas. Não sei como isto vai acabar. Em geral, sou otimista, mas desta vez vejo tudo um bocado negro”. Estava-se em finais de 1907. O conde de Mafra apoia a política de João Franco, mas verifica que tudo se encaminha para um beco sem saída para o Rei e para o regime. Um colaborador no hospital diz-lhe, na véspera do Regicídio de fevereiro de 1908, “que uma grande desgraça se prepara”. E o terrível dia chega em que o Rei e o Príncipe herdeiro são mortos. Eduardo VII exclama: “A revolução triunfou, não é verdade?”. E Raul Brandão diz que quem passaria a governar seria “sua majestade o medo”… Mello Breyner não se conforma, acusa os cúmplices palacianos e conclui destroçado: “Dorme em paz doce príncipe ao lado de teu querido pai que te amava tanto e que tu adoravas. Mais doloroso seria para ti veres-te obrigado por uma política idiota a pisar constantemente a memória de teu santo pai. Dorme em paz querido anjo”. Sente-se no memorialista uma grande amargura e descrença absoluta na solução política encontrada depois do Regicídio. Em 20 de abril encontra António José de Almeida no comboio de Coimbra que se desfaz em argumentos contra o envolvimento republicano na morte do Rei, mas o Conde de Mafra não acredita.... Os pormenores da vida quotidiana somam-se à intensa atividade profissional, a I República, depois de implantada, é vista com desconfiança, a vida familiar conhece amenidades e sobressaltos, alegrias e desgostos… O inesperado contacto com os modernistas, como Almada Negreiros, dá um tom de futuro. E numa passagem muito breve, lemos: a minha neta Xixa ficou «distinta no seu exame elementar. Aquela pequena é extraordinária. Quando há dias estive no Porto vi-a decorar um soneto de Antero de Quental depois de o ouvir apenas 3 vezes. Que encanto de pequena»… E de quem nos fala? De Sophia de Mello Breyner Andresen, a mais célebre das suas netas…   

 

Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões - Ensaio Geral, Rádio Renascença