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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

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LXIV - VIAGENS, VIAJANTES E O FATOR LÍNGUA (VI)

 

Uma vez que a expansão marítima europeia foi iniciada pelos portugueses, a sua língua, ou a adaptação dela, tornou-se a língua franca da maioria das regiões costeiras que se abriram ao comércio e aos empreendimentos europeus em todo o globo.

Mesmo quando substituídos por holandeses, o nosso idioma criou raízes fortes. Enquanto os holandeses dominaram a totalidade ou parte do nordeste brasileiro, não conseguiram impor a sua língua. O mesmo sucedeu em Angola e no Congo onde, apesar de a maioria dos Bantos se ter associado aos holandeses entre 1641 e 1648, os seus escravos, auxiliares e aliados negros continuaram a utilizar o português.

Na Ásia, o português e os dialetos crioulos criados a partir dele, resistiram com êxito à pressão e legislação oficial holandesa. O exemplo mais visível da vitória da língua portuguesa sobre a holandesa é-nos dado pela capital colonial holandesa de Batávia, tida como a rainha dos mares orientais. O dialeto crioulo constituído a partir do português foi introduzido por escravos e criados domésticos da região da baía de Bengala e era falado pelos holandeses e mulheres de casta intermédia nascidas e criadas em Batávia, por vezes com exclusão da sua própria língua. Apesar das críticas oficiais a este costume, a maior parte dos holandeses tinha por grande honra ser capaz de falar uma língua estrangeira. O mesmo sucedeu em outras zonas, por exemplo no Cabo da Boa Esperança, onde o português crioulo se manteve durante muito tempo e teve forte influência no desenvolvimento da língua africânder.

A língua portuguesa era tida como uma língua fácil de falar e de aprender, com caraterísticas de língua global, unitária e universal, atenta a posição privilegiada de Portugal como potência marítima mundial, como língua apropriada, absorvida, enriquecida e miscigenada com o falar de outros povos, elevada à categoria de primeira língua de comunicação e imperial, como sucede hoje com o inglês.

Como consequência, difundiu-se por todo o mundo, ora falada corretamente, outras vezes sob a forma de crioulos e pidgins. Exemplos de uma língua que teve por base o português europeu, mas que depois se afastou do idioma de origem, temos os crioulos de Cabo Verde, Guiné-Bissau, Casamanssa (Senegal), os papiás cristam de Malaca, de Ceilão, os crioulos malaio-portugueses de Java e Singapura e os crioulos indo-portugueses de Goa, Damão e Diu. O pidgin é o proto-crioulo que deu origem aos vários crioulos portugueses espalhados pelas costas africanas e asiáticas.
Mas a difusão do nosso idioma não foi rígido nem categoricamente imperativo.

No Brasil, por exemplo, o português conviveu com o tupi-guarani dos índios, chegando a ser mais falada esta sua língua geral que o nosso idioma, o que prova que nos primeiros tempos não existia uma tentativa deliberada e consciente de aí difundir a língua portuguesa, o mesmo sucedendo, em maior ou menor grau, com as restantes línguas europeias em relação às suas colónias.

Esta política manteve-se até meados do século XVIII, época em que o Marquês de Pombal, no caso português, expulsou os jesuítas do Brasil e obrigou ao ensino do nosso idioma em todo o território, assegurando a unidade linguística e o futuro da língua portuguesa como idioma daquele país. Idêntica política viria a ser adotada mais tardiamente nas colónias africanas.

Esta conceção de imperialismo linguístico, em que era necessário impor a língua do centro, era praticada pelas demais potências coloniais em geral, nomeadamente Portugal, Espanha, França e Inglaterra. Tinha raízes na Revolução Francesa, em que um ideólogo, Abbé Grégoire, impunha o uso do francês e a proibição do latim, política que foi tomada como modelo a seguir. A Conferência de Berlim, em 1848, reforçaria esta visão.

 

04.09.2020
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

 

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

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LXIII - VIAGENS, VIAJANTES E O FATOR LÍNGUA (V)

Sendo a dilatação da fé uma das razões para a expansão marítima, viajavam nas naus sempre missionários que se estabeleciam nas terras descobertas ou conquistadas, evangelizando e convertendo povos ao cristianismo.

Com referência a esses viajantes da fé cristã, refiram-se os padres José de Anchieta, Manuel da Nóbrega, António Vieira e frei Cristóvão de Lisboa (Brasil), e S. Francisco Xavier e S. João de Brito (Ásia).

Descoberto o caminho marítimo para a Índia, assegurado e consolidado o Império pela África, Ásia, América e Oceânia, através de nomes como D. Francisco de Almeida, Afonso de Albuquerque, Lopo Soares de Albergaria e D. João de Castro, o rei D. Manuel I tomou o título de Rei de Portugal e dos Algarves, daquém e dalém mar, em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, título pomposo coroando e glorificando essa globalização.

Há a ter presente o conhecimento geográfico e a exatidão náutica que as viagens marítimas portuguesas proporcionaram à Europa, porque as suas cartas e rotas eram as melhores, sendo por isso pioneiras dos impérios marítimos europeus.

Da escola cartográfica portuguesa, nasceu a cartografia moderna, com cartógrafos como Diogo e Lopo Homem, Pedro e Jorge Reinel, Luís Teixeira, João Freire, Sebastião Lopes, Manuel Godinho de Erédia e Fernão Vaz Dourado.

Escreve o historiador britânico J. H. Plumb: “(…) o fascínio pela observação exata encontrava-se na maioria dos grandes exploradores portugueses. Traçavam as suas rotas nas cartas com uma exatidão espantosa. Anotavam cuidadosamente os animais, a vegetação, os minérios e as raças desconhecidas que iam encontrando, à medida que desciam a costa de África. Nada foi deixado ao acaso nos seus descobrimentos. Foram deliberados, bem programados e audaciosamente executados (…)” (introdução ao livro de Charles Boxer “O Império Marítimo Português 1415-1825”).

Dessa aventura pelos mares, surge a “era gâmica”, nas palavras do historiador inglês Arnold Toynbee, contactando com todo o género humano e todas as geografias.

A tomada de consciência da existência de um outro grupo de seres humanos, a troca de olhares e os gestos que acompanharam o primeiro encontro entre dois grupos de seres humanos foram o princípio da globalização cultural - a fala, a escrita, a discussão, o texto impresso, virão depois.

A confraternização ou a luta que se seguem a esse encontro, a negociação ou a violência que os acompanham são tidos como o princípio da globalização política, passando a globalização político-militar após a vinda das armas, exércitos, diplomatas e tratados.

A gestão das intenções em relação à posse das coisas, em termos de propriedade, e que eventualmente irá mudar como corolário das primeiras negociações ou confrontos, é o princípio da globalização económica.

 

28.08.2020
Joaquim Miguel de Morgado Patrício