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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XXV - EXPRESSIONISMO ABSTRATO AMERICANO - II

O CAMPO DE COR DO EXPRESSIONISMO ABSTRATO

 

O campo de cor do expressionismo abstrato é uma das duas correntes pictóricas fundamentais da vanguarda americana do expressionismo, a par da action painting

 

Está mais de acordo com os princípios do abstracionismo histórico ou clássico, tendo como modelos e referências obras de Malevitch, pai do suprematismo, de Mondrian, criador do neoplasticismo, de Matisse (fauvismo) e Kandinsky (abstracionismo lírico e poético), embora artistas nele incluídos, como Mark Rothko, Barnett Newman, Ad Reinhardt e Cjyfford Still tenham seguido, cada qual à sua maneira, um ideal de pintura absoluta e própria, que marca a diferença em relação ao passado.

 

Os pintores do Campo de Cor criaram telas calmas, serenas, suaves, de amplas extensões de tinta monocromática uniformemente usada, simplificando o cromatismo, ao invés das telas agitadas, agrestes e turbulentas de Pollock e De Kooning. Nas suas obras, a imagem e a cor tornam-se um evento mágico, sagrado, uma arte desmaterializada, metafísica, tentando converter-se numa ideia de absoluto, resultando numa objetividade pictórica que reduz o quadro a elementos mínimos estruturantes: caixilho, forma retangular ou geométrica, cromatismo simples e tela.

 

Rothko é o mais famoso representante do Campo de Cor, de linhas suaves e harmonia de cores, cuja gama é mais vasta que as cores primárias dos suprematistas e construtivistas, aplicando lentas camadas de tinta para compor campos de cor (colour fields) de contornos sombreados, em que a delimitação cromática se torna incerta, carregando as telas de emoção expressa via variações de cor.

 

Sem Título (Violeta, Preto, Laranja, Amarelo sobre Branco e Vermelho) (1949), Número 10, Centro Branco, Rosa e Lavanda sobre Rosa (1950), O Ocre (Ocre, Vermelho sobre Vermelho) (1954), Earth na Green (1955), Vermelho, Branco e Castanho (1957), Quatro Escurecimentos em Vermelho (1958) e Vermelho Vivo sobre Castanho (1959), são exemplos de uma pintura meditativa, apelativa da contemplação, do silêncio, das emoções básicas humanas, de algo que nos interroga e supera, animadas pela ideia de darem voz às realidades profundas da mente, numa vertente abstracionista distante da violência explosiva do dripping.

 

Queria que os seus quadros provocassem uma calma interior e uma reação espiritual no observador, que não fossem expostos com obras de outros artistas em mostras coletivas ou em espaços que tinha como inadequados.

 

Evoluiu no sentido de também conceber espaços, ao mesmo tempo que pintava telas. O que veio a concretizar com a Rothko Chapel   , inaugurada em 1971, após um convite de um casal de colecionadores para a feitura de uma capela interconfessional em Houston, Texas, de uma atmosfera e arquitetura mágica pensada para a contemplação religiosa, de todas as religiões.

 

Barnett Newman foi um dos líderes do grupo, que com Ad Reinhardt sobressaíram pela pureza das suas cores, lembrando o neoplasticismo de Mondrian, mas onde a cor prevalece sobre a forma geométrica. Pela limpidez da cor, diferenciam-se de Rothko. Veja-se Red Painting (Pintura Vermelha), de 1952, de Renhardt. 

 

Newman criaria um dispositivo que o tornaria famoso, marcando a diferença, uma linha vertical que representava faixas de luz, o seu zip. Enquanto Pollock tinha o seu drip, Barnett Newman tinha o seu zip. A descoberta ocorreu quando fez Onement I (1948), um quadro retangular vermelho, no meio do qual pôs uma faixa vertical de fita-cola, pintando por cima dela, após pintar os dois lados de cores diferentes. Exemplo maior é a sua tela Vir Heroicus Sublimis (Homem Heróico e Sublime) (1950-51), pretendendo alcançar uma reação emocional de estupefação pelo transcendente, ao mesmo tempo que os seus zips evocavam a luz através de uma linha vertical sugerindo a iluminação. Também distinguiam as suas obras monocromáticas e maioritariamente vermelhas das de Rothko. 

 

Cores cósmicas e espaciais, espirituais, contemplativas, meditativas, entre o finito e o infinito, o conhecido e o desconhecido, ouvindo o silêncio por entre porquês e respostas formuladoras de outros porquês. 

 

Na escultura temos David Smith, com Australia. E Anthony Caro, autor de Early One Morning (1962), obra de um vermelho brilhante, pesada, terna e de porte delicado, simultaneamente encantatória e surpreendente na sua elegância, intimismo e magia.

 


03.10.2017
Joaquim Miguel De Morgado Patrício

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XXIV - EXPRESSIONISMO ABSTRATO AMERICANO - I
POLLOCK: DO GESTUALISMO AO “DRIPPING”

 

A action painting, pintura gestualista ou de ação, tem por tema o próprio ato de pintar ou a pintura em si, não tendo como resultado final uma representação ou uma pintura descritiva, mas um conjunto de gestos que o artista imprime para exprimir as suas pulsões emotivas e interiores sem premeditações. Retoma, de modo mais proficiente, o automatismo dos surrealistas, ativando, com fins artísticos, latências ocultas e pulsões interiores isentas de quaisquer controlos. Secundarizando a forma e o cromatismo, sobressai uma visualidade imediata da interioridade do artista.

 

Exemplo de primeira água é a arte de Jackson Pollock, que usualmente pintava em telas de grandes dimensões, estendidas no chão ou encostadas a uma parede, que tinha como uma etapa para a feitura de murais, pintados diretamente na parede, tendo como ultrapassada a pintura de cavalete, à semelhança do mexicano Diego de Rivera. O que era uma anunciação do futuro, em paralelo com a monumentalidade dos edifícios de Nova Iorque, do Novo Mundo.

 

Quando Peggy Guggenheim o contratou, em 1943, para pintar um mural, surgiu a obra Mural, que pintou numa noite, numa velocidade instintiva e vitalidade desenfreada de gestos, cobrindo toda a superfície e onde inexiste uma zona central que atraia o olhar, dando origem ao novo movimento artístico conhecido por expressionismo abstrato.

 

É da autoria do crítico de arte H. Rosenberg a expressão action painting para designar os pintores do expressionismo abstrato. Em 1952, num afamado texto escreveu: “(…) os pintores americanos começaram um após o outro a considerar a tela como o teatro de uma ação, e não mais como um espaço para reproduzir, remodelar, analisar ou exprimir um objeto, real ou imaginário. O que era necessário colocar na tela, não era uma imagem, mas um acontecimento”.

 

Numa fase posterior e mais audaciosa, desenvolve a técnica designada por dripping: telas gigantes salpicadas de tinta, sem indícios de pinceladas, em que a tela é estendida no solo, atacada, explorada e gotejada por todos os meios, ora caminhando em cima, remexendo-a e atirando-lhe coisas, manipulando as tintas com paus, ferros, talheres, adicionando-lhe areia, botões, chaves, cigarros, fósforos, moedas, pregos, tachas, vernizes, vidros, numa infindável amálgama de objetos em permanente experimentação. Ou deixando que a tinta e a cor escorram sobre a tela de uma lata intencionalmente furada, ou os pincéis salpiquem a tela sem a tocar. Full Fathom Five (1947) foi uma das primeiras obras. N.º 5, de 1948, e Ritmo de Outono, n.º 30, de 1950, são outros exemplos.

 

“Eu pinto no chão. A maioria da tinta que uso é muito líquida, pouco espessa. E uso os pincéis mais como varetas, eles nunca chegam a tocar a tela, estão acima dela. Tendo-se experiência é possível controlar praticamente todo o correr da tinta. E eu não uso o acidental, visto negar o acidental”.

 

E justificando-se, dizia: “A arte moderna, para mim, não é mais do que a expressão dos objetivos contemporâneos da época em que vivemos. O que me interessa é os pintores de hoje não terem de procurar assunto fora deles próprios. Agora apoiam-se numa fonte diferente, pintam a partir de dentro. Parece-me que o artista moderno não pode exprimir esta época, o avião, a bomba atómica, a telefonia, à maneira do renascimento ou qualquer outra das culturas passadas” (excertos do filme Pollock, de Ed Harris). Tenho-a, pessoalmente, como uma pintura explosiva, em movimento, que se projeta para o infinito, projetando-se para fora da tela, havendo nela uma anarquia altamente organizada, sendo um ponto alto do expressionismo abstrato norte-americano.

 

Os trabalhos de Pollock, criados por gotas de tinta, ou tinta atirada à tela, foram tidos desde degenerados a pura inspiração de génio, tendo findo prematuramente, num acidente de viação, uma carreira reconhecida, à data, como brilhante.  

 

Como nomes representativos da tendência autográfica, de forte pendor gestualista (action painting), merecem menção De Kooning, Franz Kline, Robert Motherwell, Francis, Adolph Gottlieb. Sem esquecer as influências de Arshile Gorky, emigrante natural da Arménia, que com o recurso à sua força gestual e a formas orgânicas não figurativas, disseminou bases para o expressionismo abstrato americano, influenciando o trabalho de criadores como Pollock.

 

26.09.2017

Joaquim Miguel De Morgado Patrício