Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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ENTRE SIMONE WEIL E O FADO por Camilo Martins de Oliveira
«Minha Princesa de mim:
Passar-se-ão anos, se Deus quiser - e já se passaram tantos! - sem que nem eu chegue a perceber porque sempre te chamo “minha Princesa de mim” ... Não fui eu que te fiz princesa, nem te fiz de mim. Princesa de... eras e és, de mim ficaste, por um encontro inesperado. Sem te ter procurado como Stanley a Livingstone, foi no dia em que me vi no teu olhar magoado que, no íntimo de mim, te disse: “Princess of mine, I presume...” Talvez, em teu segredo, me cantasses já, como Dalila a Sansão na ópera do meu homónimo Saint-Saens: Ah, réponds moi, réponds à ma tendresse... Talvez já não se use, mas dura muito e é bom esse encontro de ternuras que se fidelizam. Aqui, em Paris, além das reuniões que me obrigam a passar o dia no Château de la Muette, sabes bem o que faço: um salto às livrarias do "Quartier", um jantarinho no "Le Muniche" (onde conheci a Romy Schneider...) e o regresso pacato ao nosso Georges V, onde me recolho lendo banda desenhada e outros filósofos. Comprei e leio hoje, editadas pela Plon, as "Leçons de Philosophie" de Simone Weil. Sinto muito o nosso abraço ao ler este pensamento recolhido de "La Connaissance Surnaturelle": “A fé é acreditar que Deus é amor e nada mais. Esta expressão ainda não diz tudo. A fé é crer que a realidade é amor e nada mais...”. Direi eu, na esteira de Simone, que a fé é profética: como primeira virtude teologal, motiva a esperança, e a esperança empurra-nos para o amor. Gosto muito dessa expressão "a realidade é amor e nada mais". Afinal, tudo muda e parece, parece sempre. Mas só o amor permanece. Como a verdade. E a verdade que podemos atingir não é o que julgamos compreender e afirmamos. É o que soubermos comungar com o ser íntimo e permanente de tudo, para que tudo seja, com o pouco que somos, um pouco mais belo. Outro apontamento da Simone Weil, para uma das suas lições: “La Beauté, sentimento do belo, sentimento sensível à parte carnal da alma e mesmo ao corpo, essa necessidade que é constrangimento e também obediência a Deus”. É interessante comparar, nas lições de Weil, essa ideia do amor como existente fora da duração, pois que o seu tempo é a eternidade, com a servidão do tempo. Recordo este passo de "Attente de Dieu": "Os amantes, os amigos, têm dois desejos. Um, o de se amarem tanto que entrem um no outro e sejam só um. Outro, o de se amarem tanto que, tendo entre eles metade do globo terrestre, a sua união não seja por isso diminuida. Tudo o que o homem deseja em vão cá na terra é perfeito e real em Deus". O encontro e a separação (e não será a morte a mais radical?) são, assim, inseparáveis na amizade. A comunhão é eterna. Nos seus apontamentos para uma lição sobre o tempo, Simone Weil escreve: "O tempo é a preocupação mais profunda e mais trágica dos seres humanos; pode mesmo dizer-se que é a única trágica. Todas as tragédias que possamos imaginar vêm dar a uma única tragédia: o escoamento do tempo". Mas considera que "o homem tem uma tendência invisível para a eternidade"... "Tudo o que é belo tem um carácter de eternidade. Os sentimentos puros para com os seres humanos: amor, amizade, afeto... Esses sentimentos não só se consideram como eternos, mas consideram eterno o seu objeto. Portanto,não há nada em nós que não proteste contra o curso do tempo e, todavia, tudo em nós está submetido ao tempo". Agora penso eu: que força nos faz durar na precaridade, nos mantém vivos e atentos através do processo degenerativo da nossa biologia, até ao nosso esgotamento? Será que o tempo, no qual Pascal pressentia a origem do sentimento do nada ser da existência, é já parte da eternidade? Vivendo esta vida no tempo que conhecemos, será que, afinal, existimos antes e depois dele e habitamos as cavernas de Platão?". Deixo aqui esta carta de Camilo Maria, que ia agora entrar por Sto. Agostinho. Para lembrar uma glosa que fiz a cada uma das seis estrofes de um célebre fado do Alfredo Marceneiro. Dá outro fado e é do tempo em que com fados também me entretinha (para fugir ao tempo?): Amor é água que corre,/ tudo passa, tudo morre,/ só este amor vai viver!/ Ó minha pombinha mansa,/ nosso amor é uma criança/ que ensinamos a crescer! // Amor é sonho e é encanto/que mesmo lavado em pranto/ sempre a si mesmo recorre.../ Forte, fiel, crente e brando,/ persistente mesmo quando/ tudo passa, tudo morre! // Amor é triste lamento/se,levado pelo vento,/ao longe se vai perder.../Mas não falto à minha jura:/é minha a tua ventura/e este amor vai viver! // Tudo é vário neste mundo,/mesmo o amor mais profundo/ se tenta a entrar na dança/e a deixar-se morrer.../ Mas amar-te é meu querer,/ ó minha pombinha mansa! // Foi bem efémero o desejo/de tantos amores que vejo/em danças de contradança.../Mas se amar é desejar,/deixa-nos lá continuar:/o nosso amor é criança! // Hei-de esquecer o teu amor?/ E o teu corpo encantador,/ que a minha alma sempre quer?/ Dou-te a mão, fico contigo:/ o nosso abraço é o amigo/ que ensinámos a crescer!”. Até fadistando se filosofa. Não é necessário ir à Sorbonne. Basta um saltinho à Travessa dos Palpites. Há coisas que se entendem em todas as línguas.
Camilo Martins de Oliveira
Obs: Reposição de texto publicado em 22.03.13 neste blogue.
“Um Homem na Cidade”(1977) resultou de um desafio de José Carlos Ary dos Santos a Carlos do Carmo, ao encontro de compositores como José Luís Tinoco, Fernando Tordo, Paulo de Carvalho e António Vitorino d’Almeida.
AMAR A LIBERDADE “Eu sou o homem da cidade / que manhã cedo acorda e canta, / e, por amar a liberdade, / com a cidade se levanta”. Tratava-se de assumir um modo renovado de ligar as raízes culturais da música portuguesa e as novas tendências cosmopolitas das artes, num tom popular, mas exigente. Era a cultura portuguesa que se projetava para além dos limites da inércia ou da continuidade. Afinal, ele era o filho de Lucília do Carmo, nome grande do Fado, e sucedera a seu pai, Alfredo de Almeida, desaparecido precocemente, ao timão de um dos lugares sagrados de Lisboa, “O Faia”. Sabia bem que só poderia singrar no meio artístico se representasse uma diferença substancial. Conseguiu-o até porque conhecia como ninguém as virtudes da cultura tradicional e a necessidade desta ganhar asas, para poder alcançar direitos de modernidade. Naturalmente, houve quem não entendesse, quem julgasse que havia uma espécie de desrespeito pela tradição. Mas o tempo venceu tudo. Thilo Krassmann ajudava na musica, Ary dos Santos entusiasmava-se na lógica da intervenção, contudo Carlos do Carmo compreendia bem que não poderia fazer um disco datado, mesmo que popular. Percebia o impulso, mas sabia que o julgamento do tempo iria ser inexorável – e isso seria muito mais importante dos que as incompreensões do curto prazo. E Ary dizia: “o senhor está muito exigente e até um bocadinho reacionário”. Ambos teriam as suas razões, mas no domínio artístico Carlos do Carmo tinha a razão essencial. E se dúvidas houvesse, bastaria ver como o tempo não deixou que o talento ficasse afetado pela moda passageira. E ambos ganharam, o poeta e o intérprete. O génio é, afinal, o que pode perdurar. E entende-se bem como o jovem que partiu para a Suíça em busca de uma aprendizagem de horizontes largos, pôde encontrar a qualidade dos melhores artistas do seu tempo.
CULTO E COSMOPOLITA Era um português culto que gostava de ouvir Sinatra e Tony Bennet e que aprendeu com eles a conversar com o público e a estar em cima de um palco, a renovar a linguagem da representação. Como ensinaram os maiores clássicos, havia que saber aliar a arte, a palavra e a expressão dramática, com verdade e inovação. Sem a tentação de repetir ou de imitar, usando a língua como modo de nos entendermos melhor. “Cantar é um ato de prazer, mas sobretudo no palco, que é um constante jogo de sedução, uma troca indescritível de sentimentos e emoções”. Ouvindo coisas muito boas, aprendendo com os melhores, Carlos do Carmo sabia que fazendo mais do mesmo não ajudaria ninguém – “ouvi coisas tão boas, tão boas, que sou muito exigente em relação ao que aparece”… Luiz Gonzaga, Dorival Caymmi, Sinatra, Brel, Elis Regina e a sombra eterna da Mãe guiaram os passos do artista. Era daqueles para quem apenas havia boa e má música. “O fado tradicional merece-me um profundo respeito. (…) Em cada dez composições do Alfredo Marceneiro nove são muito, muito boas…” (Notícias Magazine, 3.11.2019). Mas não era o fado triste que lhe interessava. Conhecia bem as primeiras origens da arte. Por isso, quando Carlos Saura se propôs fazer o extraordinário filme “Fados”, houve que reinventar a dimensão do fado dançado, como manifestação artística e não como reconstituição historiográfica.
No fundo o Fado como realidade viva tem de se renovar permanentemente. Só assim pode ser fiel aos melhores de cada tempo: Armandinho, Marceneiro, Maria Teresa de Noronha ou Carlos Ramos… A genial Amália tornou-se parte de outra galáxia. “As bases musicais do fado são fado menor, que é o fado triste, o fado mouraria ou fado maior ou fado corrido, fado que é dançável. Temos três frentes. Porquê cantar sempre o fado menor?”. Mas eis que sempre ensinou a recusar a facilidade – “o fado precisa de ser apreendido, respirado, de maneira a provocar reflexão. E que seja para quem o ouve um banho de afetividade”. Homem de cultura, leitor por prazer, muito cuidadoso com a palavra e com a dicção (as palavras deveriam ser ditas e compreendidas), Carlos do Carmo escolheu quem gostava, e eram os melhores, além de José Carlos Ary dos Santos, José Luís Tinoco, Manuel Alegre ou Alexandre O’Neill: António Lobo Antunes (Canção da Tristeza Alegre), José Saramago (Aprendamos o rito), Vasco Graça Moura (Nasceu assim cresceu assim), Manuela de Freitas (Fado Penélope), Nuno Júdice (Lisboa Oxalá), Maria do Rosário Pedreira (Pontas Soltas; Vem, não te atrases), Fernando Pinto do Amaral (Fado da Saudade), Sophia de Mello Breyner, Hélia Correia, Herberto Helder, José Manuel Mendes, Jorge Palma e Júlio Pomar…
CIDADANIA CULTURAL Foi com especial orgulho que, como presidente do júri do Prémio Vasco Graça Moura da cidadania cultural, tive o gosto de comunicar de viva voz a Carlos do Carmo que o galardão lhe tinha sido atribuído. E tenho na memória a sua reação de autêntica afetuosidade. E senti a alegria partilhada de Judite. Como afirmou o júri: “Os prémios nacionais e internacionais que obteve pela qualidade das suas edições discográficas, onde surge como um dos grandes intérpretes do fado que soube renovar, dão conta de uma das mais exemplares carreiras do panorama artístico português. Desde cedo que a sua voz soube quebrar fronteiras, atravessar gerações, tornando o fado uma interpretação artística de expressão universal. Essa expressão universal foi determinante para a candidatura do Fado a património imaterial da humanidade da UNESCO, de que Carlos do Carmo foi um dos embaixadores”. Senti, de facto, genuína satisfação da sua parte, que selou profundamente a minha amizade e admiração. Foi um ato de inteira justiça e não esqueço a referência sentida que fez à memória de Vasco, exemplo para todos. Não falámos apenas do poeta, que Carlos do Carmo cantou, mas da importância essencial da cultura como fator de enriquecimento da sociedade, de dignidade humana e de emancipação cívica. Tradição e modernidade, compreensão das raízes e audácia modernizadora, liberdade e responsabilidade, igualdade e diferença, qualidade e exigência – eis o que ligava profundamente Vasco Graça Moura e Carlos do Carmo. Num tempo em que assinalamos o centenário de Amália, em que as Artes, a Poesia e o Sentimento se têm associado no mundo largo das culturas de língua portuguesa (lembrando o Cante alentejano e a Morna cabo-verdiana – e não esquecendo que há pouco nos deixou a extraordinária artista e pedagoga, Celina Pereira), Carlos do Carmo é um símbolo que reconhecemos e que não deixaremos de lembrar sempre.
Até ao início do século XIX não encontramos referências musicais ou literárias ao termo Fado, como género artístico. Até então apenas se atribuía à palavra o sentido de destino (do latim fatum). Só nessa aceção encontramos a palavra na poesia, desde Camões a Bocage – sem falar da antiga tradição lírica dos trovadores.
Nas fontes documentais portuguesas, é apenas por volta de 1830 que nos surgem as primeiras referências ao termo com significado musical. O Dicionário de António Morais e Silva apenas refere o Fado como género poético-musical a partir de 1878. Quando no início do século XIX o Fado surge referido por diversos autores é-o sobretudo relativamente ao Brasil, como uma dança cantada, executada por pares, com contacto físico e movimentos regulares ligados ao ritmo. A vinda da Corte do Brasil traz assim esta prática. Inicialmente este Fado era praticado sobretudo por negros e mestiços como dança de terreiro, de influência africana… é descrita como voluptuosa, imoral e indecorosa…
Desde a década de 1830, o Fado é referido como canção e dança – ligado à boémia, às tabernas, aos prostíbulos e à tauromaquia. Há, pois, uma matriz original afro-brasileira do Fado. Figuras célebres da Alta Nobreza, em particular as mais ligadas à atividade tauromáquica, como o marquês de Castelo Melhor ou o Conde de Vimioso, promovem nos seus palácios apresentações de Fado. Este último titular ficará célebre pela ligação amorosa, por volta de 1840, a uma prostituta lisboeta, celebrada fadista, nascida na Madragoa, na hoje Rua Vicente Borga, que viveu na Mouraria – Maria Severa Onofriana, que nas décadas subsequentes à sua morte, ocorrida em 1846, com cerca de 26 anos de idade, se tornaria alvo de uma aura mítica, cada vez mais fantasiosa, transformando-se no primeiro ícone simbólico da afirmação do género fadista.
A ligação entre estes diferentes elementos irá dar lugar à afirmação do Fado assente em elementos complexos e diversos – a dança musicada, documentada em representações do Lundum nas tascas dos bairros típicos (Madragoa, Alfama e Mouraria), as festas ligadas aos touros e às touradas, o acesso às salas dos palácios dos melhores “cantadores de fado”, o uso da guitarra portuguesa e da guitarra clássica. São contraditórias as reações ao Fado, uns recordam sobretudo a origem popular de má fama enquanto, outros começam a fazer ligação às tradições líricas aristocráticas. Em Coimbra, Hilário lançará outra tradição.
O século XX mudaria tudo. As razões que levaram Alfredo Pimenta a combater os efeitos deletérios do Fado vão desvanecer-se e se há alguém que contribuiu para essa mudança radical foi quem acompanhou Amália Rodrigues, a partir dos anos quarenta e cinquenta. E além de Amália temos grandes poetas que compreenderam a importância de ligar a sua escrita ao Fado – Pedro Homem de Melo, David Mourão-Ferreira, Manuel Alegre e, com alguma surpresa, um poeta de origens surrealistas, como Alexandre O’Neill. Mas será Alain Oulman, da família dos editores Calmain-Levy, a contribuir para um enriquecimento cultural e artístico do Fado. Assim, Amália vai dar ao Fado um cunho novo, ligado ao fundo lírico português – as suas raízes familiares são, aliás, beirãs, e esse facto dá versatilidade ao Fado, para além dos limites tradicionais.
E olhemos a galeria dos grandes da renovação do Fado: além de Amália, Alfredo Marceneiro, Carlos Ramos, Hermínia Silva, Maria Teresa de Noronha, Vicente da Câmara, Carlos do Carmo, mas ainda Argentina Santos, Maria da Fé, Rodrigo, Camané e Mariza. Não podemos ser exaustivos. E quando ouvimos Cristina Branco (tornada símbolo da República por Júlio Pomar), Carminho, Kátia Guerreiro ou Aldina Duarte compreendemos que houve uma grande evolução, na qualidade e na exigência. E no domínio instrumental, Carlos Paredes é uma referência que em bom rigor ultrapassa as fronteiras estritas do Fado. E não podemos compreender a riqueza do género sem a qualidade de grandes instrumentistas, como Raul Nery, Júlio Gomes, Fontes Rocha ou Joel Pina – e sem a afirmação autónoma de músicos como Mestre António Chainho, Ricardo Rocha ou Mário Pacheco.
Ao escrever “As sílabas de Amália”, Manuel Alegre recorda o talento da grande artista, ao compreender a exigência da mudança. O Fado ganha com Amália uma outra dimensão. Ela confessará que em Paris nos concertos do Olympia se cantasse apenas o Fado tradicional não motivaria o público. Cedência à popularidade? Não. Preocupação em levar mais longe o fundo lírico da nossa cultura. Essa a importância de dar uma nova vida a Camões. Daí a homenagem a Alain Oulman que teve o grande instinto para o que da poesia era ao mesmo tempo culto e popular. E o tributo a Amália deve-se ao facto de ter dado uma outra dimensão ao Fado, tornando-o mais nacional e mais universal. E Manuel Alegre concorda com Hernâni Cidade, para quem Camões foi o mais fadista dos poetas portugueses… Leonel Moura associa, assim, e muito bem Amália à cultura portuguesa.
No artigo publicado na semana passada fizemos referência ao lançamento do livro intitulado “Amália Ditadura e Revolução” da autoria de Miguel Carvalho, previsto e ocorrido depois da redação do texto.
Sem de modo algum pretender, na presente evocação, esgotar a análise crítica deste estudo de cerca de 600 páginas, o que já de si atesta a abrangência, queremos agora assinalar a relevância tanto do estudo como da oportunidade de uma evocação vasta e englobante de uma das artistas mais marcantes da sua geração, no âmbito de criatividade musical que o fado implica, mas também, e talvez sobretudo na projeção e na diversificação da vida e presença internacional e na qualidade artística de Amália, como cantora, como atriz, como criadora e intérprete, como nome sempre relevante nas artes do espetáculo.
E sem de modo algum agora percorrer e evocar a total criatividade e diversidade da carreira de Amália, aliás tão desenvolvidamente evocada e analisada no livro, importa isso sim sublinhar diversos aspetos dessa vasta e, insista-se, diversificada ação artística que tanto marcou a sua época e que tanto merece hoje ser recordada.
E tenha-se presente que o estudo remete para uma bibliografia de mais de 200 títulos e referências, o que por si só confere a abrangência da pesquisa: isto tudo, insista-se, a partir da biografia de uma artista portuguesa, que, como tal, note-se bem, alcançou, na sua atividade criativa e de carreira, um nível ímpar de âmbito mundial.
Acrescenta-se ainda um conjunto vasto de testemunhos, depoimentos e entrevistas de mais de 90 individualidades identificadas.
E de tal forma que as suas ligações políticas não impediram a carreira a nível, insiste-se, mundial: e hoje menos ainda impedem o reconhecimento da sua extraordinária qualidade e criatividade.
Nesse aspeto, o livro de Miguel Carvalho impõe-se sem dúvida pela qualidade mas também pelo levantamento cronológico documental e bibliográfico largamente adequado à carreira artística de Amália e à projeção que em vida alcançou e que, não obstante o tempo recorrido e as mudanças inerentes, largamente mantém: mas apesar disso, é obviamente oportuna a evocação.
E apraz ainda assinalar designadamente então a heterogeneidade dessas fontes e a relevância que a pesquisa envolve, o que não obsta à originalidade meritória da investigação. E é um aspeto que nos apraz salientar.
Como é amplamente de lembrar que a lista de depoimentos recolhidos ultrapassa os 90!...
Tudo isto é meritório na perspetiva da biografada e do biógrafo. E acrescente-se que o centenário de Amália Rodrigues amplamente justifica estas e tantas mais referências e análises.
(Bibliografia - Miguel Carvalho - “Amália Ditadura e Revolução” ed. D. Quixote 2020)
Justificam-se amplamente as referências à celebração do centenário de Amália Rodrigues (1920-1999), num conjunto de estudos e evocações que serão aliás objeto de um livro de Miguel Carvalho, a ser lançado esta semana, e ao qual faremos referência depois de analisado. Em qualquer caso, importa desde já ter presente aspetos muito específicos da vida, obra e atuação de Amália, mesmo antes da leitura e análise do livro citado.
E isto porque Amália marcou e marca até hoje a cultura portuguesa em aspetos relevantes da sua criatividade, mas também da projeção internacional que amplamente exerceu. E não se diga que o fado tem valor menor da expressão e criatividade, projeção e prestígio no plano cultural/internacional, desde que em si mesmo alcance e mantenha a qualidade e criatividade que indubitavelmente marcou a vida e obra de Amália.
Desde logo pela internacionalização: levou o fado, goste-se ou não, como expressão da arte e da cultura portuguesa a dezenas de países, ao longo de uma carreira de dezenas de anos: citem-se designadamente espetáculos em Madrid, Paris, Londres, Roma, Trieste, Berlim, Dublin, Haia, Genebra, Berna, Lausanne, Tóquio, Moscovo, Rio de Janeiro, São Paulo, além das colónias portuguesas.
E também será oportuno evocar dois espetáculos de grande público e consagração no Coliseu dos Recreios em Lisboa, onde em 1965 se reafirmou, repita-se, para o grande público, a sua ímpar carreira.
E citamos alguns filmes em que atuou: “Capas Negras”, “Fado”, “Vendaval Maravilhoso” de Leitão de Barros...
Mas não queremos hoje desenvolver o tema, pois entretanto será lançado o livro de Miguel Carvalho, intitulado, note-se, “Amália – Ditadura e Revolução”.
E na análise do livro voltaremos à evocação de Amália Rodrigues.