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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

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XLI – FAUVISMO

 

No Salão de Outono de 1905, em Paris, um grupo de jovens novos pintores expõe telas marcadas pela agressividade das cores, onde a cor é empregue em tons puros, fortes e contrastantes, sem preocupações com a exatidão do tom local, usando formas e contornos indefinidos, composições planas e simplificadas. Foram denominados “fauves” (feras), uma vez se assemelhar a rugidos, a violência do seu trabalho, na distorção das formas e cores. Incluía Matisse, Derain, Puy, Manguin, Vlaminck, Rouault, a que se juntaram ulteriormente Dufy, Marquet e Van Dongen.

 

Este movimento artístico francês, conhecido por fauvismo, não aceita o papel representativo da pintura tradicional, apreciando a arte primitiva e infantil, liberta de convencionalismos, utilizando a mancha livre de cor, grandes saturações e contrastes cromáticos, em que o quadro não tem de ser fiel ao real e o tema é uma interpretação livre do artista.

 

O protagonismo dá-se ao nível da cor, brilhante e agressiva, usando preferencialmente cores primárias, de pinceladas vigorosas, soltas ou corpulentos empastes.

 

Faz o culto de uma maior alegria de viver, por confronto com o expressionismo alemão, mais dramático e marcado pela angústia de viver, embora parte integrante do expressionismo no seu todo, havendo quem fale do expressionismo francês, diferenciando-o do alemão.

 

Matisse foi o pintor fundamental do fauvismo, defendendo a harmonia cromática, desmistificando o retrato, apelando a uma ingenuidade e espontaneidade no olhar, à cor pura, ao decorativismo na arte, ao intimismo, num preenchimento total do espaço pictórico, com figuras simplificadas, um desenho de traços puros, grande saturação cromática, primitivismo, visão pura das coisas e uso da bidimensionalidade.

 

Em A Alegria de Viver (1905/6), exemplo conseguido do fauvismo, as figuras reduzem-se a manchas de cor que os contornos quase não delimitam, numa visão a cores de figuras excêntricas rudemente desenhadas, com alegres inovações cromáticas. Em A Dança (1910), sobressai a natureza expressiva das cores, que se impõem na plenitude, por entre formas muito simplificadas.

 

O fauvismo tem um sentido decorativo profundo, procurando a alegria de viver.

A experiência fauve, embora marcante, foi curta, sendo 1906 o ano em que se manifestou plenamente, com uma maior intensificação do cromatismo em Matisse, Marquet e Duffy, verificando-se a adesão de Braque e dos russos Jawlensky e Kandinsky, tendo os seus protagonistas adotado posteriormente outras linguagens pictóricas.

 

01.01.2019
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

 

 

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Matisse e as 'Notas de um pintor.' 

 

'A work of art must carry within itself its complete significance and impose that upon the beholder even before he recognizes the subject matter.', Matisse 

 

O texto 'Notas de um pintor' foram escritas em 1908, logo após Henri Matisse (1869-1954) ter-se estabelecido como principal mentor dos fauvistas.

 

Ora, no texto citado, Matisse afirma que numa pintura, acima de tudo, o mais importante é a expressão. O pensamento do pintor não pode separar-se da materialidade da pintura, pois o pensamento não vale mais do que a sua expressão. Segundo Matisse, a expressão será mais completa quanto mais profundo o pensamento. 

 

'I am unable to distinguish between the feeling I have about life and my way of translating it.', Matisse

 

Expressão, para Matisse, não se refere somente a manifestações de movimentos violentos. O todo da composição é expressivo - o espaço ocupado pelas figuras, os espaços vazios, as proporções. Tudo na pintura, tem a sua importância.

 

Composição é o modo de dispôr os diversos elementos de acordo com a sensibilidade do pintor. Todos os elementos da pintura são visíveis e têm um lugar específico e determinante. Matisse chega mesmo a declarar que a pintura, no seu todo, deve ser harmoniosa e que qualquer detalhe desnecessário substituiria, algum outro detalhe essencial, na mente do espectador. Uma pintura contém uma força expansiva, capaz de dar vida às coisas que a rodeiam.

 

'Nowadays I try to put serenity into my pictures and rework them as long as I have not succeeded. Charm, lightness, freshness - such fleeting sensations.', Matisse 

 

Ao pintar, Matisse deseja alcançar um estado de espírito e um estado de sensações condensadas. 

 

Matisse procura características na natureza, mais verdadeiras e mais essenciais, para que possa dar à sua pintura um significado mais duradouro. O movimento capturado durante a sua manifestação tem muito significado mas não pode estar isolado da sensação. Segundo Matisse, a realidade pode ser expressa de forma literal ou evocativa. O artista ao retirar-se de tentar mostrar a realidade tal como ela é, consegue obter resultados de grande beleza e profundidade.

 

'I must precisely define the character of the object or of the body that I wish to paint. I cannot copy nature in a servile way; I am forced to interpret nature and submit it to the spirit of the picture.', Matisse 

 

Para Matisse, todo o significado da pintura está já na conceção. Existe, desde logo, uma clara visão do todo - se existe ordem e claridade na pintura, significa que existe à mesma ordem e claridade na mente do pintor.

 

A cor por sua vez deve servir a expressão da melhor maneira possível. Os aspetos expressivos da cor, para Matisse, impõe-se de uma maneira puramente instintiva, através da observação, da sensibilidade e através da experiência.

 

É através da figura humana, que Matisse, encontra o seu maravilhamento pela vida pura e serena.

 

'The role of the artist, like that of the scholar, consists of seizing current truths often repeated to him, but which will take on new meaning for him and which he will make his own when he has grasped their deepest significance.', Matisse 

 

Ana Ruepp

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

As feras do século XX (parte II). 

 

'Only the series of colors on the canvas with all their power and vibrancy could, in combination with each other render the chromatic feeling of that landscape.', M. Vlaminck

 

Foi a partir do encontro com Derain que em 1900, Maurice Vlaminck (1876-1958) resolveu abandonar o ciclismo, a mecânica e a música. Pinta violentamente. A cor estala com vivacidade e sem disciplina nas suas pinturas. O encontro com a obra de Van Gogh foi o acontecimento decisivo. Emprega a cor no seu estado puro, dinamizando a técnica daquele pintor. É transportado pelo instinto, expressando o mundo livre, cheio de vida. A partir de 1908, experimenta algumas composições cubistas. Mais tarde explora uma outra técnica com paisagens dramatizadas pelos contrastes de sombra e luz.

 

Ora, a obra de Georges Rouault (1871-1958) é fruto de uma experiência dolorosa. Foi atraído pelos tons luminosos e aprendeu a captar a realidade por instinto. Rouault inspira-se em Rembrandt. Dedica-se a pintar palhaços, prostitutas e acrobatas. Procura denunciar a realidade repugnante, representando também cenas religiosas. Curioso é saber que, também expõe em 1905 no Salão de Outono, juntamente com os fauvistas, tendo em conta que a sua obra está mais próxima do expressionismo.

 

O encontro com Dufy e Friesz levou Georges Braque (1882-1963) a interessar-se pela pintura fauvista. Inspira-se no trabalho de Carot e Poussin, dedicando-se no início da sua carreira ao impressionismo. Braque usa a cor pura. A partir da exposição de Cézanne, em 1907, dá uma nova direção à sua obra. Ao conhecer Picasso, desenvolve a técnica cubista. 

 

No atelier de Gustave Moreau, ao lado de muitos outros fauves, Albert Marquet (1875-1947) descobre a utilização da cor pura. Em 1907, organiza a sua primeira exposição. Aqui revela-se um pintor do ar livre, atraído pelas paisagens à beira-mar. O seu desenho é rápido, breve e preciso. Esforça-se por atenuar as cores muito fortes, trazendo uma ordem ao quadro através dos contornos fixos. Deixou o fauvismo para se dedicar a um impressionismo calma e simplificado.

 

Othon Friesz (1879-1949) ao aproximar-se de Matisse, em 1904, dirige-se para o estudo da cor. A sua evolução para o fauvismo foi acelerada por várias viagens. Numa viagem a Munique com Dufy, em 1909, executa vistas muito estruturadas que indicavam o abandono da cor no seu estado mais puro. Nunca, na verdade procurou os contrastes violentos. 

 

No Havre, no atelier do pintor Bonnat, Raoul Dufy (1877-1953), aprende o gosto pela pintura. Nas paisagens parisienses e na representação de praias emprega as cores primárias, sob influência de Matisse. Mas ao abandonar o realismo impressionista comanda-o a imaginação. Em 1906, com Friesz aumenta a intensidade da cor, para desligar-se da objetividade. É a ideia de criar um universo de formas que não se vêm, que representa segundo uma expressão reduzida. Foi a obra de Cézanne, que em 1907, o direcionou para o cubismo. Acabará por se dedicar ao expressionismo alemão. 

 

Esta breve viagem pela vida dos pintores mais marcantes do fauvismo, leva-nos a concluir que para a maioria, o movimento foi transitório. Unia-os a vontade de distanciar a realidade objetiva da representação. Por tal vontade, muitos transformaram-se em cubistas, onde a independência da representação é notória. É importante salientar a obra de Matisse pois foi a que se mostrou mais fiel à corrente por ele iniciada.

 

Ana Ruepp

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

As feras do século XX (parte I)

 

O fauvismo é o movimento rápido, revolucionário, e multiplicador. Para muitos dos pintores deste movimento francês, este não passou de uma transição - como que uma aquisição de conhecimentos onde primava a investigação e a experimentação e assim partiam para outras criações artísticas.

 

O fauvismo nasceu em França e aí se extinguiu, contudo deixou marcas, algumas muito profundas, sobretudo no que diz respeito ao uso livre da cor. A arte islâmica e tribal, assim como a arte praticada pelos pós-impressionistas era admirada pelos jovens artistas que aí viam uma forma de se libertarem de convencionalismos que os aborrecia. Desejavam ir mais além e não representar o que as sensações captam, nem queriam enveredar por caminhos naturalistas. A arte teria de ser também emoção, transportando para a tela não só o que se via mas o que se sentia instintivamente. Por isso Van Gogh e Gauguin são referências marcantes.

 

Com estes propósitos e desejos, em 1905, uma exposição de jovens artistas no Salão de Outono, fez sentir um estilo radicalmente novo, de cor violenta e ousadas distorções.  Escandalizaram mas venceram. A arte moderna arrancou por mérito destes pintores.

 

O grupo apresenta alguns pontos em comum e originalidade própria tais como na técnica e na temática. A nova via de expressão regista a natureza marcada pelo homem, acentuando a alegria de viver. Limita-se às paisagens, aos retratos e outros objetos da vida quotidiana. A cor é aplicada em tons puros, sem exatidão nem correspondência com o real. Nascem os contrastes agressivos e fortes, que se tornam o caminho desta verdade artística. Chegam mesmo a criar formas novas a partir de um trabalho sistemático e segundo a criação espontânea intuitiva. É imprescindível o facto da imaginação superar a observação. Porém, esta exaltação, não dura muito tempo. O grupo desfaz-se - ficando alguns a continuar e a desenvolver as técnicas fauvistas; outros enveredam para o cubismo e para o expressionismo.

 

Foi Gustave Moreau que propôs a Matisse e a Derain que trabalhassem no seu atelier da escola de Belas Artes de forma a desenvolver o estudo e a aplicação de cor. O grupo logo aí ficou constituído mas mais tarde girará somente em torno de Matisse. Os jovens são assim dados a conhecer ao público na exposição de 1905. São eles Henri Matisse, George Roualt, André Derain, Othon Friesz, George Braque, Raoul Dufy, Maurice de Vlaminck, Albert Marquet. 

 

Henri Matisse é o artista mais importante deste movimento, pois mostra-se interessado em dar-lhe continuidade, fazendo de forma fiel e não simplesmente transitória. Nasceu em 1869. Estudou primeiramente direito. Em 1891, frequentou a academia que lhe permitiu entrar na escola Belas Artes. No atelier de G. Moreau inicia o trabalho feroz e descobre o seu amor pela arte. O seu objetivo é salientar as possibilidades de cor através do estudo e de uma investigação árdua e trabalhosa. Estuda também o corpo humano elaborando uma série de nus de cores violentas, contornados a preto. Mais tarde sente necessidade de aplicar a cor pura de forma a dar-lhe também expressão. A partir de 1905, desmaterializa a cor privando-a de realismo. A simplificação e purificação das formas revelam felicidade e vitalidade. 

 

Já André Derain (1880-1954), pela vontade dos seus pais deveria ter sido engenheiro. Porém a pintura era a sua vocação. De 1898 a 1900, frequenta a academia Carrière, onde conheceu Matisse. Foi no entanto o encontro com Vlaminck que o marcou. Ambos usam a cor pura como meio de expressão. Van Gogh e o neo-impressionismo tem no seu trabalho uma influencia notável. Recorrendo muitas vezes ao contorno acentuado das superfícies coloridas, tentando transformar a emoção numa construção. Por volta de 1910, abandona a técnica fauvista para se dedicar à redução do emprego das cores. Graças à influência de Cézanne, volta-se para o cubismo. Nos seus últimos trabalhos desliza entre o Neoclássico e o Realismo.  

Ana Ruepp