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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

De 25 de fevereiro a 3 de março de 2019

 

 

«Antologia» de Fernando Echevarría (Afrontamento, 2010) permite-nos tomar contacto com a obra de um dos grandes poetas portugueses contemporâneos – num momento em que é muito justamente homenageado na passagem do seu 90º aniversário (26.2.1929).

 

INTERROGAR O QUOTIDIANO
“O Vinho e o centeio abrem a mesa / àquele peso de fulgor sagrado / que nos reúne. Quase sacramenta / como a luz do concerto no trabalho / que aqui trazemos. E depomos tensa / para que nutra, com tua graça, o hábito de nos sentarmos a receber da terra / o que demos à terra. E partilhamos. / Que deste pão o nosso olhar se acenda. / E o vinho atine a só nos alegrarmos / para o esforço difícil da tarefa / dar fruto de justiça a todos quantos / tão apartados e famintos dela, / faltam ao peso e ao fulgor dos anos” (Geórgicas, 1998). Fernando Echevarría é um poeta em quem o talento e a capacidade de sedução se aliam naturalmente. E no poema com que iniciamos este texto, sentimos intensamente a ligação natural entre o quotidiano e o sagrado. E essa naturalidade encontramos ao longo de uma obra intensamente sentida, em que a natureza está à nossa beira perante a fantástica capacidade de renovar a vida a cada instante. E recebemos o eco nítido: “Talvez o sonho seja fundamento / de assim ligeiras serem as cidades. / Andarmos ruas ao nosso pensamento / as leva a abrir maior assiduidade / aos passos que pousamos no momento / de a transparência negar a antiguidade. / Por isso nelas somente passa o vento / se a sonhá-lo passarmos na cidade…” (Introdução à Filosofia, 1981). Misteriosamente, dir-se-ia que a realidade e o sonho se entrecruzam, já que a poesia é vista como a chave para todas as perguntas. O poeta é português com raízes em Espanha. Autor de obra traduzida nas principais línguas europeias, como francês, castelhano, inglês ou romeno, nasceu em Cabezón de la Sal (Santander, Espanha) em 26 de fevereiro de 1929, filho de pai português — que se exilara no país vizinho na sequência do fracasso da Monarquia do Norte — e de mãe espanhola, veio com dois anos morar para Grijó, Vila Nova de Gaia. Em 1940, entrou no Colégio Cristo Rei (Redentoristas), que frequentou até 1946, seguindo de novo para Espanha onde concluiu os estudos de Filosofia e Teologia, no seminário de Astorga, após ter feito o noviciado em Nava del Rey (Valladolid). Em 1956, ano em que publicou “Entre Dois Anjos”, terminou o serviço militar em Coimbra, regressando ao Porto para dar aulas ao ensino secundário, no Colégio de Gaia. Em 1961, emigrou para Paris, onde participou nos círculos oposicionistas portugueses. Aderiu ao Movimento de Ação Revolucionária (MAR), próximo do “grupo de Argel” e de Humberto Delgado. E através de Delgado, adere à Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), e vai para Argélia em 1963, é um dos fundadores da LUAR  (Liga de Unidade e Ação Revolucionária) com Emídio Guerreiro e Hermínio da Palma Inácio. José Augusto Seabra, com quem estará mais tarde na “Nova Renascença”, é um dos seus próximos contactos intelectuais e políticos. Três anos depois, volta para Paris, onde permanece exilado até 1974. Depois de 25 de Abril, recusou lugares políticos e continua a trabalhar até aos anos oitenta como professor de Francês no Centro de Orientação Social para Refugiados. Depois regressa a Portugal e fixa-se no Porto.

 

UMA OBRA POLIFACETADA
Escreve em português, e só ocasionalmente nas línguas castelhana e francesa, e colaborou em diversas revistas como “Graal”, “Colóquio/Letras”, “Limiar” e “Nova Renascença”. Com extensa obra poética, após Entre Dois Anjos, seguem-se em edições de autor e pequenas editoras, as obras Tréguas para o Amor (1958), Sobre as Horas (1963), Ritmo Real (1971), um livro de arte, com gravuras de Flor Campino, A Base e o Timbre (1974), Media Vita (1979), Introdução à Filosofia (1981) e Fenomenologia (1984). Após o regresso a Portugal, inicia uma relação editorial com as Edições Afrontamento, onde publica Figuras (1987), Poesia (1956–1979) (1989) — reedição dos livros compreendidos entre aquelas duas datas  —, Sobre os Mortos (1991), Poesia 1980-1984 (1994), Uso de Penumbra (1995), Geórgicas (1998), Poesia 1987-1991 (2000), Introdução à Poesia (2001), Epifanias (2006), Obra Inacabada (2006), Lugar de Estudo (2009), Antologia (2010), In Terra Viventium (2011), Categorias e Outras Paisagens (2013) e Obra Inacabada (2 volumes, 2016). E ouvimo-o: “às vezes a velhice reconhece / o júbilo crescente de irmos indo. / Os passos, graves, contam. Mas só esse / esplendor vagaroso de caminho / que eleva o corpo a condição celeste / onde estremece o espírito” (Lugar de Estudo, 2009). Fernando Echevarría recebeu inúmeros prémios, avultando: em 1982, Prémio de Poesia do Pen Club por Introdução à Filosofia; em 1987, o Prémio Inasset por Figuras; em 1991, o Grande Prémio de Poesia da APE por Sobre os Mortos; em 1998, o Prémio Luís Miguel Nava por Geórgicas; também pela mesma obra, o Prémio António Ramos Rosa, na sua primeira edição, em 1999, da Câmara Municipal de Faro; e ainda por Geórgicas, de novo o Prémio de Poesia do Pen Club em 1999; em 2002 o Prémio Teixeira de Pascoais; em 2005, pelo conjunto da sua obra, foi distinguido como o Prémio Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes, instituído pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura; em 2007, o Prémio Sophia de Mello Breyner Andresen por Obra Inacabada; ainda em 2007, o Prémio D. Dinis, da Fundação da Casa de Mateus, por Epifanias; em 2010, de novo o Grande Prémio de Poesia da APE por Lugar de Estudo; e em 2015, recebe o Prémio Casino da Póvoa, nas Correntes d’Escritas, por Categorias e Outras Paisagens.

 

UM POETA QUE PROCURA…
Que busca, afinal, o poeta? “As cidades longínquas são felizes. / Cantam ao sol implícito do mármore. / E, diáfanas, vogam. Sem raízes, / mas ao ritmo das fontes pelas árvores. / Ou, lavada brancura, ruboriza / ao poente dos bosques consagrados / a deuses forasteiros, em que a brisa / acorda, antiga, as harpas e os fados. / Harpas e fados que o fundo da cidade / de si exuma, quando se ilumina / a inteligência que, por ela, se há de / iluminar, leitura repentina. / Que o que é feliz é o longe da cidade / errar tão branco ao fundo da retina” (Introdução à Filosofia, 1981). E que é afinal a poesia? Invocando Maria de Lourdes Belchior, em “Magnificat”, o poeta faz a definição irrepreensível: “Mas sabemos que quanto nos fez falta / deixou ao espaço um esplendor feliz, / dilatado a fronteiras de país / onde a dor nem se dói. Porque só é alta…” (Uso de Penumbra, 1995).

 

 

Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões - Ensaio Geral, Rádio Renascença

 

CADA ROCA COM SEU FUSO…

 

DE REGRESSO DE LONDRES…
19 de fevereiro de 2019.

 

Venho de Londres, com os ouvidos cheios de argumentos racionais e irracionais, sobre o futuro que o Brexit reserva aos nossos amigos da Velha Albion.

Para já, percebi, entre tudo o que ouvi, que são mais as dúvidas do que quaisquer certezas. Mas em nome da coerência e da aprendizagem, posso, em traços muito gerais, expor-vos uma discussão que considerei algo absurda, em que o tema se tornou subitamente tão duvidoso sobre o que dizer ou fazer. E isto é tanto mais complexo e quase absurdo, que podemos estar um dia inteiro à procura de onde podem estar os interlocutores que procuram racionalizar o que pensam sobre tão inusitado tema. Comecemos pelo princípio. Entre os meus amigos, há representantes de todas as posições e atitudes. Mas posso dizer-vos que neste momento a atitude típica dos ilustres membros da Albion é não dizerem o que pensam, e pensar o que não dizem… Mas há mais, muitos dizem o que não pensam e pensam o que não dizem… Raros pensam o que dizem, e dizem o que pensam… Como costumava afirmar o meu velho Coronel Clifton, vive-se uma verdadeira trapalhada, plena de simulações e dissimulações. O mal foi o Senhor Cameron ter-se lançado de um avião em andamento sem paraquedas. O resultado foi aquele que a racionalidade impõe. O desastre aconteceu mesmo. Mesmo que ele, Cameron, a meio caminho, antes de se despenhar tenha dito “so far so good”. De nada lhe valeu esse derradeiro ato de fé. Descansa em Paz. Não houve retórica que salvasse a pura lógica a que Chesterton chamaria um figo. Mas vamos por partes. O não dizerem o que pensam, como John Bull, é natural. O pensar o que não dizem é uma consequência desse absurdo. Já o dizerem o que não pensam é uma atitude contra natura. Mas que dizer quando vivemos invadidos de fake news, como aliás já aconteceu com o famigerado referendo? E o pensar o que não dizem é algo que tem a ver com aquilo que um companheiro que se assemelhava a Mickey Rooney costumava dizer – “quando falta vontade e a indiferença prevalece, passa a valer tudo”. Uma notícia falsa mais não é do que fingir que é verdadeira, mesmo não o sendo. E esse companheiro antigo resumia tudo à filosofia do tanto se me dá. Acontece, porém, que essa indiferença não passa da seguinte consideração, só possível numa sociedade profundamente dividida – como ouvi num dos jardins de Oxford há poucos dias: se foram os velhos a votarem a saída, o que vai acontecer é que eles, por ordem natural das coisas, vão mais depressa para os cemitérios, e como aí deixam de votar, um tempo surgirá em que serão os jovens, que durarão mais tempo e que, portanto, terão de encontrar a solução prática para dar o dito por não dito. Eu sei que eles são muito pragmáticos em mudar acontecimentos. Resta, assim, esperar… O cinismo desta atitude não me convence, porém. Em bom rigor há quem não tenha tempo para essa espera. E isso obriga a apressar as coisas… Eis a encruzilhada do momento! Ninguém se entende. E a Albion vai-se tornando cada vez mais irrelevante.  Eis onde isto parece ir parar. Por mim e agora, vou para o jardim, que é tempo de experiências florais – e aproveito para citar um poema de Fernando Echevarría, o inolvidável…      

 

Vinham rosas na bruma florescidas 
rodear no teu nome a sua ausência.
E a si se coroavam, e tingiam
a apenas sombra de sua transparência.

Coroavam-se a si. Ou no teu nome
a mágoa que vestiam madrugava
até que a bruma dissipasse o bosque
e ambos surgissem só lugar de mágoa.

Mágoa não de antes ou de depois. Presente
sempre atual de cada bruma ou rosa,
relativos ou não no espelho ausente.

E ausente só porque, se não repousa,
é nome rodopio que, na mente,

em bruma a brisa em que se aviva a rosa.

Fernando Echevarría, in “Poesia 1956-1979”

 

 

Agostinho de Morais