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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

De 11 a 17 de maio de 2020

 

O “Novo Atlas da Língua Portuguesa”, de Luís Reto, Fernando Luís Machado e José Paulo Esperança (INCM, ISCT, Camões, 2018) é uma obra de consulta e estudo obrigatórios para quem queira conhecer a realidade da língua portuguesa, como terceira língua europeia mais falada no mundo e primeira língua do hemisfério sul.

 

 

UM DIA DE AFIRMAÇÃO
Quando, no dia 25 de novembro de 2019, a Conferência Geral da UNESCO decidiu adotar o 5 de maio como Dia Mundial da Língua Portuguesa, esse reconhecimento significou uma extraordinária responsabilidade partilhada por todos os que no mundo usam a mesma língua como meio de comunicar, de pensar, de criar, de exprimir sentimentos, de cultivar as artes, de partilhar conhecimentos, de refletir ou de inovar. A língua é essencial para a afirmação das identidades, mas também para enriquecer pelo diálogo as culturas e civilizações. É verdade que, segundo alguns, os povos primitivos criaram diferentes línguas para poderem preservar os seus segredos, mas também é verdade que as diferentes línguas foram sofrendo um longo processo de intercâmbio e de enriquecimento mútuo, recebendo vocábulos, ideias, construções de outros que fortaleceram a comunicação entre os povos e a partilha de valores comuns.
Como afirma Fernando Venâncio em Assim Nasceu uma Língua – Sobre as Origens do Português o nosso idioma projetou-se em todos os continentes. E segundo Ivo de Castro: “a história da língua portuguesa pode ser resumida numa frase: falamos uma língua que nasceu fora do nosso território e cujo futuro será em larga medida decidido fora das nossas mãos. A língua portuguesa, numa visão temporal ampla, acha-se de passagem por Portugal”. Quando falamos da língua portuguesa, consideramos uma longa história, a partir do galaico-português, referimos uma língua antiga, que cedo alcançou uma assinalável maturidade, certamente em virtude do Rei D. Dinis tê-la tornado cedo língua dos tabeliães em lugar do latim – o que favoreceu a afirmação do idioma como modo de comunicar do povo e dos letrados. Foi na Galiza que tudo começou, desenvolvendo-se a língua a partir das influências que os portugueses imprimiram, multiplicaram e também sofreram. Mas o nosso idioma e o espanhol tiveram géneses diferentes e separadas, como se vê no banimento das consoantes, no desenvolvimento do ditongo ão e na redução das sibilantes. De facto, o português ou o espanhol jamais foi dialeto um do outro, sem prejuízo de um encontro do português e do espanhol por volta de 1400, no momento do “ofuscante esplendor” da cultura vizinha. A partir da matriz galega, temos uma diversidade de influências, como a dos moçárabes, principal veículo transmissor de um grande número de vocábulos árabes para o nosso léxico, pela parte bilingue da população, além dos caracteres próprios adquiridos com a cultura quinhentista…

 

LÍNGUA DE VÁRIAS CULTURAS
Eis por que temos falado de uma língua de várias culturas e uma cultura de várias línguas, o que dá razão a Ivo de Castro quanto à complexa evolução de um idioma partilhado num mundo global. Falamos de várias culturas, pela natureza própria da diversidade política, como língua de unidade nacional, como língua segunda, ou como língua integradora num complexo mosaico étnico e geográfico – tudo isto encontramos, ora em África, ora no Brasil. E quando referimos várias línguas, reportamo-nos ao desenvolvimento dos crioulos, de raiz portuguesa, com uma vida própria, designadamente pela diversidade arquipelágica. De facto, sem idealizações ou simplificações, e muito menos paternalismos, a partir de exemplos concretos, trata-se, no fundo, de uma língua que deve ser vista como uma realidade em movimento. Como disse Rui Knopli a língua tenderá a ser um denominador comum de vários espaços africanos, asiáticos, brasileiros, europeus, numa espécie de “pátria coincidente”. E para o compreender, basta lermos a literatura da língua portuguesa contemporânea – Mia Couto, Germano Almeida, Pepetela, Rubem Fonseca, Ondjaki, Jaimilia Pereira de Almeida, António Lobo Antunes, Lídia Jorge…

 

«PÁTRIA COINCIDENTE»
Numa fórmula feliz, António Sampaio da Nóvoa, representante permanente de Portugal junto da UNESCO, fala-nos da “criação de um movimento que vá muito para além do dia 5 de maio, que simbolicamente é apenas a data, o lugar onde inscrevemos a nossa vontade de uma promoção internacional da Língua Portuguesa” e propõe uma estratégia a seguir, sintetizada em EC ao cubo, que integra Ensino, Cultura, Conhecimento e Comunicação. E a esta proposta, temos de ligar o especial empenhamento do Embaixador português, em dois importantes projetos no seio da UNESCO, as reflexões sobre o futuro do ensino e a exigência de uma ciência aberta e da partilha de dados e de conhecimento. São linhas de ação cruciais que certamente empenharão a Conferência Geral da organização de 2021 e constituirão a demonstração de que a língua portuguesa pode ser um dos catalisadores nas áreas de ação da UNESCO. E a afirmação de Sampaio da Nóvoa de que a UNESCO deve centrar-se na situação de África é essencial e tem de ser ouvida na organização e na cena internacional. Importa assegurar um diálogo efetivo entre as áreas universitárias e científicas, capaz de mobilizar e enriquecer a cooperação entre os Países de Língua Portuguesa, mas também de favorecer um diálogo global, designadamente com as outras áreas linguísticas, compreendendo que o multilinguismo é cada vez mais importante e que é nessa perspetiva que teremos de trabalhar no conhecimento e na investigação científica. A língua inglesa é indubitavelmente fundamental nos vocabulários científicos, mas temos de assegurar o diálogo interlinguístico, designadamente no âmbito das ciências sociais, nas quais a diversidade da comunicação tem de ser compreendida, sob pena de desvirtuarmos o conhecimento. Como insistia Vasco Graça Moura, nenhum de nós quer uma língua única, totalitária. Tem de se abrir espaço para a diversidade linguística, estabelecendo pontes entre os vários idiomas e as várias culturas. Veja-se a importância crescente das línguas asiáticas (mandarim ou hindi) e atente-se ao grande interesse das Universidades da R. P. da China na aprendizagem da língua portuguesa, exatamente num contexto de multilinguismo. E não podemos esquecer que as chamadas Humanidades irão ganhar uma configuração cada vez mais fortemente relacionada com todas as disciplinas científicas. Como investigar as literaturas e as artes sem considerar a diversidade de culturas e idiomas? Vergílio Ferreira dizia, por isso, que não se pode pensar fora das possibilidades da língua em que se pensa. Infelizmente, há quem julgue que a avaliação académica deve ser uniformizada e redutora, o que é contrário da compreensão da diversidade. E não se pense que a tendência futura é para a existência de uma única língua franca. De facto, a lógica unificadora do Esperanto desvaneceu-se com o tempo. E nós, falantes da língua portuguesa, sabemos bem do que falamos, porque tivemos no Índico e na Ásia uma língua franca, de mercadores e missionários, o “papiar cristão”… Num mundo globalizado, não falamos da língua portuguesa como uma realidade fechada, mas de uma realidade aberta e em movimento, e aí está a sua riqueza e as suas virtualidades.

 

Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões - Ensaio Geral, Rádio Renascença

A VIDA DOS LIVROS

 

De 21 a 27 de novembro de 2016.

Acaba de ser publicado o «Novo Atlas da Língua Portuguesa» de Luís Antero Reto, Fernando Luís Machado e José Paulo Esperança (ISCTE-IUL – Instituto Camões, 2016) – onde se procede a um levantamento circunstanciado de elementos sobre a presença da língua portuguesa no mundo.

 

A INFLUÊNCIA DA LÍNGUA
A língua portuguesa é a terceira língua europeia mais falada no mundo, o idioma mais usado no hemisfério sul, uma das cinco línguas que já tem e terá maior utilização mundial no próximo século, com especial destaque para a internet e redes sociais, havendo provavelmente neste momento 200 mil estudantes que aprendem o português como língua estrangeira em sete dezenas de países… Mas todos estes elementos obrigam a que haja um especial cuidado na partilha de responsabilidades relativamente a uma realidade cultural complexa, com expressão em todos continentes e com uma diversidade notável. Como salienta o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva: além do mais, «o português é uma das línguas mais dinâmicas do mundo. Quer isto dizer que é das que proporcionalmente mais verá crescer o número dos seus falantes e mais verá alterar-se a sua geografia. Os dados mais relevantes, a este propósito, são os seguintes. Por um lado, estima-se que dos atuais 261 milhões de falantes, o português passe a contar com perto de 390 milhões, em meados do século, e uns 487 milhões no seu fim, Por cada falante atual, haverá, portanto, nessa altura 1,9. Além disso, se hoje a larguíssima maioria dos falantes da nossa língua reside no Brasil (são mesmo quatro quintos), prevê-se que no fim do século XXI, o número dos que a usarão em África será superior ao da América Latina, mudando assim qualitativamente a geografia e, em consequência, a variedade maioritária do português»… E assim a chamada «lusofonia» evoluirá num sentido da maior diversidade e de um nítido policentrismo. Estamos perante uma partilha e um condomínio da língua portuguesa – no que inequivocamente é uma língua de várias culturas e uma cultura de várias línguas. E as projeções realizadas apenas confirmam esta tendência. Se falamos desta expansão nos países onde a língua é oficial, não podemos esquecer os inúmeros países onde se desenvolve a diáspora portuguesa – para além da crescente importância das iniciativas económicas nos espaços onde se fala português, para além da importância cultural dos nossos escritores, artistas, músicos e criadores. No Japão, na Malásia ou na Indonésia, com a declaração do Fado como património universal pela UNESCO, houve um crescimento significativo do número dos estudantes de português moderno, muitos dos quais descendiam de falantes da língua franca do século XVI, o «papiar cristão». Como ainda refere o Ministro dos Negócios Estrangeiros, não falamos de uma realidade uniforme, propriedade de quem quer que seja. «Ela não é a “língua dos portugueses”, mesmo que sob a forma travestida de uma noção de lusofonia a que sub-repticiamente se atribuísse tal conteúdo normativo: ou a língua que, por já “ter sido” dos portugueses, seria responsabilidade primária deles acarinhar».

 

REALIDADE POLICENTRICA
Estamos perante uma realidade plurifacetada, policêntrica e pluricontinental. E é fácil de perceber que a evolução geográfica, as alterações no mundo global e as novas tecnologias de informação e comunicação irão favorecer uma língua plural e rica, não padronizada, definindo uma identidade de muitas diferenças e complementaridades. Como já hoje acontece nos meios mais lúcidos e cultos a diversidade e o intercâmbio só favorecem o enriquecimento mútuo. Lembremo-nos de que nas últimas décadas o falar do Portugal europeu já sofreu uma nítida influência dos retornados de África, dos emigrantes regressados à pátria, dos imigrantes brasileiros, cabo-verdianos e de outras origens no mundo onde se fala a língua portuguesa. E nesse ponto, estamos perante um sério desafio que corresponde à necessidade de ensinar a língua portuguesa como hoje se fala e se escreve, para que não sejam cometidos erros graves de sintaxe e para que o enriquecimento vocabular seja enriquecido, além de que se deverá avançar de modo partilhado, em especial com o Brasil, na elaboração de vocabulários científicos e técnicos, que favoreçam o rigor e a clareza na comunicação. O fazermo-nos entender com clareza e correção não é tarefa de gramáticos, mas de cidadãos empenhados em fazer-se entender sem equívocos ou ambiguidades. Não basta, pois, dizer que a língua portuguesa é uma das mais faladas, em todos os continentes e com inequívoco potencial económico. Há muitas resistências, dificuldades, complexos, inércias. Por isso, importa desenvolver ações de promoção coordenada e articulada da língua portuguesa. E nesse particular, falamos do apoio à formação de professores de português; da existência de uma rede transnacional de ensino do português como língua de herança na diáspora; da integração do português como língua estrangeira; no desenvolvimento de uma rede de cátedras, leitorados ou centros de língua e cultura; da oferta de cursos de português para ir ao encontro das necessidades das relações internacionais e do comércio; da promoção do português como língua internacional nas principais organizações mundiais; do desenvolvimento da cooperação entre países de língua portuguesa; da internacionalização da língua e da cultura, designadamente nas instituições de ensino superior, científicas e académicas; bem como da estruturação da ação cultural externa, com a presença dos nossos artistas e criadores, das indústrias criativas. Tudo isto deve culminar num reforço da cooperação entre instituições oficiais e da sociedade civil nos diferentes Estados que usem a língua portuguesa, de modo que a língua viva, se torne presente e atuante – como fator de desenvolvimento e de paz. Os dez capítulos de Atlas tratam da História e do Futuro da língua; da sua demografia e geografia; no ensino do português no mundo; da posição geoestratégica e da expressão económica dos países de língua portuguesa; do português como língua de negócios; da língua e da mobilidade; do património comum – desde a unidade à diversidade; da cultura, artes e ciência; das personalidades dos países de língua portuguesa e da língua portuguesa na Net. Há assim grande cópia de informação que deve ser lida com um grande rigor, já que estamos perante um pano de fundo, que não pode nem deve ser lido numa perspetiva paternalista ou triunfalista. Somos um país médio como responsabilidades exigentes ditadas pela história e pela projeção mundial da nossa língua e das nossas culturas, daí que necessitemos de uma estratégia inteligente capaz de mobilizar o máximo de esforços que for possível, favorecendo as complementaridades. Com compreensão do mundo, trata-se de fazer com que o bem comum seja um fator ativo de desenvolvimento humano.     

 

Guilherme d’Oliveira Martins

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