Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

"A PEQUENA BIBLIOTECA"

  


Ao ouvirmos e vermos, semanalmente, Filipa Leal a falar-nos de livros na RTP-2 em “A Pequena Biblioteca”, estamos perante serviço público de televisão ao melhor nível. Além de usufruirmos de textos belíssimos, contamos igualmente com sugestões de leitura essenciais. E uso a palavra essencial no sentido mais puro, que nos reporta aos tempos primordiais da arte. E António Mega Ferreira fala-nos de autores e de livros capazes de abalar os tiranos e os deuses. Num tempo limitado, de um modo sereno e equilibrado, num cenário atraente, podemos tomar contacto com obras-primas da literatura. Estamos perante o melhor método para enaltecer a leitura. Não há excessos, não há palavras a mais, nem temas em excesso. Temos o quanto bastante para o melhor deleite. Parte-se de um pequeno livro, acessível a qualquer leitor, e com esse pretexto abre-se-nos o acesso à obra, ao autor e à evidência sobre o grande prazer na leitura. Quando encontrámos Thomas Mann em “Morte em Veneza” pudemos em poucos minutos ter a demonstração da genialidade do autor, a evocar Platão no “Fedro” e a abrir caminho ao grande debate sobre as ideias e o mundo da “Montanha Mágica”. Nada foi necessário dizer sobre essa obra magna, mas fica a semente da curiosidade para quem ainda não leu ou conhece mal o autor. E assim convivemos com figuras fascinantes, como “Alexis” de Marguerite Yourcenar, “Lappin e Lapinova” de Virgínia Woolf,  “Cândido” de Voltaire, “Ivan Illitch” de Tostoi, “O Estrangeiro” de Albert Camus, “Três Mulheres” de Silvia Plath (que nos permite reencontrar Agustina). Os livros sucedem-se, naturalmente. “Ninguém escreve ao Coronel”  de Gabriel Garcia Marquez; “O velho que lia Romances de Amor” de Luís Sepúlveda; “O Estranho Caso de Benjamin Button” de Scott Fitzgerald; “O Tesouro” de Selma Lagerlof; ou “O Fim de Lizzie e outras histórias” de Ana Teresa Pereira, e seguimos fascinados essa cadeia fabulosa.

Em cada nova terça-feira, preparamo-nos para receber um inesperado presente, compreendendo que um livro é sempre uma janela aberta para a vida e para o mundo. O pensamento torna-se emoção e a emoção que torna-se pensamento. E assim percebemos o antigo papel do poeta ou do contador de histórias, de falar para as pessoas. Com surpresa, deparamo-nos com a ambiguidade certeira do orador de Franz Kafka no “Relatório a Uma Academia”. Quem nos fala? Pode um símio interpretar o género humano? A literatura tem essa virtude de revelar os mistérios escondidos que povoam o universo. Umberto Eco ensinou-nos a entendê-lo e James Joyce, em “Os Mortos”, leva-nos a conviver com todos os que povoam a nossa memória, presentes ou ausentes. Jane Austen escreve “Amor e Amizade” com apenas quinze anos, em 1790. Mas tal é perspicácia que G. K. Chesterton a compara a Shakespeare. É uma romancista realista crítica dos românticos, descrita ironicamente como autora de uma “sátira sobre a fábula em que a mulher desmaia”, aludindo aos efeitos visuais de bombásticas declarações de amor. Muito mais do que isso, Laura e Marion dialogam entre si, na diferença das gerações, e apercebemo-nos dos importantes nadas de que nos falam e que constituem a sua vida. Aí está a virtude da leitura, não como evasão mas como demanda de nós mesmos, nas verdadeiras peregrinações interiores que nos trazem à realidade e ao sonho.   


GOM

POEMS FROM THE PORTUGUESE

  filipa leal.png

    POEMA DE FILIPA LEAL

 

NOS DIAS TRISTES NÃO SE FALA DE AVES

 

Nos dias tristes não se fala de aves.
Liga-se aos amigos e eles não estão
e depois pede-se lume na rua
como quem pede um coração
novinho em folha.
 
Nos dias tristes é Inverno
e anda-se ao frio de cigarro na mão
a queimar o vento e diz-se
- bom dia!
às pessoas que passam
depois de já terem passado
e de não termos reparado nisso.
 
Nos dias tristes fala-se sozinho
e há sempre uma ave que pousa
no cimo das coisas
em vez de nos pousar no coração
e não fala connosco.
 
in A Cidade Líquida e Outras Texturas, 2006
 
 
 

ON SAD DAYS YOU DON’T MENTION BIRDS

 

On sad days you don’t mention birds.
You ring up friends and they’re out
and then on the street
you ask for a light as if asking
for a brand new heart.
 
On sad days it’s winter
and you wander off in the cold, cigarette in hand,
burning away the wind and you say
 – good morning!
to the passers-by
after they’ve passed by
and you failed to notice.
 
On sad days you talk to yourself
and there’s always a bird sitting
at the top of things
instead of landing on your heart
and it doesn’t speak to you.
 
© Translated by Ana Hudson, 2011