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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  

 

104. O FALHANÇO DO “FIM DA HISTÓRIA”


Há a tendência para prognosticar o emergir de uma civilização universal, resultado da afirmação dos valores ocidentais, referência civilizacional cimeira para os outros povos.


Em 1989, com a queda do muro de Berlim e o fim da guerra fria, a ideia de universalização do ocidente ganhou nova projeção com a defesa da tese segundo a qual a democracia liberal seria a “forma final de governo humano” e, como tal, “o Fim da História”, da autoria de Francis Fukuyama (O Fim da História e o Último Homem, edições Gradiva). 


Argumenta, em seu favor: “Todos os países em fase de modernização económica se tornarão cada vez mais parecidos entre si: têm de conseguir a unidade nacional com base num estado centralizado, urbanizar, substituir as formas tradicionais de organização social, como a tribo, a seita e a família, por formas economicamente racionais, baseadas na funcionalidade e na eficiência, e promover a educação universal dos seus cidadãos. Este processo garante uma homogeneização cada vez maior de todas as sociedades humanas, quaisquer que sejam as suas origens históricas ou culturais”.            


O desenvolvimento científico e tecnológico, a interdependência comunicacional do sistema económico e consequências comunicacionais do sistema político, justificariam essa uniformização através da globalização.   


E esse anúncio da vitória da democracia liberal sobre as autocracias, ditaduras e totalitarismos, projetou-o e visualizou-o, de novo, Fukuyama, no início da invasão da Ucrânia, prevendo o colapso do regime russo, a derrota da Rússia, sem solução diplomática para a guerra. Em síntese: “A derrota russa tornará possível um novo nascimento da liberdade. O espírito de 1989 voltará a viver, graças a um bando de bravos ucranianos”


Se é verdade que a modernidade e a evolução tecnológica e científica se disseminaram globalmente, isso não significa que foram causa de uma civilização única ou de um modelo único de resposta institucional e política.


Escreve Arnold Toynbee: “A origem do erro foi o facto de a nossa civilização ocidental ter modernamente lançado rede do seu sistema económico a todo o mundo, e a esta unificação económica seguiu-se na mesma base e quase na mesma extensão uma unificação política”. E acrescenta: “nada mais fácil para o comércio do que exportar uma nova técnica ocidental. É infinitamente difícil para um poeta ou um santo do Oriente comunicar a sua própria chama espiritual a uma alma estranha do Ocidente”.   


Adianta Fernand Braudel: “A difusão da tecnologia, e mesmo de alguns valores ocidentais, nos países que não pertencem à nossa civilização, mais não é do que manifestação da ancestral permuta “inter-civilizacional”. Conclui: “O passado das civilizações, aliás, não é mais do que a história dos contínuos contributos mutuamente prestados, ao longo dos séculos, sem que por isso percam os seus particularismos, as suas originalidades”.      


A idealista, talentosa e polémica tese de Fukyama sobre o Fim da História falhou, até agora, mesmo sabendo-se que a Rússia também é, por direito próprio e geograficamente, parte da Europa, e maioritariamente e civilizacionalmente cristã. Prova-o a invasão à Ucrânia, sem derrocada à vista (até hoje) da autocracia/ditadura e emergência da democracia, bem como os populismos, ditaduras e totalitarismos que, pelo mundo fora, não veem na democracia liberal um amanhã que canta.

 

06.05.22
Joaquim Miguel de Morgado Patrício