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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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ANTOLOGIA

  


LEMBRANÇA DO BLOC-NOTES…
por Camilo Martins de Oliveira


"Cumpridas as exéquias da tia Ana Adelaide Eugénia, eis-me em Bordéus, donde seguirei para Paris. Já que por cá passei, aproveito para dar um salto às "landes" e ver "en su sitio" o François (Mauriac). Independentissimamente bravo, quase anarca no exercício da inteligência, simultaneamente cheio e a esvaziar-se da revolta contra si e a sua condição, enorme na sua sinceridade reprimida, maior ainda nesse modo sublime do amor dos outros que é o de não mentir a ninguém. Não falámos de literatura, nem sequer do drama íntimo que é a vivência da fé pela consciência alerta da condição humana. Falámos de Pierre Mendès-France e de um jovem tecnocrata cristão, vindo da JOC e do movimento "La Vie Nouvelle", discípulo político do republicano laico que Mendès é: Jacques Delors. A admiração de Mauriac por Mendès-France é patente. Lembras-te do que ele proclamou depois da sua derrota política em 1958? "O nosso Pierre Mendès-France não precisa da tribuna parlamentar para nos dizer a verdade: esse nobre destino continua. Saúdo-o aqui com admiração, afeto e respeito". O republicano laico, descendente de judeus portugueses, aliás cristãos novos já miscigenados de cristãos velhos, contou, desde junho de 1954, com o apoio caloroso do Nobel da Literatura, filho fiel da burguesia católica das "landes", discípulo de Barrès e do catolicismo social: "Desejo apaixonadamente que Pierre Mendès-France reponha este velho país a flutuar. É preciso que este governo dure o tempo necessário à salvação da nação. Trazemos debaixo de olho aqueles que juraram a sua perdição...". Escolhido pelo presidente René Coty para substituir, em Matignon, o primeiro-ministro Laniel, cujo governo caíra um mês depois do desastre de Dien Bien Phu, Mendès vai procurar desenvolver um socialismo humanista, com uma política financeira de inspiração keynesiana, ainda que com algumas correções, aliás já expostas no seu "La science économique et l´action". A esse respeito, Jacques Delors comentaria mais tarde: "Nunca devemos esquecer que ele não era simplesmente um economista, nem simplesmente um homem cheio de ideal, nem simplesmente um homem preocupado com a eficácia, mas esses três ao mesmo tempo..." A experiência foi-se abortando com o clima político da 4ª República, e terminou com o regresso vitorioso de De Gaulle em 1958. Curiosamente, o François mostrou-me esta tarde o que escrevera no Figaro Littéraire de 29 de dezembro de 1966: "Digo a esses amigos de Pierre Mendès-France (PMF): o que sempre pensei e continuo a pensar é que a conjunção de PMF e de De Gaulle teria sido a coisa mais feliz que poderia ter acontecido à nação. A impossibilidade disso está inscrita na própria natureza de PMF, nessa inflexibilidade que faz a grandeza dele, mas que também fez o seu destino e o condenou a não servir - a não ser por uma ação toda espiritual. Contudo, PMF está muito mais próximo de De Gaulle, serei até tentado a dizer que infinitamente mais próximo, do que de Mitterrand, de Guy Mollet ou dos chefes comunistas. De Gaulle e Mendès, cada um de seu lado, fizeram da França uma ideia que, no fundo, e seja o que for que disto pensem, é a mesma: uma França independente no século e nos céus, e senhora de independência e liberdade para todos os povos..." Facto é que "wishfull thinking" não leva a nada: em democracia, os líderes carismáticos são meteoros, porque ela, como a praticamos, é uma forma revista do feudalismo antigo, no que tinha de mais pernicioso. Ao sentido moral, esse que aponta para o bem da pátria e conduz à procura do interesse geral, sobretudo dos mais necessitados, sobrepõe-se a ganância dos grupos de interesses e das suas forças organizadas em partidos, sindicatos, clubes e manifestações... O mal que deitará a perder a nossa civilização é essa miopia do ganho material. Não percebermos que o apregoado crescimento do PIB não é desenvolvimento económico e social, pois este se deverá construir conscientemente pela participação de todos no esforço comum e nos rendimentos provenientes. As nossas democracias sociais são um adiamento da consciência moral, uma simbiose entre a ganância avara do capital e a ganância reivindicativa e invejosa do sindicalismo. Ora isso não é um projeto social. Não é um humanismo, pois este só se orienta por valores que sejam objetivos definidos pela consciência de que o homem é, necessariamente, um ser em relação com os outros. Não sei se as doutrinas que por aí se ensinam e divulgam podem servir. Penso que não poderemos prescindir do sentido do outro e do diálogo. Admiro a pugnacidade do François, e a sinceridade da sua fé cristã. O desassombro com que desafia o que, para um burguês instalado, são bens já adquiridos. Mas parece-me ouvi-lo dizer, parafraseando Flaubert: "Thérèse Desqueyroux c´est moi"... A noite está calma e tão quieta que só mexe o tremeluzir das estrelas. Longe estão, e nós tão longe delas. Recordo, contigo no coração, aqueles serões tropicais, no imenso terraço aberto ao infinito percetível dos céus da casa da tua irmã, em que o nosso Alberto, acompanhado pelas guitarras do Nobre e do Videira - que com ele tinham sido rapazes idealistas em Coimbra - cantava: "Ó estrelinha do norte, espera por mim, que eu já vou! Alumia o meu caminho, já que o luar me enganou!" Lembras-te? Porque será que, com o avançar da idade, a mesma estrela nos chama? Mas vemo-la melhor, talvez, cerrando mansamente os olhos..." Trinta anos depois da morte de Camilo Maria, li numa biografia francesa de Pierre Mendès-France, que o genealogista português Bivar Guerra situara a origem do apelido no doutor Luís Mendes da Franca, filho de Pedro Mendes Ribeiro e de Isabel da Franca. Foi o Dr. Luís oficial do Santo Ofício... E teria sido Francisco, seu filho natural e ourives de ofício que, ao casar-se, no sec. XVI, com Antónia Freire, de reconhecida origem marrana, determinou o exílio de sua família e, em França, o passo de Mendes da Franca para Mendès-France. Si non e vero e bene trovato... Mas a consciência da sua condição de judeu, meio século depois de Dreyfus, e em tempo de holocausto, nunca largou Pierre Mendès-France.


Camilo Martins de Oliveira

 

Obs: Reposição de texto publicado em 03.05.13 neste blogue.

TERESA DESQUEYROUX

FRANÇOIS MAURIAC, Prémio Nobel da Literatura em 1952. Teresa Desqueyroux, uma obra-prima da primeira metade do séc., um dos melhores romances que li.

  


Em 1906 François Mauriac foi para Paris, vindo de Bordéus, cidade onde nasceu. Publica então Les Mains jointes, uma poesia muitíssimo saudada. Em 1922 Le Baiser au Lépreux e Genitrix já o colocam entre os melhores romancistas de seu tempo. A Academia Francesa entrega-lhe o Grande prémio do Romance pelo seu magnífico livro Le Désert de L’ Amour, contudo com a obra-prima Teresa Desqueyroux (1927) leva-o à inesquecível morada dos grandes.

 

Trata-se de um romance em que uma mulher casada tenta envenenar o marido num ambiente de vida conjugal de total solidão ainda que vivida no seio da família. Se acaso consegue Teresa Desqueyroux escapar à justiça dos homens e alcançar a liberdade que tanto desejara e sonhara, será para cada leitor dentro do imaginar que idade teria Teresa ou, antes se não teria idade alguma e por essa razão

 

«Não é a cidade de pedra que eu adoro, nem as conferências, nem os museus, mas a floresta viva que nela se agita, atormentada por paixões mais furiosas do que nenhuma tempestade. O gemido dos pinheiros de Argelouse, de noite, só emocionava pelo que dir-se-ia ter de humano.»

 

Teresa tinha bebido um pouco e fumado de mais. Ria sozinha como uma bem-aventurada. Pintou a cara e os lábios com minúcia; depois dirigiu-se para a rua e caminhou ao acaso.

 

Teresa, muitos dirão que não existes.

 

(…) Quantas vezes através das grades vivas de uma família te vi caminhar de um lado para o outro, a passo de loba.

 

Pelo menos, nesta rua onde te abandono, tenho a esperança de que não estás só.

 

Nataniel Costa, tradutor desta obra que li em português, e de cuja chancela ESTUDIOS COR era sócio fundador conjuntamente com José Saramago, ofereceu-me este livro em 1980 com uma dedicatória da qual me orgulho.

 

Teresa Bracinha Vieira

 

Obs.: O romance foi adaptado para cinema, com título homónimo, em 1962, sendo o realizador Georges Franju.