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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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EVOCAÇÃO DE ESPAÇOS TEATRAIS NA ILHA DA MADEIRA


Faz-se hoje referência à tradição de edifícios vocacionados para a atividade cultural na Madeira. E desde já é de assinalar que para lá da indiscutível beleza natural e urbana, o meio em que se inscreve, independentemente da valorização socioeconómica respetiva e como tal também indiscutível, pode não parecer propriamente dominado pelas atividades e tradições do espetáculo teatral...


Mas muito embora: existe na Madeira uma tradição cultural de teatros e edifícios de espetáculo, que vem do século XVIII. Assim, a chamada Comédia Velha data de 1780 e sobreviveu até 1829. O Teatro Grande foi edificado junto ao Palácio de São Lourenço em 1776 e demolido em 1833. E seguiram-se numerosas salas de espetáculo: o Teatro do Bom Gosto, assim mesmo, o Teatro Thalia, ou o Teatro Baltazar Dias que, na sucessão de mudanças políticas, se chamou Teatro D. Maria Pia, inaugurado em 1888 e sucessivamente denominado Theatro Funchalense e Teatro Manuel de Arriaga, até à homenagem ao grande poeta madeirense Baltazar Dias.


No início do século passado, este Teatro (então) D. Maria Pia marcava já pela qualidade da sala e pela dimensão, com frisas, duas ordens de camarotes, plateia e geral, pela beleza arquitetónica exterior e interior: mas marcou também por ser, pelo menos deste o início do século XX, propriedade da Câmara Municipal do Funchal, o que na época não era muito habitual!...


Mas na Madeira os teatros não se concentram apenas no Funchal, longe disso.


Assim registe-se que existe na Calheta como que uma tradição de centros culturais que têm motivado e justificado sucessivas reestruturações de edifícios. Vejamos um caso mais recente.


Desde logo, remontando a 2004/5, assinala-se a articulação da antiga Casa das Mudas, assim mesmo denominada, com um chamado Centro das Artes.


Efetivamente, tal como tivemos ensejo de referir em estudo efetuado no âmbito do Centro Nacional de Cultura, o Centro Cívico do Estreito da Calheta foi inaugurado naquele ano e corresponde a reformulação da antiga Casa das Mudas, segundo projeto de Carlos Baptista, Freddy Ferreira César, Rodrigo Cascais e Alexandre Sousa.


O edifício denominado Centro das Artes-Casa das Mudas, projeto do arquiteto Paulo David, que citamos ao referir que o projeto como que simula “um grande conjunto de peças esculpidas através também da utilização de basalto”.


E salientamos no nosso livro a aproximação à paisagem, num conjunto, precisamente, que se integra no paisagismo vertiginoso da montanha a pique sobre o mar.  (in “Teatros em Portugal – Espaços e Arquitetura” ed. Mediatexto e CNC pág, 101).

DUARTE IVO CRUZ

Obs: Reposição de texto publicado em 12.01.19 neste blogue.

EVOCAÇÃO DO TEATRO BALTAZAR DIAS DO FUNCHAL

 

 

O Funchal tem uma tradição assinalável de teatros e salas de espetáculo em geral, o que merece obviamente referência encomiástica: para além da qualidade urbana e da tradição cultural e arquitetónica em si mesma, há obviamente que ter presente a distância, durante séculos, a complexidade de acesso. 

 

Pois mesmo assim, encontramos na Madeira um património de espaços teatrais que inesperadamente guardam  memória de origens a partir do século XVII: um chamado Teatro Jesuíta referido em crónicas da rota da Índia e, mais concretamente, o Teatro Grande, edificado junto ao Palácio de São Lourenço a partir de 1776 e demolido em 1833, quando era o maior teatro português depois do São Carlos;  a chamada Comédia Velha que abre em 1780 e subsiste até 1829; uns episódicos Teatros chamados do Bom Gosto ( 1820-1838), Thalia e da Escola Lancasteriana, pelos anos 50 do século XIX:  ou um Teatro Esperança que durou de 1859 a  1915…  

 

Tudo isto desapareceu: mas não o atual Teatro Baltazar Dias do Funchal, inaugurado no dia 8 de março de 1888 depois de obras que duram cerca de 8 anos: iniciativa de um notável da época, o Conde do Canavial. E curiosamente, foi, desde a fundação, propriedade da Câmara Municipal, o que não era muito habitual na época. Teve entretanto diversas designações: Teatro D. Maria Pia na inauguração, Teatro Funchalense a partir da implantação de República, Teatro Manuel de Arriaga em 1917, por ocasião da morte do antigo Presidente da República, que fora eleito deputado pela Madeira não obstante ter nascido nos Açores, e finalmente, Teatro Baltazar Dias a partir de 1930  até hoje.  

 

Há dúvidas quanto à autoria do projeto. Ao que apuramos tentou-se adaptar a planta de um teatro de Hamburgo. Encomendou-se depois o projeto ao jovem arquiteto Tomás Augusto Soler, que morre antes de o concluir. Foi então executado por um engenheiro ido do Porto, de seu nome José Macedo de Araújo. Mas o que mais notabilizou o Teatro foram as decorações de Eugénio Cotrim e Luigi Manini, este até hoje um nome referencial. 

 

E como já tive ocasião de escrever, o Teatro Baltazar Dias mantem exemplarmente uma fidelidade arquitetónica e um envolvimento cultural e cívico, no centro do Funchal, que merece destaque. Inclusive pelo respeito com que se conservou, para alem da sala, o próprio equipamento de palco e um camarim chamado “da prima-dona” evocativo do ambiente romântico das divas e atrizes do seu tempo… 

 

E para terminar: quem era Baltazar Dias? Poeta cego, natural da Madeira, a sua obra dramática em grande parte perdeu-se. Chegaram até nós quatro peças: “Tragédia do Marquês de Mântua e do Imperador Carlos Magno”, e os “Auto(s) de Santo Aleixo”, “de Santa Catarina” e “do Nascimento de Cristo”.

 

Mas chegou também até nós a íntegra de um alvará datado de 20 de fevereiro de 1537, pelo qual D. João III concede direitos de autor, diremos hoje, a Baltazar Dias “cego, da Ilha das Madeira (…) que tem feito algumas obras assim em prosa como em metro, as quais já foram vistas e aprovadas e algumas delas imprimidas (…) por ser homem  pobre e não ter outra indústria para viver por o carecimento de sua vista senão vender as ditas obras” pelo que, diz o Rei, “hei por bem e mando que nenhum imprimidor imprima as obras do dito Baltazar Dias, cego, que ele fizer assim em metro como em prosa, nem livreiro algum nem outra pessoa as venda sem sua licença”…  

 

E resta dizer que a “Tragédia do Marquês de Mântua”, representada a bordo das caravelas, deu origem ao extraordinário “Tchiloli ou História do Imperador Carloto Magno” obra referencial em São Tomé e Príncipe, como tive aliás ensejo de lá constatar.  

 

DUARTE IVO CRUZ