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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA

 

II - ANTECEDENTES E GÉNESE (II) 

 

Com a descolonização e após o 25 de Abril de1974, Portugal reencontra-se com a sua identidade europeia original, sem excluir a sua identidade atlântica. Mas há um reforço da vertente europeia na sua política externa, tendo como um dos seus objetivos prioritários a integração no Mercado Comum.

 

Tendo terminado o Império Colonial, os novos países africanos, apesar de todas as vicissitudes por que passaram, foram mantendo a língua, os laços e os afetos que os ligavam a Portugal, por opção própria, passando a desenvolver-se as relações com eles através da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento. 

 

Nesta fase, o projeto da Comunidade Luso-Brasileira foi caindo no esquecimento. A Comunidade Luso-Brasileira não fazia sentido sem os novos Estados Africanos. Surge a necessidade de criação de uma Comunidade Luso-Afro-Brasileira.

 

O seu grande impulsionador foi José Aparecido de Oliveira, nomeado Ministro da Cultura do Brasil, em 1985, pelo Presidente José Sarney, o qual promove diversos encontros entre intelectuais africanos, brasileiros e portugueses.

 

Em novembro de 1989, por iniciativa do Presidente do Brasil José Sarney, influenciado por Aparecido de Oliveira realizou-se, em São Luís do Maranhão, uma cimeira dos Chefes de Estado dos sete países de língua portuguesa (exceção para Angola, que se fez representar), onde foi decidida a criação do Instituto Internacional de Língua Portuguesa, sediado na Cidade da Praia, em Cabo Verde, originando um projeto de criação de uma comunidade de países lusófonos,  dando-se o primeiro passo para o aparecimento da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

 

O arranque da CPLP ficou também a dever-se essencialmente à dedicação e entusiasmo de José Aparecido de Oliveira, então nomeado Embaixador do Brasil em Lisboa, em janeiro de 1993. 

 

Aquando da morte de Agostinho da Silva, em 1994, escreveu José Aparecido de Oliveira: “O primeiro projeto que Portugal teve foi o que incumbe a todos nós: o de ser”. A frase, em sua aparente singeleza, é a mais profunda de todas quantas têm amparado a minha luta pela criação de uma Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Pronunciou-a, com a sua poderosa carga de sabedoria, o Professor Agostinho da Silva, que morreu domingo, em Lisboa”.   

 

Em abril de 1996, foi convocada uma reunião dos Ministros dos Negócios Estrangeiros dos sete países lusófonos em Maputo, para preparar os textos da Declaração Constitutiva da CPLP e seus Estatutos, que seriam apresentados em julho desse ano, na futura reunião cimeira ou de cúpula.

 

A CPLP, tida como a institucionalização da Lusofonia, foi formalmente criada em 17 de julho de 1996, em Lisboa, onde tem sede, através da assinatura da Declaração Constitutiva por parte dos representantes de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Faltava Timor-Leste, que ficaria com o estatuto de observador até ser independente, com promessas da CPLP tudo fazer para que findasse a ocupação da Indonésia.

 

Segundo os seus Estatutos, a CPLP tem como objetivos: a) a concertação político-diplomática entre os seus membros em matéria de relações internacionais; b) a cooperação nos domínios económico, cultural, jurídico, social e técnico-científico; c) a concretização de projetos de promoção e difusão da língua portuguesa.

 

Aparecido de Oliveira correu todos os países que são parte integrante desta organização, para convencer as respetivas autoridades e intelectuais da importância da criação de um bloco assente na Língua Portuguesa. As ideias, mesmo quando suas, também tinham inspiração em outros mentores e sonhadores da Lusofonia. Entre eles, Sílvio Elia, Gilberto Freyre, Agostinho da Silva, Adriano Moreira, Darcy Ribeiro e Joaquim Barradas de Carvalho. 

 

O prémio José Aparecido de Oliveira, atribuído pela primeira vez em 2012, foi criado, no seio da CPLP, para memorizar o empenho do homenageado que marcou “de forma indelével, o surgimento da CPLP, convertendo em realidade um sonho acalentado pelos Povos dos Países de Língua Portuguesa, espalhados por quatro continentes, e fazendo do seu autor um arauto do futuro”.

 

Em 2002, após a independência, Timor-Leste tornou-se o oitavo país membro, por direito próprio e sem reservas. O mesmo não sucedeu com a Guiné Equatorial, em 2014, seu nono membro, cujas dúvidas permanecem.

 

27.02.2018
Joaquim Miguel De Morgado Patrício 

COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA

 

I - ANTECEDENTES E GÉNESE (I) 

 

Com a fixação da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro, esta cidade converteu-se em capital do Império e foi a sede do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, pelo que todas as decisões relevantes do Reino provinham de terras brasileiras, de onde passou a ser governado todo o mundo lusíada.

 

Com a independência do Brasil, em 1822, consagrou-se a separação, embora o Tratado de Paz e Aliança de 1825, disponha, no seu preâmbulo “os mais vivos desejos de restabelecer a Paz, Amizade, e boa harmonia entre Povos Irmãos, que os vínculos mais sagrados devem conciliar, e unir em perpétua aliança”.

 

A procura desse fator comum de união permaneceu presente até aos dias de hoje, traduzindo-se num conjunto de planos para unir os dois países, assim surgindo o interesse para a criação de uma Comunidade Luso-Brasileira. 

 

A recuperação da relação privilegiada entre Portugal e o Brasil ocorreu em 1922. Os acontecimentos mais marcantes foram a travessia aérea do Atlântico Sul pelos portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral e, nesse mesmo ano, a visita ao Brasil do Presidente da República Portuguesa, António José de Almeida, coincidindo com o 1.º centenário da sua independência.

 

A ideia de uma Comunidade Luso-Brasileira recebeu um forte ímpeto de Gilberto Freyre, com destaque para as suas obras “Casa Grande & Sanzala” (1933) e “O Mundo que o Português Criou” (1940). Destacando e enaltecendo a ação dos portugueses nos trópicos e na formação do povo brasileiro, contribuiu decisivamente para uma reviravolta, pela positiva, da autoestima dos brasileiros e da sua visão da atividade portuguesa no Brasil. Depois de Freyre, o estudo da colonização portuguesa no Brasil passou a ser vista com maior interesse, o mesmo acontecendo em relação à génese e emergência do povo brasileiro, libertando a opinião pública brasileira de pessimismos e complexos de inferioridade, com os respetivos reflexos em Portugal.

 

Surge, neste contexto, um dos maiores entusiastas da aproximação entre os dois países, o embaixador do Brasil em Portugal, José Neves Fontoura, principal mentor do Tratado que foi a concretização inicial da Comunidade Luso-Brasileira.

 

Em 16 de novembro de 1953, no Rio de Janeiro, é assinado o Tratado de Amizade e Consulta, entre Portugal e o Brasil, em cuja introdução consta basear-se no mútuo reconhecimento “das afinidades espirituais, morais, étnicas e linguísticas que, após mais de três séculos de história comum, continuam a ligar a Nação Brasileira à Nação Portuguesa, do que resulta uma situação especialíssima para os interesses recíprocos dos dois povos”.   

 

Aspetos fundamentais dele resultante são o reconhecimento jurídico da Comunidade Luso-Brasileira, consulta recíproca relativa a problemas comuns da Comunidade, mesmo de âmbito internacional, e a criação de um estatuto especial para os cidadãos de ambos os países. 

 

O Tratado de Amizade e Consulta traduziu-se no primeiro projeto de uma comunidade de povos de língua portuguesa.

 

É imperioso referir que entre os eventos que podem ser vistos como antecedentes da CPLP, estão dois Congressos das Comunidades de Cultura Portuguesa, feitos em Lisboa, em 1964, e na Ilha de Moçambique, em 1967, realizados sob a responsabilidade da Sociedade de Geografia de Lisboa, que tiveram como maior dinamizador Adriano Moreira, na sua qualidade de Presidente da União das Comunidades de Cultura Portuguesa.

 

Esta União tinha por fim “promover e assegurar as relações e a cooperação das associações, grupos e indivíduos que estejam ligados ou se interessem pela conservação e propagação da cultura portuguesa” (art.º 1.º). Para cumprir os seus objetivos, a União deveria servir “a cooperação entre os portugueses, descendentes de portugueses e pessoas filiadas na cultura portuguesa, tendo especialmente em vista os que residem habitualmente fora do território português” (art.º 2.º). 

 

No relatório geral do I Congresso das Comunidades Portuguesas, salienta-se a necessidade de um movimento destinado à salvaguarda da herança cultural portuguesa no mundo. Referem-se, enumerando-os, três grupos de fenómenos que os portugueses difundiram mundialmente: o achamento do mundo não europeu, a europeização dos trópicos e a formação do mestiço. Como seu resultado defende-se que os portugueses descobrem a unidade da espécie humana, aproximam da Europa novas civilizações e criam a antropologia cultural e física dos trópicos, exportando para os continentes mais distantes “os genes e os patterns culturais euro-mediterrânicos”.

 

Para além de notórias as influências de Freyre e do luso-tropicalismo, constata-se que tais realizações são também precursoras do atual conceito de Lusofonia. Antecipam-se mais à atual noção de Lusofonia que à da CPLP, pois agarram mais de perto aquela e são mais abrangentes no seu conteúdo, à semelhança da Lusofonia. É assim, desde logo, porque a CPLP é uma organização de vocação restrita quanto aos seus membros, de natureza interestadual e intergovernamental.

 

Outro avanço de grande importância, no âmbito da Comunidade Luso-Brasileira, foi a Convenção sobre a Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugueses e Brasileiros, assinada em 07.09.1971, em Brasília. 

 

Desde o Tratado de Paz e Aliança de 1825 e o de Amizade e Consulta de 1953, existia uma ideia de tratamento especial concedido, em reciprocidade, aos cidadãos de Portugal e Brasil.

 

Com a Convenção de Brasília, à ideia de tratamento especial veio juntar-se a de igualdade de tratamento, estabelecendo aquela, no seu art.º 1.º: “Os portugueses no Brasil e os brasileiros em Portugal gozarão de igualdade de direitos e deveres com os respetivos nacionais”

 

Tal Convenção baseava-se em princípios constitucionais de igualdade das Constituições do Brasil e de Portugal, em obediência ao princípio da reciprocidade. Não era de aplicação automática, mas tão só após requerimento da parte interessada a quem de direito. 

 

Para a aquisição da igualdade de direitos civis exigiam-se como pré-requisitos a residência permanente e a capacidade civil em conformidade com as leis do país (art.º 5.º). Para os direitos políticos, a residência durante cinco anos no país e saber ler e escrever português (art.º 7.º da Convenção e art.º 5.º, n.º 3, Decreto-Lei n.º 126/72, de 22/04).   

 

Não se estabelecia uma dupla cidadania ou uma cidadania comum luso-brasileira.  Observa Jorge Miranda: “Os portugueses no Brasil continuam portugueses e os brasileiros em Portugal brasileiros. Simplesmente, uns e outros recebem, à margem ou para além da condição comum de estrangeiros, direitos que a priori poderiam apenas ser conferidos a cidadãos do país” (Manual de Direito Constitucional. Estrutura Constitucional do Estado, Tomo III, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1988, p. 145).

 

Com o 25 de abril de 1974, novos horizontes e estratégias surgiriam.

 

20.02.2018

Joaquim Miguel De Morgado Patrício