Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
A cidade é igual a uma casa com os quartos abertos ao calor do meio-dia, cada corredor conduz ao mar em brasa, ruas praças que no ar como salas a luz traça
in A Moeda do Tempo, 2006
City in Summer
The city is like a house its rooms all open to the heat of noon, its hallways leading to the red-hot sea, while in the air light delineates like rooms its streets, its squares.
«Os Poemas» de Gastão Cruz (Assírio & Alvim) põe-nos em contacto com um dos grandes poetas contemporâneos de língua portuguesa.
“Palavras não existem / fora da nossa voz as / palavras não assistem / palavras somos nós” Gastão Cruz, A Doença, 1963.
Um poeta que nos deixa, e ficamos mais sós no mundo. Há um poema de Gastão Cruz a que gosto sempre de regressar, uma vez que me recorda o Algarve que sempre conheci, de minha mãe e de meus avós, e de tantos amigos, muitos que já partiram. Quando percorro as ruas de Faro, não só lembro a “Gente Singular” de Manuel Teixeira Gomes, mas também, há muitos, muitos anos, o meu avô a dizer-me que ali encontrava o poeta Cândido Guerreiro. O título, “Faro, 1952”, tem a marca do ano em que nasci, mas lembra-me recordações de que ouvi falar ou que presenciei, ao longo dos tempos. Quando homenageámos em Querença Gastão Cruz no FLIQ, essas mesmas palavras soaram com especial intensidade e brilho: “O café, do outro lado a livraria / essa a meta / da tarde / quando esfria a pele / sem que / frio fique o dia, / as linguagens regressam às cúpulas / de folhas / e os treze noturnos ainda nos esperam…”. Quantas lembranças? E por isso este poema ainda ganha para mim maior sentido, já que é essa memória que aqui se recorda. “… Percorremos a rua / até onde entra nela a aragem da ria / e o café dum lado, do / outro a livraria, / à porta o chapéu largo e a barba / branca / dum poeta do passado”… Assim se ilustra bem a afirmação de Gastão Cruz sobre ser “poeta do real”, singularíssimo, na boa companhia de outros poetas como Sophia, Sena, Ruy Belo, Fiama Hasse Pais Brandão, Armando Silva Carvalho, Fernando Assis Pacheco, Luiza Neto Jorge… De facto, cada um imprime na realidade que nos cerca uma marca especial de crítica e de confronto.
LEMBRAR A POESIA 61 Hoje podemos entender melhor a importância de “Poesia 61”. Não foi um cânone ou uma orientação, mas um encontro, em que houve uma procura de radicalidade por diversos caminhos. Luiza Neto Jorge disse ao “Diário de Lisboa”, em maio de 1961: “Parece-me que entre nós o surrealismo ainda terá razão de ser – como total destruição de cânones bafientos, como reação a um ambiente social rígido”. Sim, há rutura com um certo “discursivismo”, como disse Gastão. E se há prenúncios relativamente a essa atitude, temos de referir os casos de António Ramos Rosa, espécie de padrinho do grupo de 1961, em Faro, com “O tempo concreto” e “O boi da paciência” (em “O Grito Claro”) e do “Poema podendo servir de posfácio” de Mário Cesariny, que encerra “O discurso sobre a reabilitação do real quotidiano”. 1961 foi um ano especial. Os acontecimentos nacionais sofreram aceleração, em virtude da guerra de África. Nada seria como dantes. É verdade que 1958 tinha anunciado esse movimento uniformemente acelerado no sentido da democracia – a candidatura de Humberto Delgado, sob o impulso de António Sérgio, a tomada de posição do Bispo do Porto, o seu afastamento do país, mas também a publicação de “Mar Novo” de Sophia, como grito de alerta, perante a injusta e absurda desclassificação do projeto de João Andresen, Júlio Resende e Barata Feyo vencedor do concurso para homenagear o Infante e as Navegações, em Sagres. E muitos esquecem esse episódio fundamental. Lembro-me de ter sugerido a alguém que relesse o livro de Sophia de 1958, à luz desse impulso de uma genuína revolta. E o meu interlocutor não teve dúvidas. Se relermos a correspondência de Sophia com Jorge de Sena lá está tudo. Reuniram-se então os fatores que tornavam inexorável a liberdade. E era Sagres, e era o Algarve, e era a consciência da democracia que estavam em causa. E era a paisagem algarvia dominada pelo mar, que revelava a personalidade fantástica que domina o filme de João César Monteiro “Sophia de Mello Breyner Andresen” (1969). Frederico Lourenço tem razão quando afirma que é no Algarve que se inicia a Grécia de Sophia.
FORÇA DOS CORPOS E DO DESEJO Quando lemos “A Morte Percutiva” de Gastão Cruz, ou quando encontramos Fiama, Luíza Neto Jorge, Maria Teresa Horta e Casimiro de Brito, nos textos de 1961, compreendemos o movimento comum, marcado pela energia resultante “do embate entre o corpo que aspira à sua plenitude e um país cercado, onde todos os movimentos são vigiados ou proibidos”. Percebe-se uma visão pessimista, a consciência de uma doença de repressão e de guerra, ligada a uma circunstância pessoal de luto. Contudo, subjacente a esse embate, a esperança tornava-se uma coisa física, como “força dos corpos e do desejo”. E Gastão Cruz em “A Doença” precisa: “A este sítio há de o amor / ainda amor chegar / agora vamos ambos / pelos campos à espera duma dor de que viver”. Eis por que razão o curso do tempo foi revelando nessa atitude não uma escolástica, mas o reconhecimento da coexistência de caminhos múltiplos. “Uma revolta de palavras, apelando a um novo discurso” (para Luíza Neto Jorge).
A LUZ AMADURECE AS PEDRAS E OS FIGOS Volto a lembrar tudo, deambulo com o estio, ao som da música das cigarras e das palavras de Gastão Cruz (“Os Poemas”, Assírio e Alvim, 2009): “A luz amadurece as / pedras e os figos nos lados dos caminhos / adoça as alfarrobas fende a casca / cinzenta das / amêndoas e desprende-as / varejamos / as que ficam presas de leve / aos ramos; / no armazém da casa amontoadas / descascar as / amêndoas o verão”. Mas também lembro o ritmo antigo, junto de quem conheci e amei: “Na horta atrás da casa laranjeiras / figueiras e uma / romãzeira junto à nora / Às vezes vagarosa a mula com antolhos / rodava toda a tarde / fazendo os alcatruzes despejar / incessantemente água”. É quase perturbador como tudo se assemelha. Estou a ver tudo como se fosse agora. Este Mediterrâneo banhado pelo Atlântico leva-nos muito longe, aos fenícios e aos cartagineses, aos gregos e aos romanos, aos misteriosos povos da língua do Sudoeste. E vêm à lembrança Manuel Viegas Guerreiro, com especial atenção, às tradições e costumes, à memória imaterial, mas também Miguel Torga, sentado em Albufeira, num círculo de amigos, com o doutor Serra, a comentar a política, a gozar o fim da tarde e o luminoso pôr-do-Sol. Quando recordei com Clara Rocha esse tempo, reluziram-lhe os olhos com as recordações.
E volto a Gastão Cruz, a lembrar Sophia e Ruy Belo em “Repercussão” (2004) numa Esplanada do Campo Pequeno (“Não achas que a esplanada é uma pequena pátria a que fomos fiéis?”): “o autor entrara e a presença / dele tinha tornado mais longa a hesitação / entre o sentido e o som ou suprimira-a? / É pouco fotográfica a memória / sonora e uma noite em casa de Sophia / (Que fica dos teus passos dados e perdidos?) / mais do que cada frase, cada pausa / do voo do tempo fizera a suspensão / seria primavera novamente / era talvez em tempo de tormenta / janeiro de 70 mês de febre / um dia só que na memória sobra / (o resto vem do Ruy Belo / Ruy Belo é o poeta vivo que me interessa mais / e é talvez hoje o tempo de tormenta”. Quantas memórias neste regresso às ruas de Faro e ao rincão algarvio, povoados por velhos amigos? E assim ficamos mais sós. Mas as palavras acompanham-nos.
GASTÃO CRUZ: O REVITALIZAR DA PALAVRA QUANDO SER POETA É UM OFÍCIO
Jovem, Gastão Cruz tinha já profundo apego pelo texto poético: densidade e enorme contenção fariam cada vez mais o seu caminho. Mais tarde não viria a recusar a influência de Camões na sua escrita, no seu conjunto de fios segregados num “sistema com as suas leis próprias”.
Poeta, ensaísta, professor do secundário, leitor de Português no King’s College, distinguido por inúmeros prémios, o gosto pelo teatro, leva-o ainda a traduções de autores como Shakespeare ou Cocteau".
A sua direção na Fundação Luís Miguel Nava recordará sempre o modo como considera LMN “a única presença verdadeiramente forte e diversa afirmada no panorama poético português dos anos 80…”
Em rigor também em Luís Miguel Nava existe uma precisão da palavra essencial, usada, qual ferramenta, firme carpinteira de realidades.
Eis poesia de ambos
Gastão Cruz
1 Há dias em que em ti talvez não pense a morte mata um pouco a memória dos vivos é todavia claro e fotográfico o teu rosto caído não na terra mas no fogo e se houver dia em que não pense em ti estarei contigo dentro do vazio
Como nos recordou Eduardo Prado Coelho: Sabemos que Gastão Cruz é um nome ligado à dinâmica criada em torno da revista "Poesia 61", de que foi ao mesmo tempo animador e teorizador. Poesia 61" (…) surge numa exaltada consciência da densidade textual do poema, apoiada numa leitura muito atenta dos clássicos (de Camões a Sá de Miranda, da lírica medieval a Blake, de Dante a Camilo Pessanha). (…) nela o poema rebentava para dentro e disseminava os estilhaços da sua catástrofe num reduto extremamente concentrado de palavras.
Citando de novo Bréchon, a poesia é ao mesmo tempo o fogo que destrói e a água que extingue o fogo (…) e, se neste livro nos sentimos tão intimamente afetados, é porque nunca a obscuridade foi tão obscura, como bem regista Prado Coelho. Gastão Cruz sempre soube as palavras possíveis, aquelas que passam entre voz e silêncio, aquelas da analogia e do mundo. Perguntai-lhas nos seus livros.
“Poesia 61” (Faro, 1961) não foi um cânone ou uma orientação, mas um encontro, em que houve uma procura de radicalidade por diversos caminhos.
FARO, 1952 Há um poema de Gastão Cruz a que gosto sempre de regressar, uma vez que me recorda o Algarve que sempre conheci, de minha mãe e de meus avós, e de tantos amigos, muitos que já partiram. O título, “Faro, 1952”, tem a marca do ano em que nasci, mas lembra-me recordações de que ouvi falar ou que presenciei, ao longo dos tempos. Há um ano, quando homenageámos em Querença Gastão Cruz no FLIQ, essas palavras soaram com especial intensidade e brilho: “O café, do outro lado a livraria / essa a meta / da tarde / quando esfria a pele / sem que / frio fique o dia, / as linguagens regressam às cúpulas / de folhas / e os treze noturnos ainda nos esperam…”. Quantas lembranças? Quando percorro aquelas ruas de Faro, não só recordo a “Gente Singular” de Manuel Teixeira Gomes, mas também, há muitos, muitos anos, o meu avô a lembrar que ali encontrava, nos dias finais da sua vida, o poeta Cândido Guerreiro. E por isso este poema ainda ganha para mim maior sentido, já que é essa mesma memória que aqui se recorda. “… Percorremos a rua / até onde entra nela a aragem da ria / e o café dum lado, do / outro a livraria, / à porta o chapéu largo e a barba / branca / dum poeta do passado”… Assim se ilustra bem a afirmação de Gastão Cruz sobre ser “poeta do real”, singularíssimo, na boa companhia de outros poetas como Sophia, Sena, Ruy Belo, Fiama Hasse Pais Brandão, Armando Silva Carvalho, Fernando Assis Pacheco, Luiza Neto Jorge… De facto, cada um imprime na realidade que nos cerca uma marca especial de crítica e de confronto. E assim podemos entender a importância de Luiza Neto Jorge disse ao “Diário de Lisboa”, em maio de 1961: “Parece-me que entre nós o surrealismo ainda terá razão de ser – como total destruição de cânones bafientos, como reação a um ambiente social rígido”. Sim, há rutura com um certo “discursivismo”, como afirmou Gastão. E se há prenúncios relativamente a essa atitude, temos de referir os casos de António Ramos Rosa, espécie de padrinho do grupo de 1961, em Faro, com “O tempo concreto” e “O boi da paciência” (em “O Grito Claro”) e do “Poema podendo servir de posfácio” de Mário Cesariny, que encerra “O discurso sobre a reabilitação do real quotidiano”…
UM ANO ESPECIAL 1961 é um ano especial. Os acontecimentos nacionais sofrem uma aceleração em virtude da guerra de África. Nada será como dantes. É verdade que 1958 anunciou esse movimento uniformemente acelerado no sentido da criação da democracia – a candidatura de Humberto Delgado, sob o impulso de António Sérgio, a tomada de posição do Bispo do Porto, e o seu afastamento do país, mas também a publicação de “Mar Novo” de Sophia, como grito de alerta, perante a injusta e absurda desclassificação do projeto de João Andresen, Júlio Resende e Barata Feyo vencedor do concurso para homenagear o Infante D. Henrique em Sagres. E muitos ainda esquecem esse episódio fundamental. Lembro-me de ter sugerido a alguém que relesse o livro de Sophia de 1958, à luz desse impulso de uma genuína revolta. E tive a confirmação de que foi com surpresa que o meu interlocutor se apercebeu disso mesmo… Reuniram-se então os fatores que tornavam inexorável a liberdade. E era Sagres, e era o Algarve, e era a consciência da democracia que estava em causa. E era essa paisagem algarvia, sobretudo dominada pelo mar, que revelava a personalidade fantástica que domina o filme de João César Monteiro “Sophia de Mello Breyner Andresen” (1969). Frederico Lourenço tem razão quando afirma que é no Algarve que se inicia a Grécia de Sophia. Quando lemos “A Morte Percutiva” de Gastão Cruz, ou quando encontramos Fiama, Luísa Neto Jorge, Mara Teresa Horta e Casimiro de Brito, nos textos de 1961, compreendemos um movimento comum, marcado pela energia resultante “do embate entre o corpo que aspira à sua plenitude e um país cercado, onde todos os movimentos são vigiados ou proibidos”. Percebe-se bem uma visão pessimista, a consciência de uma doença de repressão e de guerra, ligada a uma circunstância pessoal de luto. Contudo, subjacente a esse embate, a esperança tornava-se uma coisa física, como “força dos corpos e do desejo”. E Gastão Cruz em “A Doença” precisa: “A este sítio há de o amor / ainda amor chegar / agora vamos ambos / pelos campos à espera duma dor de que viver”... Eis por que razão o curso do tempo foi revelando nessa atitude não uma escolástica, mas o reconhecimento da coexistência de caminhos múltiplos. “Uma revolta de palavras, apelando a um novo discurso” (na expressão de Luísa Neto Jorge).
A LUZ AMADURECE AS PEDRAS E OS FIGOS Por estes dias, deambulei com o estio, a música das cigarras e as palavras de Gastão (“Os Poemas”, Assírio e Alvim, 2009): “A luz amadurece as / pedras e os figos nos lados dos caminhos / adoça as alfarrobas fende a casca / cinzenta das / amêndoas e desprende-as / varejamos / as que ficam presas de leve / aos ramos; / no armazém da casa amontoadas / descascar as / amêndoas o verão”. Mas também lembro o ritmo antigo, junto de quem conheci e amei: “Na horta atrás da casa laranjeiras / figueiras e uma / romãzeira junto à nora / Às vezes vagarosa a mula com antolhos / rodava toda a tarde / fazendo os alcatruzes despejar / incessantemente água”. É quase perturbador como tudo se assemelha. Estou a ver tudo como se fosse agora. Este Mediterrâneo banhado pelo Atlântico leva-nos muito longe, aos fenícios e cartagineses, aos gregos e romanos, aos misteriosos povos da língua do Sudoeste. E vêm à lembrança Manuel Viegas Guerreiro, com a sua especial atenção, às tradições e costumes, à memória imaterial, mas também Miguel Torga, sentado em Albufeira, num círculo de amigos, com o doutor Serra, a comentar a política, a gozar o fim da tarde e o luminoso pôr-do-Sol. Ainda há dias o recordei com sua filha Clara, e reluziram-lhe os olhos com essas recordações. E lembro Sophia e Ruy Belo no poema de Gastão em “Repercussão” (2004) na Esplanada do Campo Pequeno (“Não achas que a esplanada é uma pequena pátria a que fomos fiéis?”): “o autor entrara e a presença / dele tinha tornado mais longa a hesitação / entre o sentido e o som ou suprimira-a? / É pouco fotográfica a memória / sonora e uma noite em casa de Sophia / (Que fica dos teus passos dados e perdidos?) / mais do que cada frase, cada pausa / do voo do tempo fizera a suspensão / seria primavera novamente / era talvez em tempo de tormenta / janeiro de 70 mês de febre / um dia só que na memória sobra / (o resto vem do Ruy Belo / Ruy Belo é o poeta vivo que me interessa mais / e é talvez hoje o tempo de tormenta”… Quantas memórias são suscitadas por este regresso às ruas de Faro e ao rincão algarvio, povoados por velhos amigos? Como disse ainda Gastão Cruz; “Palavras não existem / fora da nossa voz as / palavras não assistem / palavras somos nós”(A Doença, 1963).
Há dias terminou o Festival Literário Internacional de Querença. Foram três dias de intensa atividade de reflexão e de troca de ideias. O momento alto tivemo-lo na justíssima homenagem a Gastão Cruz com a entrega da Medalha de Mérito Cultural pelo Ministro da Cultura Luís Filipe Castro Mendes. Um grande poeta merece o justo reconhecimento.
E não podemos esquecer a memória de Luís Guerreiro, que há pouco nos deixou, e a quem se deve o impulso para a ação muito relevante da Fundação Manuel Viegas Guerreiro. Este Festival a ele muito deve, e por isso o seu nome tem de ser recordado. Devemos ainda invocar a marca gráfica de José Carlos Fernandes – que em Querença continua a proteger-se das bocas do mundo, sem que faça esquecer que é uma referência nacional e internacional indiscutível no mundo da ilustração. A imagem de marca do FLIQ que aqui publicamos é inseparável do seu criador e ficamos muito agradados e agradecidos por esse facto… Lembramos, assim, Manuel Viegas Guerreiro como ele mais gostaria – em nome da memória viva do tempo!
No domingo, Rayma Suprani trouxe-nos a dura experiência venezuelana e Cécile Bertrand falou do equilíbrio entre liberdade e respeito mútuo. Onde estão os limites? A difamação não é aceitável, bem como a violência e a chantagem! E a ilustradora Cristina Sampaio mostrou-nos a sua criação, plena de humor e ironia. A liberdade é uma marca das sociedades abertas e pluralistas!
E se se falou do Património Cultural como realidade viva, vieram à memória grandes ilustradores algarvios – como Tóssan, Bernardo Marques e Maria Keil. Eis por que José Carlos Fernandes pertence a uma plêiade extraordinária… E que é o Património Cultural senão muito mais do que monumentos – devendo ligar as pedras mortas às pedras vivas, a arte e a arqueologia, mas também o património imaterial, as tradições, os costumes, as línguas, os falares, além das paisagens (a imagem dos países) e da criação contemporânea. E qual a mensagem essencial? Não deixar ao abandono o que nos foi legado por quem nos antecedeu!
Falando da relação entre palavra e imagem, nada melhor do que ouvir E naturalmente devemos ouvir Gastão Cruz:
Gravura Ourives-gravador era o ofício do meu avô paterno: sobre mesas dispersos utensílios buris limas por entre chapas e, há muito, objectos
acumulados; lembro-o curvado com a luneta, fixamente olhando a dura mão que no metal gravava por encomenda nomes: desenhava com
força as linhas do seu significado como se para alguma eternidade ilusória as gravasse, assim o poeta
com o buril inscreve na deserta chapa do mundo não interpretado o sentido precário de o olhar (“A moeda do tempo”. Lisboa: Assírio & Alvim, 2006).