Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Orwell era um intelectual que acreditava que o mundo podia ser modificado pela força do intelecto.
Por maioria de razão enquanto jovem, na sua aurora de impulso juvenil e primaveril. Acreditou fervorosamente no socialismo.
Era um socialista idealista, em termos de conceitos e ideias.
A maioria dos intelectuais colocava a teoria à frente da experiência.
Consta que Marx nunca se deslocou nem trabalhou em qualquer local de trabalho do operariado.
Orwell quis colocar a observação empírica e a experiência à frente da teoria.
A sua experiência dizia-lhe que só através de um exame meticuloso poderíamos aceder à verdade.
A sua natureza e instinto diziam-lhe que entre a ideologia e a sua execução, as coisas não eram aquilo que pareciam.
Sem subterfúgios, queria conhecer a verdade.
E saber se era exequível executar o ideal em que acreditava.
Nada melhor que examinar de perto a vida da classe trabalhadora.
Trabalhou e viveu entre os oprimidos, tentou compreendê-los e ser um deles.
Lutou na guerra civil de Espanha, ao lado dos republicanos, por confronto com o mero apoio moral da maioria dos intelectuais.
Enquanto membro de uma melícia anarquista, acreditou que podia estar a viver o princípio do socialismo.
Mas a purga que o partido comunista, às ordens de Estaline, fez aos anarquistas, demonstrou-lhe que a esquerda, quando no poder, é capaz de uma crueldade e injustiça semelhante à dos nazis, validando todos os meios para atingir os seus fins, ao arrepio da teoria que proclamava.
“Homenagem à Catalunha”, denunciando as atrocidades feitas pelos comunistas contra os anarquistas espanhóis, foi boicotada e silenciada, em termos de publicação, por quem o autor tinha tido, até então, por progressistas.
Não abandonou a crença de que, por força das ideias, é possível uma sociedade melhor, mas concluiu que as pessoas são mais importantes que a mera ideologia.
Colocou, em primeiro lugar, a experiência pessoal, o que observava no dia a dia, por oposição à abstração das ideias e a uma imaginação teórica e de retórica.
Os seus ataques transferiram-se da quase unânime censura e desprezo pelo capitalismo vigente, para os fraudulentas utopias e amanhãs que cantam proclamados e propagandeados por Marx, Lenine, Estaline e seguidores.
“O Triunfo dos Porcos” narra uma história de corrupção e traição, recorrendo a figuras de animais para retratar as fraquezas humanas e demolir o “paraíso comunista” proposto pela União Soviética, na época de Estaline.
Sem esquecer o atualíssimo, distópico, futurista e totalitário “1984”.
Estalinistas, comunistas e pretensas vanguardas progressistas não lhe perdoaram.
Proibições e boicotes da sua obra são testemunho.
Idolatrado por uns, demonizado por outros, mas não indiferente a ninguém, deixou-nos uma obra cada vez mais presente, onde se reconhece que o comportamento político é grandemente irracional.
Observação, experiência e contacto pessoal levaram-no a crer que a causa fundamental do insucesso da utopia é a irracionalidade do comportamento humano.
Colocou sempre a observação e a experiência, mãe de todas as coisas, à frente da teoria.
George Orwell está na ordem do dia. A cada passo, a realidade que descreveu foi ultrapassada pelos acontecimentos, que ainda são mais inquietantes do que previu. Em dado passo de “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro”, afirma: “Num mundo no qual todos trabalhassem pouco, tivessem o alimento necessário, vivessem numa habitação com casa de banho e frigorífico e possuíssem automóvel ou até avião, a forma mais óbvia e talvez mais importante de desigualdade já teria desaparecido. Desde o momento em que se tornasse geral, a riqueza esta perderia o seu caráter distintivo. Claro que seria possível ainda imaginar uma sociedade na qual a riqueza, no sentido dos bens e luxos pessoais, fosse distribuída equitativamente, enquanto o poder permanecesse nas mãos de uma pequena casta privilegiada. Na prática uma sociedade desse tipo não poderia permanecer estável por muito tempo. Porque se o lazer e a segurança fossem desfrutados por todos igualmente, a grande massa de seres humanos que costuma ser atingida duramente pela pobreza alfabetizar-se-ia e aprenderia a pensar por si. Depois que isso acontecesse, mais cedo ou mais tarde, essa massa dar-se-ia conta de que uma minoria privilegiada não tinha função nenhuma e acabaria com ela. Em suma, a longo prazo, uma sociedade hierárquica e desigual só seria possível num mundo de pobreza e ignorância”. Em “Animal Farm” é a parábola dessa situação que é apresentada. No fundo, o que George Orwell nos propõe é uma sociedade equilibrada e civilizada, baseada na liberdade, na igualdade e no respeito mútuo. Hoje, o mundo das “fake news” pretende condicionar a autonomia individual e favorecer os reflexos condicionados de Pavlov. Pela repetição de uma mentira mil vezes, há quem pretenda torna-la verdade. Como prevenir tal tentação? Eis o grande desafio da democracia, que tem de recusar a lógica iliberal. Um regime iliberal não pode ser democrático. Como nos ensinaram os grandes liberais, a liberdade não pode ser alvo de transigência – lembremos o nosso Herculano. Mas Orwell com toda a razão liga a liberdade ao equilíbrio. A liberdade deve ser igual e a igualdade livre. Não se trata de igualitarismo cego e indiferenciado, nem de liberdade abstrata. E Orwell acreditava em que a verdade era a melhor arma contra a mentira. Em “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” temos o anúncio do perigo de todos os totalitarismos, vindos de onde vierem…
Mas hoje, não resisto a citar um conjunto de imprescindíveis conselhos do grande jornalista, escritos em “A Politica e a Língua Inglesa”. Escrevendo bem e claro podemos defender a verdade! Eis os pontos.
«Nunca utilizem uma metáfora, uma comparação ou qualquer outra figura de retórica que tenham encontrado muitas vezes citada;
Nunca utilizem uma palavra comprida se outra mais curta puder ser usada com o mesmo sentido:
Se for possível suprimir uma palavra, não hesitem em cortá-la;
Nunca utilizem a voz passiva quando for possível usar a voz ativa;
Não utilizem uma expressão estrangeira, um termo científico ou especializado, se puderem encontrar um equivalente na língua de todos os dias:
Não tenham medo de infringir as regras acima indicadas se a alternativa for um evidente barbarismo»…
Tudo muito simples… Tudo muito evidente! Eu tenho sempre as regrazinhas comigo…
George Orwell, pseudónimo de Eric Arthur Blair (1903-1950), é porventura o mais célebre dos cultores da literatura distópica no século XX, tendo escrito “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” (1949) e “Animal Farm” (“O Triunfo dos Porcos”, 1945) obras referenciais ao lado de “Farenheit 451” de Ray Bradbury (1963), “O Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley (1932) e “Nós” de Yvegeny Zamyatin (1924).
Winston Smith é o protagonista da novela, membro do Partido Externo (Outer Party), que trabalha para o Ministério da Verdade, responsável pela propaganda. Reescreve notícias dos jornais do passado, no sentido de as pôr de acordo com a ideologia do Partido. O Ministério destrói igualmente todos os documentos que contrariem a versão oficial dos acontecimentos. Smith é um trabalhador diligente, mas odeia intimamente o Partido e sonha com a rebelião contra o Grande Irmão. A tirania era supervisionada pelo Big Brother (o Grande Irmão), líder do Partido, que pratica o culto da personalidade, buscando o poder próprio pelo poder, com subalternização do bem dos outros. Uma ostensiva preocupação em definir a verdade como realidade exclusiva e incontestável (hoje falaríamos em pós-verdade) levou George Orwell a utilizar expressões e termos como: duplipensar, crime de pensamento, novilíngua, teletela ou 2 mais 2 igual a 5.
O romance tem lugar na “Pista Número Um”, o novo nome de Inglaterra, sob o regime totalitário do Grande Irmão e da sua ideologia “IngSoc”. Diariamente, os cidadãos deveriam parar de trabalhar durante dois minutos para se dedicarem a exorcizar o “traidor” foragido Emmanuel Goldstein e, em seguida, para idolatrar a figura do Grande Irmão. Smith não tem memória da infância ou dos anos anteriores à mudança política e, ironicamente, trabalha no serviço de retificação de notícias já publicadas, publicando versões retroativas e “retificadas” de edições históricas do jornal “The Times”. Estranhamente, começa a interessar-se perigosamente pela sua colega de trabalho Julia, numa sociedade em que o sexo sem procriação é considerado crime. Ao mesmo tempo, Winston é persuadido por O'Brien, um burocrata do círculo interno do “IngSoc”, no sentido de impedir que abandone a fé no Grande Irmão.
“Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” é uma metáfora sobre o poder. George Orwell escreveu-o para denunciar o risco das sociedades modernas se deixarem dominar pela tirania do pensamento único, da idolatria e da mistificação confundida com a verdade. São os totalitarismos de diversas orientações que estão em causa, uma vez que Orwell antecipa o risco de o Estado controlar o pensamento dos cidadãos, designadamente através da manipulação da língua. Daí a criação pelos especialistas do Ministério da Verdade da “novilíngua”, que, uma vez completa, impediria qualquer opinião contrária ao regime. “Duplipensar” era, aliás, uma das mais curiosas palavras da Novilíngua correspondente a um conceito segundo o qual era possível ao indivíduo aceitar simultaneamente duas crenças diametralmente opostas – justificando a mentira. A Teletela era um televisor que permitia ver como ser visto, sendo o padrão de fundo a figura inanimada do Big Brother. Segundo a teoria da Guerra, o objetivo desta não seria vencer um inimigo nem lutar por uma causa, mas sim manter o poder das classes dominantes, limitando o acesso à educação, à cultura e aos bens materiais. A guerra serviria para destruir os bens materiais produzidos pelos mais pobres e impedir que acumulassem cultura e riqueza. Assim, um dos lemas do Partido, "guerra é paz", era explicado por Emmanuel Goldstein: "Uma paz verdadeiramente permanente seria o mesmo que a guerra permanente".
Muito se discutiu sobre a razão de ser do título por extenso de 1984, mas a explicação mais plausível é que se trata do anagrama do ano em que o romance foi escrito, trocando os dois últimos algarismos, para aproximar a realidade da Inglaterra de 1948…