Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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ATORES, ENCENADORES (I) ORIGENS DO TEXTO-ESPETÁCULO EM PORTUGAL por Duarte Ivo Cruz
Pretendemos agora abordar as grandes referencias do teatro no ponto de vista de espetáculo, sendo certo que o espetáculo teatral envolve necessariamente um texto, mesmo cantado e com apoio musical, – ou na alternativa, estaremos perante dança, mimica, o que se quiser, mas não propriamente teatro. Tal como aliás, um texto dialogado pode não significar ou constituir uma expressão teatral se lhe faltar dimensão de espetáculo.
O que envolve ainda outra dimensão estética, se a expressão me é permitida. Da mesma forma que textos dialogados ou roteiros de espetáculo sem texto não são propriamente teatro, ou da mesma forma, já gora, que a essência e a especificidade do cinema reside, como bem sabemos, na realização e não tanto no argumento ou no dialogo, é também certo que a ópera é teatro – e não há que separar, em rigor, a ópera e a opereta da revista, a não ser na quantidade/qualidade da expressão musical e na intencionalidade, digamos assim. Vimos aqui exemplos de operetas e de revistas de grande qualidade de texto – espetáculo.
Mas aí, implicitamente se remeteu para a componente musical. E caiu-se então noutra área de analise: o que distingue uma revista de uma opereta? E mais: o que distingue o texto (libreto) de uma ópera, de um texto de revista ou de teatro declamado com suporte musical?
Damos aqui exemplos históricos.
Desde logo, Gil Vicente. Lucinana Segagno Picchio, é taxativa: “Gil Vicente, além de autor, também era músico e ator. Muitos dos textos por ele idealizados e não só o Monólogo do Vaqueira, foram representados com o seu direto concurso. Mas da companhia que devia existir e recrutar as suas próprias forças entre aquela plêiade de cómicos que, também em Portugal, começava a constituir-se como categoria, não se lê palavra”. (in”História do Teatro Português” pág. 85) Efetivamente, a tradição aponta para essa intervenção no espetáculo, extensiva aliás a Paula Vicente, filha de Gil Vicente e coautora, diríamos hoje, com o irmão Luis, da “Compilaçam de Todalas Obras de Gil Vicente” (1562).
E são inúmeros os exemplos destacáveis nas “notas de cena”, ou nos próprios textos vicentinos, a começar no iniciático “Auto da Visitação ou Monólogo do Vaqueiro” que no final convoca os “trinta ou mais companheiros/ porcariços ou vaqueiros” para homenagear o nacimento do futuro D. João III… Ou, entre, insista-se, tantas evocações musicais, que não podemos aqui enumerar - por exemplo a “cantiga feita e ensoada pelo autor” e o bailado e vilancete, ou a folia e cantiga “do “Auto da Sibila Cassandra” – e estes são meros exemplos, entre dezenas de outros, nas peças de Gil Vicente.
João de Freitas Branco, Na “História da Música Portuguesa”, desenvolve o tema, salientando que “Gil Vicente transplantou para o seu teatro música de índole popular, conveniente aos personagens e ao ambiente em que cenicamente vivem. Mas não deixou por isso de aproveitar também os géneros musicais de corte”, chamando entretanto a atenção para a entre a música nas cenas vicentinas e o espetáculo de ópera.
Mas refere em particular, entre outras peças, o prologo do “Triunfo do Inverno” que indicia “uma decadência dos costumes musicais do povo na passagem do primeiro para o segundo quartel do século XVI”. E cita. “Em Portugal vi eu já/Em cada casa pandeiro/ E gaita em cada paleiro; / E de vinte anos para cá/Não há gaita nem gaiteiro” (…) Se olhardes as cantigas/ todas têm som lamentado/ carregado de fadigas/ longe do tempo passado”! (cfr. págs. 58/59)
Insista-se: Gil Vicente era também ator, e de atores nos ocupamos agora nesta série de artigos. E assim, podemos e devemos voltar muito atrás nas implicações cénicas e até musicais da “História do Teatro Português” – e muito especificamente ao reinado de D. Sancho I que em 1193 faz doação de uma propriedade (casal) da coroa a dois histriões ou bobos, Bonamis e seu irmão Acompaniado, os quais, como quitação escrevem: “Nós, mimos acima referidos, /devemos ao nosso Rei um/ arremedilho para efeito/de compensação”. É Teófilo Braga quem o refere: e é esta a primeira referência direta a atores. (cfr. Teófilo Braga “Gil Vicente e as Origens do Teatro Medieval”, ed. 1898 págs. 25/26).
Mas há outras expressões teatrais que vêm da idade Média e se prolongam até às primícias do Renascimento. Refiro especialmente os chamados goliardos, aludidos no Cancioneiro Geral (1516) de Garcia de Resende através de um poema de Álvaro Brito Pestana que fala em “Estudantes pregadores/ mentem santas escrituras/ em Sermões/ derivados de amores” - e de tal forma que, recorda Teófilo, foram objeto de proibições e condenações ao longo do século XVI.
Mas o Cancioneiro Geral inclui outras expressões dramáticas, designadamente as “Trovas à Morte de D. Inês de Castro” do próprio Resende, mas sobretudo Anrique da Mota, autor de poemas dialogados, sobretudo o “Pranto do Clérigo” que chora, tal como lado escrevi” porque lhe desapareceu uma pipa de vinho, o que permite a ligação à (posterior) Maria Parda vicentina (in Teatro em Portugal – 2013 pág.19).
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 10.12.14 neste blogue.
Que fantasma se segue? Um dos mais previsíveis. Um cultor de máscaras e da suprema arte de Thalia, que Talma celebrizou.. O sétimo fantasma respeita, assim, ao teatro. Das três graças da corte de Afrodite – Tália fazia nascer flores, Eufrosina dava sentido à alegria e Aglaia repesentava a claridade. Já François-Joseph Talma (1763-1826), seria o ator favorito de Napoleão, reconhecendo ao teatro uma essencial função na vida cívica, como arte por excelência da representação e da busca da verdade. O nosso Garrett seguiria esses mesmos passos, essenciais a um regime de liberdade. Mas em Portugal, é Mestre Gil (talvez autor da Custódia de Belém segundo Teófilo Braga, ou pessoa diferente segundo Camilo) o grande símbolo da representação da vida como movimento, liberdade crítica e ensinamento. Não tendo sido o primeiro no teatro português foi, no entanto, o mais célebre. De facto, Gil Vicente (c. 1465-1536), é uma das referências fundamentais da cultura e da língua portuguesas. Pouco se sabe dele, ou pelo menos muito menos do que gostaríamos, mas lê-lo e seguir a sua obra multifacetada e rica, é o modo que temos para poder compreender as nossas raízes. Lembremo-nos do “Auto da Índia” (1509), retrato das contradições das gentes na capital do Império e da presença dos “fumos da Índia”, mas também do “Auto da Lusitânia” (1532), que a audácia de Almada Negreiros representou como se os dois protagonistas – Todo o Mundo e Ninguém – fossem dois irmãos gémeos, como verdadeiramente o são. Quer no “Auto da Índia”, quer no “Auto da Lusitânia”, mestre Gil representou as figuras essenciais da epopeia da Índia como verdadeiros símbolos, o que levou Almada Negreiros a fazer uma interpretação livre na caracterização das personagens. Como acontece com a maior parte dos Autos, Comédias e Farsas de Gil Vicente, há um fundo ético, que não significa sisudez, mas que representa aguda consciência do picaresco. Este fundo lírico e religioso leva-nos às raízes trovadorescas, mais uma vez, designadamente aos temas das “Cantigas de Santa Maria” de Afonso X e ao “Cancioneiro Geral” de Garcia de Resende… E assim temos os Autos de Devoção (como da “Visitação”, no “Monólogo do Vaqueiro”, ou nos “ Auto da Alma”, de “Mofina Mendes” e na “Trilogia das Barcas”), as Comédias (como a “do Viúvo”), as Tragicomédias (como “D. Duardos”, e “Amadis de Gaula”), as Farsas (como “Quem tem Farelos?”, “Auto da Índia”, “Velho da Horta” ou “da Lusitânia”, com o célebre entremez “Todo o Mundo e Ninguém”), além das “Obras Miúdas” (como o “Pranto de Maria Parda”). E não esquecemos o que António Tabucchi disse sobre o nosso lado trocista e o culto de trocadilhos, dando como exemplo o Pranto de Maria Parda, onde ela diz “cada traque que eu dou é um suspiro de saudade”. Ruben A. e Nuno Bragança concordariam com a expressão bem portuguesinha. O “Auto da Lusitânia” foi representado quando a corte regressou a Lisboa, depois de ter passado a epidemia de peste na capital (1532). Retrata-se uma família judaica de Lisboa. Lediça, a filha do alfaiate Jacob, varre a “logea”. E entra um cortesão galanteador, fazendo-se a jovem desentendida. Sem sucesso, o atrevido sai, entrando o pai alfaiate, vindo de negócios na cidade. E um amigo diz que é preciso “inventar” um auto, pois a Lusitânia desperta em Portugal um amor especial. Assiste-se então ao frutuoso casamento de Portugal com a princesa Lusitânia. Dinato descreve a Berzebu o diálogo entre Todo o Mundo e Ninguém. E conclui com a célebre frase “Todo o Mundo é mentiroso e Ninguém diz a verdade”. A sobriedade e a sabedoria são qualidades que a Lusitânia e Portugal representam nas suas almas gémeas. Eis por que razão este sétimo fantasma diz, assim, muito sobre quem somos. Diferentes e insatisfeitos. Reconhecendo a imperfeição. Buscadores de mitos como chave da compreensão das nossas raízes.
Eis um fantasma prazenteiro. Este pode ser encontrado amiúde onde menos esperamos. Apesar de ter sido criado no século XVI, continua a falar connosco e a dizer-nos algo que compreendemos. Mestre Gil (“um que não tem nem ceitil e faz os aitos a el-rei”) criou-o em junho de 1502 para saudar o nascimento do futuro D. João III, a pedido da Rainha Velha, irmã de D. Manuel e viúva do Principe Perfeito. Mas a verdade é que este vaqueiro é símbolo de quem somos, ainda hoje. A ilustração de Roque Gameiro apresenta-nos quem não se coíbe de dizer o que bem lhe apraz, mesmo na presença da Corte em toda a sua pujança. Poderíamos lembrar-nos de Todo o Mundo e Ninguém do Auto da Lusitânia (que Almada Negreiros recriou como um diálogo de gémeos) ou do impagável Pranto de Maria Parda (que António Tabucchi simbolizou como o nosso picaresco), mas preferimos neste folhetim citar hoje a talvez primeira personagem do elenco vicentino. Pode dizer-se que o vaqueiro é uma síntese sábia e rica. Afonso Lopes Vieira reescreveu este monólogo do Auto da Visitação e quantos de nós dissemos de cor a sua versão atrevida, crítica e simpática. E recordamos Ruy de Carvalho, nos primórdios da televisão portuguesa, como homenagem à fundação do moderno teatro português. «Sete arrepelões me deram á entrada, mas eu dei uma punhada num de aqueles figurões. Porém, se de tal soubera, não viera; e, vindo, não entraria; e se entrasse, eu olharia de maneira que nenhum me chegaria. Mas, está feito, está feito; e, se se for a apurar, já que entrei neste lugar tudo me sai em proveito. Té me regala ver coisas tão formosas, que se fica parvo a vê-las! Eu remiro-as, porém elas, de lustrosas, a nós outros são danosas».
Mas, continuemos a ouvir a toada do vaqueiro, sem papas na língua. «Seja que não seja, embora, quero dizer ao que venho, não diga que me detenho a nossa aldeia já agora. Por ela vim saber cá se certo é que pariu Vossa Nobreza? Crei' que sim, que Vossa Alteza tal está que de isto mesmo dá fé. Mui alegre e prazenteira, mui ufana e esclarecida, mui perfeita e mui luzida, muito mais que de antes era. Oh!, que bem tão principal, universal! Nunca se viu prazer tal! Por minha fé - vou saltar! Eh!, zagal, diz' lá, diz' lá:—saltei mal?» (…) E prossegue com desenvoltura: «Se agora vagar tivera e depressa não viera, maldito seja eu então se aqui a conta não dera de esta sua geração. Será rei Dom João Terceiro, o herdeiro da fama que nos deixaram, nos tempos em que reinaram, o Segundo e o Primeiro e ind'outros que passaram. Mas ficaram-me lá fora uns trinta ou mais companheiros, pastores, zagais, porqueiros, e vou chamá-los agora; eles trazem p'ra o nascido esclarecido, ovos e leite fresquinhos, e um cento de bolinhos; mais trouxeram queijos, mel - o que puderam… E ora os quero ir chamar, mas, por via dos puxões, agarrem os figurões p'ra gente poder entrar».
Cabe neste ponto do folhetim explicar alguma coisa para que o leitor perceba do que se trata. Se ainda não compreendeu, o certo é que em cada capítulo há um pequeno segredo que só no final será revelado. Já percebeu que há fantasmas que se encontram e desencontram. Ainda ontem estávamos numa comédia de enganos e hoje encontramos um audacioso discurso. Porquê?
Referimos hoje um conjunto de peças de Gil Vicente escritas há exatos 500 anos. Trata-se de evocação cronológica que não envolve qualquer esquema de apreciação das peças em si mesmas ou de relevância que assumem na dramaturgia do autor ou da época. Mas merece referência esta expressão cronológica, pois significa em si mesma como que um reconhecimento da cronologia que assiste também ao historial do teatro português, mas que tantas vezes não é ponderado como tal…
São peças datáveis de 1520/1521. E será então oportuno recordar que a primeira intervenção, como tal assumida, de Gil Vicente dramaturgo terá sido em 1502, na câmara de D. Maria, mulher de D. Manuel I que dera à luz, expressão mais da época do que de hoje, o herdeiro do trono, futuro Rei D. João III.
Entrou um “pastor” e saudou a coroa. Era junho de 1502: e aí referiu de forma desde logo exponencial o nascimento do príncipe. Assume-se como vaqueiro e esclarece as sua razões: “se tal soubesse / não viera, / e vindo / não entraria, / e se entrasse / eu olharia / de maneira /que nenhum me chegaria”…
O “Auto da Visitação” ou “Monólogo do Vaqueiro”, como já escrevemos, entrou e ainda cá está e ficará! E isso não obsta a que o próprio Gil Vicente dele próprio escrevesse com reticências: “Um Gil, um Gil, um Gil… / que má retentiva ei / um Gil… Já não direi: / um que não tem nem ceitil / que faz os autos a El-Rei!”
Mas não seria exato: pois escreveu cerca de 45 obras, em português e em castelhano, e como já referimos na “História do Teatro Português”, é comumente dado como nascido em Guimarães em 1465: mas tudo isso é questionável: por exemplo, Teófilo Braga defendia a teses do nascimento em 1470. Em qualquer caso, documentos rigorosos dão-no como falecido em 1540.
E em qualquer caso, os diversos estudos e edições apontam para algo como cerca de 50 títulos que, no seu conjunto, constituem não apenas a obra vicentina em si mesma considerada: mais do que isso, representam uma abordagem global do teatro-espetáculo, numa qualidade que em muito transcende a abordagem global da nossa dramaturgia.
Muito haverá sempre a dizer sobre esta obra no seu conjunto e na sua especificidade. É um tema que não terá nunca fim…
E nesse sentido, apraz-nos terminar esta referência com duas citações, uma delas do grande mestre que foi e é Luis Francisco Rebello na “História do Teatro Português” (1967) de que é autor.
Escreveu então Luis Francisco Rebello:
“Entre 1502 e 1536, Gil Vicente escreveu, interpretou e pôs em cena (pois, como em Ruzzante, Shakespeare ou Molière, coincidiam nele o autor, o ator e o encenador) cerca de cinquenta autos de que a maior parte foi reunida por seus filhos Luis e Paula Vicente numa Compilação editada em 1562 e reeditada vinte e quatro anos depois com graves censuras impostas pela censura inquisitorial. Dividiram aquela obra paterna em quatro secções – obras de devoção, comédias, tragicomédias e farsas - mas esta distinção por evidente arbítrio na medida em que aglutina obras disseminantes e separa obras afins.
Mais curial, sem dúvida, é a classificação tripartida (“comédias, farsas e moralidades”) alvitrada pelo próprio Gil Vicente, que engloba nos dois primeiros grupos os autos de temas dissemelhantes e separa obras afins. Engloba nos dois primeiros grupos os autos de tema e inspiração seculares e no último os temas religiosos.
E segue-se uma lista classificada das peças . (in “História do Teatro Português” – ed. Europa-América 1981).
Essas peças, no seu conjunto, constituem de facto uma origem notabilíssima da dramaturgia portuguesa. São quase 50 as que chegaram até nós. E como a referência hoje aqui feita situa a cronologia, citamos agora tão só as que mais ou menos correspondem à cronologia hoje existente…
E podemos então referir: “Farsa dos Ciganos”, “Auto de Deus Padre, “Justiça e Misericórdia”, “Obra da Geração Humana”, “Comédia de Rubena”…
Tudo isto será no mínimo questionável, no que se refere às obras e mais ainda às datas. E em qualquer caso, importa aqui recordar o que o próprio Gil Vicente de si mesmo escreveu:
“Um Gil, um Gil, um Gil… / que má retentiva ei / Um Gil… já não direi: / um que não tem nem ceitil / que faz os autos a El-Rei!”
Seja-nos permitida esta breve evocação de um auto realizado no Mosteiro da Batalha há exatos 620 anos, para assinalar a sagração do Mosteiro. Tal como referi na “História do Teatro Português” está-se a um século do “Auto da Visitação” de Gil Vicente, considerado iniciático na História do nosso Teatro.
Mas interessa então evocar o que Alexandre Herculano escreveu nas “Lendas e Narrativas” acerca desse espetáculo realizado no Mosteiro em 1401:
«Pela porta da sacristia saíram logo as primeiras figuras do auto, as quais, descendo ao longo da nave, subiram ao cadafalso pelas pranchas de que fizemos menção.
Estas primeiras figuras eram seis formando uma espécie de prólogo ao auto. Três que vinham adiante representavam a Fé, a esperança e a Caridade; após elas vinham a Idolatria, o Diabo e a Soberba, todas com as suas insígnias mui expressivas e a ponto; mas o que enleava os olhos da grande multidão dos espetadores era o Diabo, vestido de pele de cabra, com um rabo que se arrastava pelo tablado e seu forcado na mão, mui vistoso e bem posto.
Feitas as vénias a El-Rei, a Idolatria começou o seu arrazoado contra a Fé, queixando-se de que ela a pretendia esbulhar da antiga posse em que estava de receber cultos de todo o género humano, ao que a Fé acudia com dizer que ao início estava apontado o dia em que o império dos ídolos devia acabar e que ela Fé não era culpada de ter chegado tão asinha esse dia.
Então o Diabo vinha, lamentando-se de que a Esperança começasse a entrar no coração dos homens que ele Diabo tinha jus antiquíssimo de desesperar toda a gente; que se dava ao demo por ver as perrarias que a Esperança lhe fazia; e, com isto, carateava, com tais momos e trejeitos, que o povo ria e rebentava o mais devotamente que era possível».
Assim mesmo!...
Ora bem: apraz-nos agora citar a projeção que Teófilo Braga faz do que denomina “Escola de Gil Vicente” e que agrupa em continuidades ligadas a uma expressão geográfica-cultural. Agrupa os dramaturgos também de acordo com afinidades geográfico-culturais. E nesse aspeto, tal como já referimos, as afinidades geográficas dos dramaturgos da época refletem a origem cultural subjacente.
Assim, a partir do que tradicionalmente se qualifica como a “Escola de Gil Vicente”, expressão usada por Teófilo Braga, teríamos uma ligação clara às origens geográficas: Escola de Gil Vicente em Évora com Afonso Álvares e António Ribeiro Chiado, em Lisboa com Baltasar Dias, Camões, Gil Vicente de Almeida, Jorge Pinto, Henrique Soares e Jerónimo Ribeiro, Santarém Coimbra com António Prestes, Simão Machado e Baltasar Estaço: e esta tradição cultural estende-se pelo menos até ao Brasil…
A verdade é que a chamada Escola Vicentina em rigor chega aos nossos dias!...Podemos acrescentar, a esse respeito, a tradição de um “estilo vicentino” que, repita-se, em rigor chega aos nossos dias!...
Mestre Gil, ou simplesmente Gil Vicente (c. 1465-1536), é uma das referências fundamentais da cultura e da língua portuguesas. Para variar, pouco se sabe dele, ou pelo menos muito menos do que gostaríamos, mas lê-lo e seguir a sua obra multifacetada e rica, é o modo que temos para compreender as raízes da nossa sociedade. Poderíamos escolher muitas das suas obras, algumas das quais quase sabemos de cor (ou deveríamos saber) – mas centramo-nos no “Auto da Lusitânia”, recordando o que Almada Negreiros audaciosamente representou no célebre painel da Faculdade de Letras de Lisboa. E a audácia do modernista representou os dois protagonistas – Todo o Mundo e Ninguém – como irmãos gémeos, que verdadeiramente são. Não os apresenta assim mestre Gil, nos prolegómenos da peça, mas, como homem grande de teatro, Almada Negreiros fez uma interpretação livre da caracterização das personagens. Como acontece com a maior parte dos Autos, Comédias e Farsas de Gil Vicente, há um fundo ético, que não significa sisudez, mas que representa aguda consciência do picaresco, que muitos teimam em desvalorizar. Mas este fundo lírico e religioso levam-nos às raízes trovadorescas, designadamente a temas das “Cantigas de Santa Maria” e do “Cancioneiro Geral”… Numa obra muito vasta, temos os Autos de Devoção (como da Visitação ou Monólogo do Vaqueiro, da Alma de Mofina Mendes e Trilogia das Barcas), as Comédias (como a do Viúvo), as Tragicomédias (como D. Duardos, e Amadis de Gaula), as Farsas (como Quem tem Farelos?, Auto da Índia, Velho da Horta e da Lusitânia, com o entremez Todo o Mundo e Ninguém) e as Obras Miúdas (como o Pranto de Maria Parda). Neste último exemplo, não esquecemos o que António Tabucchi disse sobre o nosso lado trocista e de culto de trocadilhos. E, para escândalo de alguns, citou no “Die Zeit”, como símbolo português, o Pranto de Maria Parda, onde ela diz “cada traque que eu dou é um suspiro de saudade”. Extraordinário exemplo, bem portuguesinho (como diriam Ruben A. e Nuno Bragança). Quanto ao “Auto da Lusitânia”, é de 1531, por ocasião do nascimento do príncipe D. Manuel, filho de D. João III, apenas foi representado, em 1532, quando a corte de regressou a Lisboa, depois de ter passado o efeito da epidemia de peste na capital. A primeira parte representa a vida de uma família judaica de Lisboa. Lediça, a filha do alfaiate Jacob, varre a "logea". E entra um cortesão galanteador fazendo-se a jovem desentendida. Sem sucesso, o atrevido sai, entrando o pai alfaiate, vindo de negócios na cidade. A família faz o trabalho rotineiro, entoando canções. Nisto, surge um amigo, que interrompe o trabalho, dizendo que é preciso "inventar" um auto, já que a família real está prestes a chegar. A segunda parte aborda a origem mítica de Portugal, fruto da união entre a ninfa Lisibea e o Sol, que herda a beleza materna. E Lusitânia desperta em Portugal, um caçador grego, profundo amor, enquanto a ninfa Lisibea com secretos ciúmes da filha, morre, e é sepultada onde se veio a edificar a cidade de Lisboa. Assiste-se então ao frutuoso casamento de Portugal com a princesa Lusitânia. Dinato e Berzebu, encarregues de relatar a Lúcifer tudo o que se passa, descrevem o diálogo entre Todo o Mundo e Ninguém. E Berzebu conclui com a célebre frase "Todo o Mundo é mentiroso e Ninguém diz a verdade”. Elogia-se assim a sobriedade e a sabedoria, qualidades que a Lusitânia e Portugal representam nestas duas almas que personificam a diversidade portuguesa… Discute-se se Gil Vicente é o ourives da belíssima Custódia de Belém, Teófilo Braga disse tratar-se de uma só pessoa, o ourives e o poeta, enquanto Camilo Castelo Branco defendia duas pessoas distintas. Teófilo Braga mudaria de opinião, mas José Alberto Lopes da Silva avança uma dezena de argumentos para provar que Gil Vicente era ourives quando escreveu a sua primeira obra. O certo é que o mistério persistirá.
Num livro muito recente encontramos a descrição e identificação de espaços de espetáculo teatral onde se estrearam e celebraram obras dominantes de Gil Vicente. Trata-se do estudo vasto e qualificado de Ana Isabel Buesco, sobre (e assim se intitula) “D. Beatriz de Portugal - A Infanta Esquecida (1504-1538)” – ed. MANUSCRITO 2019.
Aí se efetuam efetivamente referências documentadas à construção, à expressão arquitetónica e à representatividade e atividade política e cultural do Paço da Ribeira, que D. Manuel I manda edificar a partir do início do século XVI, e onde Gil Vicente realizará, como autor e como intérprete, grande parte da sua obra dramática: trata-se assim de certo modo um dos grandes edifícios iniciáticos do teatro em Portugal, pese embora, evidentemente, os espaços que, desde os romanos, serviram de áreas de espetáculo, como aqui aliás temos evocado, e ainda os restantes edifícios, incluindo não poucos onde o próprio Gil Vicente interveio.
Nesse sentido, encontramos Paços, Igrejas e espaços variados onde Gil Vicente apresenta os seus textos e espetáculos, na Corte e/ou nas Igrejas, um pouco por todo o país. Citamos a propósito Marques Braga, no prefácio às Obras Completas de Gil Vicente, editadas nos aos 50 na sempre referenciável Coleção de Clássicos Sá do Costa (vol. I):
«A época da sua atividade dramática decorre entre 1502 e 1536. Durante trinta e quatro anos, encontramos a colaboração vicentina nas festas reais dos Paços da Ribeira, do Castelo, de Santos-o-Velho, e, fora de Lisboa, nas deslocações da corte, acompanhando as transformações sociais provocadas pelos Descobrimentos. A corte não teve um dia de nascimento ou de casamento ou de facto importante a celebrar em que não pedisse uma peça a Gil Vicente» (pág. XIV).
Por seu lado, Ana Isabel Buesco, no seu estudo acima citado, descreve a opção de D. Manuel I no que respeita à construção do novo Paço da Ribeira. Escreve designadamente que «com esta decisão, o monarca fazia descer a nova morada régia do alto da colina para a zona ribeirinha da cidade, implantando-a e articulando-a com a Lisboa dos tráficos marítimos e da mercancia, no âmbito de um verdadeiro “programa” também ideológico e político de reestruturação urbana da primeira cidade do país» (pág. 39)
A verdade é que o primeiro espaço especificamente vocacionado para o espetáculo público surge em Lisboa em 1590 por iniciativa do empresário castelhano Fernão Dias de la Torre, que constrói o chamado Pátio das Arcas, na zona que é hoje a Rua Augusta, e isto mediante autorização do Hospital de Todos os Santos!...
Já aqui evocamos Garrett ator: e não foram poucas as intervenções nas suas próprias peças, desde escolar de Leis em Coimbra, a dirigir, em 1819, os ensaios da Mérope”, primeira peça completa que nos legou; ou em 1821 no ”Catão”, estreado no Teatro do Bairro Alto, ou no “Impropeto de Sintra” representado em 8 de abril de 1822 na Quinta do Cabeço em Sintra; ou, mais tarde e mais exigente no desempenho, o papel de Telmo Pais na estreia do “Frei Luís de Sousa” na Quinta do Pinheiro em Lisboa, 4 de Julho de 1843, contracenando com um dos grandes nomes da cena da época, a atriz Emília Kruz, que fez a D. Madalena de Vilhena.
E podemos também recordar a reforma do teatro português, elaborada por Garrett em 1836 e consagrada por Portaria de D. Maria II datadas de 15 de Novembro daquele ano, a qual lança as bases da estrutura da formação e profissionalização do setor teatral, que ainda hoje perduram.
Mas o que hoje aqui evoco é a convergência digamos assim de Garrett e de Gil Vicente nas funções de criação do espetáculo, numa curiosíssima antevisão do que viria a ser – tal como temos aqui evocado, nesta série de artigos – o papel e a intervenção do encenador na criação do teatro-espetáculo.
É em “Um Auto de Gil Vicente”, primeira peça “de fundo” de Garrett, “Drama representado pela primeira vez em Lisboa no teatro da Rua dos Condes, em 16 de Agosto de MDCCCXXXVIII” diz a edição da época. Aí encontramos 22 personagens, entre eles, o próprio Gil Vicente, Bernardim Ribeiro, Paula Vicente, Garcia de Resende e atores e atrizes envolvidos na primeira representação de As Cortes de Júpiter” perante a corte de D. Manuel I.
Estamos perante uma reconstituição do ensaio do espetáculo, dirigido – hoje diríamos encenado – pelo próprio Gil Vicente, e tendo como protagonista, diríamos hoje também, a Paula Vicente.
Evoquemos pois esse ensaio inicial. Desde logo, a intervenção do “encenador Gil Vicente”, que refere em síntese o teor da peça e orienta os atores:
«Gil Vicente - (…) Vamos. - Porte, dignidade, - um ar majestoso e grande. As ”Cortes de Júpiter” é o título da nossa comédia. Deuses e deusas: não há outra gente aqui. Paula, tu sabes que és a “Providência”, que vais ordenas a Júpiter que chame a cortes os regedores de todas as coisas, o deus do mar, o dos ventos, da guerra, Sol, lua, estrelas.»
E segue-se a cena do ensaio, entremeada com as galanterias - expressão mais dos tempos de Garrett do que dos nossos tempos! - de Bernardim Ribeiro dirigidas a Paula Vicente:
«Bernardim – Providência! De molde lhe vai a esta altivez natural e génio sobranceiro. – Dizia-me Pêro que ereis a Lua/ Paula – Não me contento de luz emprestada, senhor cavaleiro./ Bernardim – Porque da própria sabeis quanto brilha».
E continua o ensaio, com uma clara direção de atores por parte de Gil Vicente, com transcrições do Auto e com intervenções dos próprios atores. Mas a grande protagonista desta cena é na realidade a Paula Vicente, que reage com impaciência às orientações de Gil Vicente e aos avanços de Bernardim.
«Paula – Deixemos esse tom de galanteria, senhor cavaleiro. Não vos fica bem a vós e sabeis que não me agrada a mim. (…) O meu papel todo agora! Isso é impossível. Tirava-me a ânimo de o repetir logo. Demais o tendes ouvido todos. Fazei de conta que está dito.»
E noutra fala: «Praz-lhe ao Senhor Bernardim Ribeiro zombar de nós e da nossa humilde profissão.”
Segue o ensaio, com uma crescente indisposição de Paula Vicente, que imita e critica os próprios colegas: assim, na sequência das indicações aos outros atores, e da intervenção de Pero Sáfio, no papel de Marte, em transcrição rigorosa do auto vicentino intercalada pelos comentários de Gil Vicente/Garrett:
«Paula (interrompendo-os e parodiando o tom da declamação): - É a Providência divina que está secadíssima de ouvir as conversas sensabores destes deuses pagãos, ordena que vos caleis já, e guardeis isso para logo.”
Ora bem: esta simbiose, permita-se o termo, entre classicismo e romantismo, ou, se quisermos, esta visão romântica do teatro clássico, esta interpretação de Gil Vicente feita por Garrett, constitui, na síntese de épocas e estilos, um documento notável no ponto de vista estético, mas também cronológico, da evolução histórica do teatro, e neste caso, a partir de dois nomes cimeiros da nossa literatura dramática, Gil Vicente e Garrett. E ambos marcam de que maneira a época, a estética técnica dos atores e dos encenadores, no século XVI, no século XIX e no século XXI!
E uma nota final: ao publicar em 1841 a peça “Um Auto de Gil Vicente”, Garrett fá-la anteceder de longa Introdução, onde traça uma interessantíssima teoria geral do teatro português e do teatro em Portugal. Dela destacamos as passagens que se seguem, até porque em muitos aspetos não perderam atualidade:
«Em Portugal nunca chegou a haver teatro: o que se chama teatro nacional, nunca (…) O teatro é um grande meio de civilização mas não prospera onde a não há. Não têm procura os seus produtos enquanto o gosto não forma os hábitos e com eles a necessidade. (…) Depois de criado o gosto público, o gosto público sustenta o teatro”.
No seu tempo, com a sua obra e com a sua intervenção, Garrett, muito ajudou a criar o hábito, o gosto, a necessidade – e a qualidade!
Pretendemos agora abordar as grandes referencias do teatro no ponto de vista de espetáculo, sendo certo que o espetáculo teatral envolve necessariamente um texto, mesmo cantado e com apoio musical, – ou na alternativa, estaremos perante dança, mimica, o que se quiser, mas não propriamente teatro. Tal como aliás, um texto dialogado pode não significar ou constituir uma expressão teatral se lhe faltar dimensão de espetáculo.
O que envolve ainda outra dimensão estética, se a expressão me é permitida. Da mesma forma que textos dialogados ou roteiros de espetáculo sem texto não são propriamente teatro, ou da mesma forma, já gora, que a essência e a especificidade do cinema reside, como bem sabemos, na realização e não tanto no argumento ou no dialogo, é também certo que a ópera é teatro – e não há que separar, em rigor, a ópera e a opereta da revista, a não ser na quantidade/qualidade da expressão musical e na intencionalidade, digamos assim. Vimos aqui exemplos de operetas e de revistas de grande qualidade de texto – espetáculo.
Mas aí, implicitamente se remeteu para a componente musical. E caiu-se então noutra área de analise: o que distingue uma revista de uma opereta? E mais: o que distingue o texto (libreto) de uma ópera, de um texto de revista ou de teatro declamado com suporte musical?
Damos aqui exemplos históricos.
Desde logo, Gil Vicente. Lucinana Segagno Picchio , é taxativa: “Gil Vicente, além de autor, também era músico e ator. Muitos dos textos por ele idealizados e não só o Monólogo do Vaqueira, foram representados com o seu direto concurso. Mas da companhia que devia existir e recrutar as suas próprias forças entre aquela plêiade de cómicos que, também em Portugal, começava a constituir-se como categoria, não se lê palavra”. (in”História do Teatro Português” pag. 85) Efetivamente, a tradição aponta para essa intervenção no espetáculo, extensiva aliás a Paula Vicente, filha de Gil Vicente e coautora, diríamos hoje, com o irmão Luis, da “Compilaçam de Todalas Obras de Gil Vicente” ( 1562 ).
E são inúmeros os exemplos destacáveis nas “notas de cena”, ou nos próprios textos vicentinos, a começar no iniciático “Auto da Visitação ou Monólogo do Vaqueiro” que no final convoca os “trinta ou mais companheiros/ porcariços ou vaqueiros” para homenagear o nacimento do futuro D. João III… Ou, entre, insista-se, tantas evocações musicais, que não podemos aqui enumerar - por exemplo a “cantiga feita e ensoada pelo autor” e o bailado e vilancete , ou a “ folia e cantiga “ do “Auto da Sibila Cassandra” – e estes são meros exemplos, entre dezenas de outros, nas peças de Gil Vicente .
João de Freitas Branco, Na “História da Musica Portuguesa”, desenvolve o tema, salientando que “Gil Vicente transplantou para o seu teatro música de índole popular, conveniente aos personagens e ao ambiente em que cenicamente vivem. Mas não deixou por isso de aproveitar também os géneros musicais de corte”, chamando entretanto a atenção para a entre a musica nas cenas vicentinas e o espetáculo de ópera.
Mas refere em particular, entre outras peças, o prologo do “Triunfo do Inverno” que indicia “uma decadência dos costumes musicais do povo na passagem do primeiro para o segundo quartel do seculo XVI” . E cita. “Em Portugal vi eu já/Em cada casa pandeiro/ E gaita em cada paleiro; / E de vinte anos para cá/Não há gaita nem gaiteiro” (… ) Se olhardes as cantigas/ todas têm som lamentado/ carregado de fadigas/ longe do tempo passado”! (cfr. pags. 58/59)
Insista-se: Gil Vicente era também ator, e de atores nos ocupamos agora nesta série de artigos. E assim, podemos e devemos voltar muito atrás nas implicações cénicas e até musicais da “História do Teatro Português” – e muito especificamente ao reinado de D. Sancho I que em 1193 faz doação de uma propriedade (casal) da coroa a dois histriões ou bobos, Bonamis e seu irmão Acompaniado , os quais, como quitação escrevem: “Nós, mimos acima referidos,/devemos ao nosso Rei um/ arremedilho para efeito/de compensação”. É Teófilo Braga quem o refere: e é esta a primeira referência direta a atores. (cfr. Teófilo Braga “Gil Vicente e as Origens do Teatro Medieval”, ed. 1898 pags. 25/26).
Mas há outras expressões teatrais que vêm da idade Média e se prolongam até às primícias do Renascimento. Refiro especialmente os chamados goliardos, aludidos no Cancioneiro Geral (1516) de Garcia de Resende através de um poema de Álvaro Brito Pestana que fala em “Estudantes pregadores/ mentem santas escrituras/ em Sermões/derivados de amores” - e de tal forma que, recorda Teófilo , foram objeto de proibições e condenações ao longo do seculo XVI.
Mas o Cancioneiro Geral inclui outras expressões dramáticas, designadamente as “Trovas à Morte de D. Inês de Castro” do próprio Resende, mas sobretudo Anrique da Mota, autor de poemas dialogados, sobretudo o “Pranto do Clérigo” que chora , tal como lado escrevi ”porque lhe desapareceu uma pipa de vinho, o que permite a ligação à (posterior) Maria Parda vicentina (in”Teatro em Portugal – 2013 pag.19).