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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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ANTOLOGIA

  
O Gebo e a Sombra - espetáculo de Antuérpia 


ATORES, ENCENADORES (IX)

EVOCAÇÃO DE GINO SAVIOTTI NOS 70 ANOS DO CÍRCULO DE CULTURA TEATRAL E DO TEATRO ESTÚDIO DO SALITRE
por Duarte Ivo Cruz


Fazemos hoje uma evocação de Gino Saviotti e das grandes iniciativas de cultura e de espetáculo teatral com que este italiano, fixado em Lisboa a partir dos anos 40, marcou, e de que maneira, a cultura e a atividade profissional do teatro português. Digo desde já que participei nos cursos livres de Filosofia do Teatro que em 1958 e anos seguintes Saviotti ministrava no então Conservatório Nacional. E quando, anos depois, assumi no Conservatório e depois na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa a cadeira de História da Literatura Dramática e do Espetáculo Teatral, muito recordei e evoquei os ensinamentos de Saviotti…


O Círculo de Cultura Teatral foi criado em 1945, a partir de um grupo notável de escritores e intelectuais portugueses. Os objetivos eram basicamente “desenvolver o gosto pelo teatro como intervenção literária e espetacular, a cultura intelectual, o sentido artístico e as faculdades criadoras pela poesia e o pensamento dramáticos”, segundo o manifesto de criação assinado por individualidades tais como Alves Redol, Arquimedes da Silva Santos, Jorge de Faria ou Vasco Mendonça Alves e Luis Francisco Rebello que aqui citamos.


No mesmo ano, Saviotti publicou um texto programático intitulado “Premissas para a Constituição em Lisboa de um Estúdio Teatral”. E efetivamente, em 1946, arranca no Instituto Italiano de Cultura, onde Saviotti era professor, um chamado 1º Espetáculo de Teatro Essencial que marcaria o início do Teatro Estúdio do Salitre, importante movimento de renovação teatral.


Mas passados menos de 10 anos, encontramos Saviotti a dirigir uma Nova Companhia do Teatro de Sempre-NCTS, que por direito próprio se inscreve num movimento de renovação de repertórios e de espetáculos.  Era no Teatro Avenida, e reunia um rupo de então jovens atores, com destaque para Rogério Paulo e Carmen Dolores, designadamente: havemos de falar nas carreiras respetivas.


Mas neste texto, importa sublinhar sobretudo a renovação de repertório que esta NCTS trouxe ao meio teatral à cultura teatral portuguesa. Destaco em particular dois espetáculos.


Desde logo, em 1958, “O Gebo e a Sombra” de Raul Brandão, peça quase desconhecida na época não obstante uma brevíssima produção (apenas quatro espetáculos!) em 1927 e um espetáculo universitário em 1945. Rogério Paulo interpretou e protagonista e encenou em 1961 uma versão no Nederlamd Kamernoteel de Antuérpia.


A encenação de Gino Saviotti no Avenida teve assim foros de revelação. Como o teve também o texto de Brandão, na decadência resignada o pobre Gebo, para quem “a felicidade na vida é não acontecer nada, “pois (ele) não pode se senão isto”. Para proteger o filho assume um roubo que não cometeu. Mas volta da prisão completamente pervertido: e a última fala da peça é sintomaticamente – “tudo foi inútil”.


Ora, tal como escreveu Urbano Tavares Rodrigues, “todas as personagens ou quase todas, através dos 4 atos da peça, se interrogam a si próprias, mas do que se dirigem aos outros” (“Noites de Teatro” II – 1961). E João Pedro de Andrade: “Trata-se de uma tragédia do tempo presente, em que a fatalidade é gerada pelas modernas potências que tomam o lugar dos deuses na tragédia antiga” (in Dicionário do Teatro Português pág.348). 


Tudo isto constituiu revelação para o público de 1958. E também teve foros de revelação, na mesma companhia, a estreia, a seguir, de “Seis Personagens à Procura de Autor” de Pirandello, interpretado por Carmen Dolores e encenado por Gino Saviotti.  


São espetáculos que, decorrido mais de meio século, não esquecem!

  
Raul Brandão da autoria de Tagarro 


Duarte Ivo Cruz


Obs: Reposição de texto publicado em 04.02.15 neste blogue.

O ENSINO DO TEATRO EM PORTUGAL 6 – GINO SAVIOTTI, DA TEORIA À PRÁTICA TEATRAL

 

 

Neste conjunto de evocações da minha passagem e formação teórica no Conservatório Nacional é altura de recordar as aulas de Gino Saviotti na cadeira de Filosofia do Teatro, e lembrar a sua atuação e criação no meio teatral português da época, através designadamente da Companhia de Teatro de Sempre, que dirigiu no Teatro Avenida, precisamente na temporada a de 1958-1959: e foi nesse anos letivo que me matriculei na Faculdade de Direito e no Conservatório Nacional, aqui, mais uma vez o refiro, como aluno - ouvinte nas cadeiras de Arte de Representar e Encenação e de Filosofia do Teatro, esta, como já escrevi, ministrada por Saviotti.

 

Refiro pois nesta evocação, simultaneamente a docência no Conservatório e a docência, digamos assim, na arte do espetáculo, através da Companhia e do repertório selecionado. E até posso começar por aí, pois deveu-se a Saviotti a estreia em cena de peças fundamentais da moderna dramaturgia.

 

Cito duas: “O Gebo e a Sombra”, de Raul Brandão, e as “Seis Personagens à Procura de Autor” de Pirandello. E repare-se que foi preciso esperar pelos finais da década de 50 para que estes dois textos, relevantíssimos numa linha de renovação do teatro português e do teatro europeu, subissem à cena em Portugal, aliás primorosamente encenados e representados por uma companhia em que se destacavam os então jovens Carmen Dolores e Rogério Paulo.

 

Mas a presença inovadora de Saviotti no teatro português vinha de traz. Na qualidade de diretor do Instituto Italiano de Cultura, ainda hoje situado na Rua do Salitre, fundou e dirigiu, em 1946, com Luís Francisco Rebello e Vasco Mendonça Alves, o Teatro Estúdio do Salitre, companhia iniciática do experimentalismo no teatro português, onde aliás Rebello se estreou como dramaturgo, com “O Mundo Começou às 5 e 47”, e onde, até 1950, seriam representados dramaturgos da relevância e projeção de Almada, David Mourão Ferreira, Branquinho da Fonseca…

 

Cito Luís Francisco Rebello: apesar de “uma certa ambiguidade (…) em grande parte devido ao heterogéneo repertório apresentado nos cinco anos em que a sua atividade durou, (…) não há dúvida de que ao Salitre se ficou a dever a primeira tentativa meditada e consequente de atualização do teatro português, além da revelação de novos autores e atores” (in “Breve História do Teatro Português” pag.140).

 

Não falo aqui nas peças da autoria de Gino Saviotti, numa carreira de dramaturgo iniciada em 1929 “(Il Buon Silvestre”)   e de romancista e de teórico da história e da estética do teatro,  nesta área  com numerosos textos  relevantes editados em Portugal: mas recordo, isso sim, o interesse das suas aulas de Filosofia do Teatro, que valorizavam a Escola e para mim constituíram uma extraordinária iniciação  cultural e cientifica à teoria e à  pratica teatral.

 

As aulas constituíam uma interessantíssima iniciação à estética do texto e do espetáculo, dentro de uma visão também de evolução histórica: e passava-se em revista o que ia ocorrendo no teatro, em Portugal e não só,  com um sentido critico e didático que ainda hoje me apraz recordar.  

 

DUARTE IVO CRUZ