Teatro Cine de Gouveia
Evocação dos Teatros de Gouveia, a propósito do centenário do nascimento de Vergílio Ferreira
Assinala-se este ano o centenário do nascimento de Vergílio Ferreira.
Nascido em Melo - Conselho de Gouveia, em 1916 e falecido em 1996, o que nos remete para a evocação também dos 20 anos da sua morte. Esta circunstância justificará uma evocação do imponente e hoje em plena atividade Teatro Cine de Gouveia, construído em 1942 e devidamente restaurado e requalificado no ano 2000.
Mas também devemos evocar, não só o grande escritor, dramaturgo episódico e teorizador da arte do teatro, que dá o nome à Biblioteca Municipal da cidade, e também a própria tradição de edifícios e atividade teatral de Gouveia.
E nesse aspeto, é interessante recordar, no seguimento destas crónicas, que a então interioríssima Gouveia do século XIX inaugurou o seu primeiro teatro em 1878, denominado Teatro Hermínio, iniciativa de uma então pujante Associação de Beneficência Popular. A obra foi dirigida por José Pinto de Sousa e o espetáculo de estreia esteve a cargo de uma companhia protagonizada pelo ator Francisco Taborda, então um nome primordial no teatro português como aqui temos dito.
Transcrevemos a propósito parte da referência que o sempre citável “Diccionário do Theatro Português” de Sousa Bastos dedica, em 1903, a este Teatro Hermínio de Gouveia: “Tem 13 camarotes, 20 cadeiras, 94 lugares de plateia e 111 de galeria. (…) É lindamente iluminado a luz elétrica. (…)
Ultimamente têm sido feitos grandes melhoramentos na sala havendo ao centro do arco do proscénio um escudo com o nome de Taborda”
Vejamos então o que se passou com o Teatro Cinema de Gouveia.
Foi inaugurado em 13 de novembro de 1942 com uma sucessão de espetáculos a cargo da Companhia Rey Colaço - Robles Monteiro, na época, como bem sabemos, referencial (e de certo modo ainda hoje…) do meio teatral português. A companhia permaneceu três dias em sucessivos espetáculos, o que também é de assinalar. A lotação rondava os 350 lugares.
Mas sobretudo, impunha-se a imponência modernista do edifício, com galeria exterior e dupla fachada em que domina a própria designação programática de Teatro Cine numa coluna vertical em rotunda, a unir as duas fachadas, uma delas totalmente envidraçada: exemplo notável de arquitetura de espetáculo.
Vergílio Ferreira escreveu uma única peça, “Redenção”, que publicou em 1949 na revista “Vértice” mas que não inclui na sua bibliografia. Mesmo, assim, tal como noutro lugar já referi, é um texto com interesse, no conflito existencial do “poeta”, que se encerra na sua própria solidão angustiada e “hesitante” recusando a participação que os amigos lhe propõem para no final morrer no terror desse mesmo isolamento social.
É, repita-se, a sua única peça conhecida.
E no entanto, no livro intitulado “Pensar” (1992) Vergílio Ferreira traça uma longa e profunda análise sobre a arte do teatro, que aqui transcrevemos em parte:
“De todas as artes espetaculares a que o mais o é, é o teatro. Ela é por isso mesmo aquela de que mais normalmente se diz que é um «espetáculo». E de tudo o que se caracteriza por um grande efeito público se diz que é «espetacular» (…) Isso explica ainda porque é o teatro a forma de arte privilegiada para um tempo de ação revolucionária, um tempo em que, estando-se fora dele pela arte, está-se dentro dele pelo que de real e imediato há nesse estar em público de seres reais que são os atores” …
DUARTE IVO CRUZ