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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

GRACILIANO RAMOS

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O alagoano e escritor de nomeada Graciliano Ramos quando foi preso em 1936 sob a alegação de que seria comunista, diz um dia numa carta à sua mulher: “Estou resolvido a não me defender. Defender-me de quê? Tudo é comédia e de qualquer maneira eu seria um péssimo ator.”

Esta atitude, dizemos, constitui um forte enrijecimento da liberdade interior face à realidade de que somos todos os demais escravos das técnicas impostas pela produção e pela reprodução do igual e seu vazio. Estamos no terreno da mimese. Cada artista que deixe claro que é pela arte que o mundo da liberdade é possível e que se entenda o quanto a arte se impõe  também como antítese da sociedade.

Hermenegildo Bastos no seu livro “O pássaro-Inspeção” ( EBRASA – Editora de Brasília, 1970)

intui claramente o quanto este pássaro leva a cabo um verdadeiro ajuste de contas da escrita com ela própria, isto é da necessidade de expurgar da arte incontinências ou confusos limites na percepção das palavras, e dele estes percursos interiores


(…)5
poesia, inacreditável simetria.
os futuros
(sua vegetal percepção)
sabem.

6
demasiado tudo.
humanas coisas, seu falar
demasiado.

do planalto central
eu medito o centro
         dentro e fora
porque as mãos independem,
e eu
não sou apenas
o que faço.

E dou a mão a Graciliano de novo quando afirma “ Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever deve fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.” 


E de Hermenegildo o possível diálogo

A poesia já está pronta

fora do poeta

como a vida

                     completa

 

O poeta vai e fere a poesia

quebra-a, destrata-a

mas não a esgota

 

Daí essa coisa gritante

que é ter o poeta

de fazer novos

poemas sempre

 

mas não como o rio dá peixe

sim como o peixe

na sua prática de rio

reinventa o nado

 

Está resolvido Hermenegildo a igualmente se não defender como Graciliano aquando da sua prisão. A sua não defesa é feita através da sua escrita por nós lida do lado de fora, do lado de cá do nascimento, quando se expõe a roupa lavada na corda ou no varal, agora como um mosaico de oportunidades.

 

M. Teresa Bracinha Vieira

Julho 2015