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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


98. SOBRE O DIREITO À GUERRA  


A doutrina sobre a guerra justa, prevaleceu até à atual institucionalização do sistema internacional de Estados o qual, baseado na conceção bodiniana de soberania, passou a garantir o uso da guerra sem recurso a qualquer justificação, transformando o Estado num sujeito de direitos absolutos, num ente que teria no seu interior o seu próprio fim. O direito internacional assentava no princípio da autolimitação dos Estados, sem o reconhecimento de uma autoridade que lhe fosse superior, dirigindo-se às pessoas através do direito interno estadual.   

Estava-se, assim, perante um sistema legal que embora apelando a um recurso irrestritivo da guerra, não era credível, dado que os estadistas sentiam necessidade de justificar o recorrerem a ela, não aceitando que todos os recursos bélicos fossem de igual modo justos ou de igual modo injustos.

Este ganho do pragmatismo sobre a teoria, pôs em causa as bases da doutrina da guerra justa, facilitando uma regulamentação moderada das regras bélicas, porque só possível  regular o que é permitido e não o que é proibido.

Só a aprovação do direito à guerra, do jus ad bellum, pode admitir a imposição do direito na guerra, do jus in bello, a ambas as partes. O que se questionava era o direito na guerra e não à guerra.   

Entretanto, os conflitos bélicos foram aumentando continuamente de extensão e intensidade, desde as guerras religiosas, dos séculos XVI e XVII, de gabinete, Estado a Estado, às guerras políticas, primeiro com as guerras iluministas, depois com as  nacionais, passando com a revolução francesa a fazer-se o recrutamento em toda a nação. Nos séculos XIX e XX fez-se a aplicação do modelo da revolução industrial às atividades bélicas, nomeadamente a partir de 1870, com a guerra franco-prussiana. As guerras nacionais passaram, sucessivamente, a regionais e mundiais. 

Mas só com a primeira guerra mundial houve um grande envolvimento nacional de recursos no conflito, com a transformação maciça dos soldados em mera carne para canhão, designadamente com a morte em série provocada pela introdução em contenda da aviação, da metralhadora, do carro de combate, do gás e do submarino, a que acresceria o poder nuclear na segunda grande guerra.                      

 

25.03.22
Joaquim Miguel de Morgado Patrício 

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  

 

97. SOBRE A GUERRA JUSTA     


Entre o nunca e o sempre destas duas posições, há a de que a guerra é por vezes justificada, a doutrina da guerra justa ou da justa causa para a fazer. 

Reconhecendo que o pacifismo tem como verdade crucial o valor da paz, tem-se como desfasado ao igualar todas as guerras e excessivo ao ter a defesa como um mal ao nível da agressão, pelo que tendo a agressão tão justa como a defesa, proibindo-se esta potencia-se a permissão do ataque, o que provoca a guerra, impedindo a sua prevenção.  A guerra e a paz, o armamento e o desarmamento, são atos humanos, complexos, que provêm de seres vivos livres e responsáveis, passíveis de juízos de valor, o que tem como impositivo abordar a licitude da guerra.

A posição defendida pela doutrina de que a guerra pode ser justificada, teve e tem grande influência nas relações internacionais e na história da humanidade. Ninguém é indiferente à licitude ou ilicitude da guerra, ao seu uso justo ou injusto. 

A doutrina da guerra justa nasceu quando o cristianismo vingou como religião oficial do Império Romano, sendo no essencial um resultado da teologia cristã. O pacifismo puro dos primeiros cristãos, segundo o qual se a beligerância ofendia o mandamento cristão do “não matarás”, devendo ser vedado combater aos seguidores de Cristo, foi-se tornando dispensável. Santo Ambrósio, pronunciou-se no sentido de que a guerra seria justa, se o objetivo fosse a defesa da pátria contra os bárbaros ou a proteção dos fracos. Santo Agostinho, começando pela exaltação da paz, acabou por concluir que a guerra podia ser lícita para restabelecer a paz, injustamente violada. São Tomás de Aquino, entendia que a guerra justa requeria uma causa justa, e como este requisito é tido como uma norma de teologia moral, argumenta que o assunto pertence à jurisdição da Igreja. Esta justa causa para fazer a guerra, foi também aprofundada e desenvolvida por um grupo de filósofos do direito natural e juristas internacionais, como Francisco Vitória, Hugo Grotius, Samuel Pufendorf, Cornelius van Bynkershoek, entre outros.

Era uma doutrina fundamentalmente moral que conferia legitimidade à luta contra a injustiça, sendo a Igreja, que a tinha concebido, quem julgava e aplicava sanções, além de fixar um código programático e de limitações da guerra.

 

18.03.22
Joaquim Miguel de Morgado Patrício