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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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HÉCTOR ABAD FACIOLINCE

Quando o amor de um pai é a magia mais extraordinária do mundo


Mal nos envolvemos na leitura das primeiras páginas deste livro e logo aquele amor entre pai e filho nos enche os sonhos de uma única e sabedora substância.

É o menino pela mão de seu pai.

Este menino não se imaginava sequer no céu, sem o seu pai. Chegou a ver-se por lá e, espreitando para baixo, avistou o pai no inferno, e logo lhe saltou para os braços.

Até ao nascimento dos filhos deste menino, ele nunca tinha sentido um amor assim. Sentia que ao lado do pai nunca nada de mal lhe aconteceria, tal como sente que aos seus filhos nada acontecerá se estiverem com ele.

Ele, o menino e seu pai, viviam numa casa de mulheres: eram dez no total e cinco delas irmãs do menino. A sua infância, na relação com seu pai, fora algo que só se sente muito fundo, naqueles sítios do sentir anterior ao sentir. Ele sentia pelo pai o que os amigos sentiam pelas mães deles.

Quando o pai se ausentava, ele recordava-lhe o cheiro que resistia na fronha da almofada da cama não mudada, a seu pedido, pelas criadas.

Era um mundo em que até os medos medonhos se acolhiam e adormeciam no largo braço do seu pai. Parecia-lhe que o pai o deixava fazer tudo, bastando que o tudo fosse mexer nos livros dele ou no pincel de barbear. Era maravilhoso fingir que sabia escrever à máquina e dedilhar as letras todas numa confusão que, afinal não existia, pois qualquer delas tinha em si a palavra “Pai”. Ah! E aquela luz forte nos olhos só de imaginar que um dia lhe escreveria cartas.

E ele, este menino, nunca conheceu os cumprimentos distantes entre machos, entre pai e filho, daqueles que aparentemente não tinham afetos. Ele, este menino, só conheceu os abraços e as frases carinhosas de seu pai, ou o seu pai não achasse que mimar os filhos era o melhor dos sistemas educativos. 

Nada melhor afinal do que um caderno de apontamentos chamado Manual de tolerância.

Nada melhor do que existir a noção de que os pais podem fazer os filhos muito infelizes e que fazê-los felizes lhes aumenta a bondade e esta a sua felicidade.

Este amor faz os filhos sentirem-se fortes para que um dia a dureza da vida os não vergue, antes os renasça na infância, se necessário.

Ainda hoje, este menino sente que obedece ao pai, ao pai que lhe ensinou a desobedecer se necessário; ao pai que ainda hoje por memória lhe resolve dilemas morais; ao pai que um dia lhe agarrou por um braço deixando-lhe marca, e o obrigou a pedir, em alta voz, desculpa a um vizinho que ele tinha aviltado, copiando colegas.

Depois, depois o pai fechou-se no escritório com ele, e olhando-o nos olhos, recordou-lhe que o próprio Jesus era judeu.

Ter um pai assim, era conhecer a leveza do aprender em compaixão. Era conhecer quando as crianças o que têm é fome.

Um dia, muitos anos depois: 

Filho, enquanto continuares a estudar e a trabalhar como tens feito (…) para nós a tua dependência não será uma carga, mas uma agradabilíssima obrigação.

Assim é a magia mais extraordinária do mundo.


 Teresa Bracinha Vieira