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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

HÉLIA CORREIA

 

Quando li a «Dama Singular», um dos contos do livro de Hélia «Vinte Degraus e Outros Contos», chancela da Relógio D'Água, conto este dedicado a uma mulher da literatura portuguesa, senti e assim interpretei, o quanto a literatura pode ser uma lição descalça de muitos amores, aberta até de espaços, a mães ausentes, e enovelada em sóis que podem não chegar até onde e aonde se quer luz. Deste conto, retirei que a lição do seu segredo é a existência de uma escola de bonecas que o escuta, rebeldes e aprendizes bonecas para quando tiverem forma humana se salvarem, se um dia escreverem com um lápis tão fundo ao intuir de cada um de nós que, a cada palavra o soalho das mesmas faça ouvir a literatura.

 

E entretanto os padrões das palavras usadas sentem vontade de brincar, deste modo contribuindo para uma maturidade que as leve a entender para quem foram erguidas, e qual a razão desse empenho na subida de uma escada que ora é o total contacto com o chão, raiz de entendimento, ora é equilíbrio para quem queira ler as palavras a partir da distancia da literatura. E neste conto existem buganvílias que explicam o inverso da verdade numa febre que se não esquece. Também existem palavras deixadas a um especial relento para que morram ou para que escutem o quanto a preservação do seu universo, também é doloroso antes do ato de amor da literatura.

 

O conto da «Dama Singular» tem um cheiro de lenha húmida num quintal despenteado de certezas. Tem também muitos medos quando as palavras nos seus banhos receiam afundar-se, antes do apuramento certeiro do que visam.

 

E também existe neste conto uma casa. Há sempre uma casa: a literatura descobre-lhe função, estação e local de lição. Casos se conhecem em que a própria casa das palavras são seu lugar de libertação, são seu treino na estratégia de lhe entendermos peito, pensamento e mão.

 

Assim me aninhei neste conto.

 

Teresa Bracinha Vieira

HÉLIA CORREIA

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Sente-se um ardor límpido na poesia de Hélia Correia. Escuta-se a força de um alerta, de uma morte, de uma liberdade, de um amor que nunca poderá transformar-se sem a imagem positiva de si mesmo. E como é possível viver sem cantar permanentemente a Grécia, a Grécia que viu aparecer a livre palavra? Neste livro extraordinário que acabei de ler, reside a clara possibilidade de fecundar uma vontade que guerreie a precariedade da excelência. A sequência de poemas contida neste livro “A TERCEIRA MISÉRIA”, surge como uma plataforma ou guia para a acção, num caminho de pensamento que conhece o frio da gente que dorme sem norte.

E de que armas deitaremos mão para resgatar as ilhas e seus deuses e seus nortes? Hélia, bem sabes que aquelas que procuramos estão dentro do corpo: o pensamento. Tu, na ideia de polis resgatada, gritas à miséria de quem não ouve ou pergunta, ou, não fosse tudo consequência da indigência, térmita incansável que projecta arrepios de pavor. E para que servem os poetas se não podem nem delirar, se os textos do delírio são tomados pelo seu contrário? Hélia, que os poetas se sirvam da ardência do luto para não deixarem o mundo num sossego pasmo e definitivo. Que não permitam que se enlouqueça do nada a fazer. Os poetas não se podem despedir, os poetas são a referência última e instância primeira do que não morre. Nenhum deles é país neutro, e todos rezam à vitoriosa Atena que se inclina para atar os fios da sandália, como bem expressas, e assim perdura, ou não soubesse que estas tuas palavras ditas, são o chão de um povo que se demora a ser povo porque suporta o pior das queimaduras: na pele da alma o Pártenon incendiado. Contudo, numa dignidade secreta do seu próprio ser – quero crer –, vai ler-te esse povo, e possa ele sentir uma ajuda para se reunir à substância da vida, e, assim beber o leite das manhãs de Atenas. E virão os jovens da Europa da linhagem de espírito, suster as lágrimas dos deuses. E os úteros não voltarão a ser de barro, e o sangue florescerá limpo, e as camisas-de-noite serão borboletas na escuridão da porta que hão-de abrir, e não se viverá por analogia. Há quase muitos anos que escuto demasiado silêncio. As árvores não se recompõem, estão nuas. Amigos, a roupa cor da chuva que usamos também respira como este poema da Hélia Correia


   E pode

   No entanto escutar-se, no entanto

   Reler-se, no entanto caminhar

   Em direcção diversa, magoar

   Novamente os joelhos na jornada?

   Com os velozes mensageiros de hoje,

   Os que, como Íris e Hermes, esvoaçam

   Pelo éter, não há-de reunir-se

   Um exército novo, uma razão

   Em forma de cenário, aquela estranha

   Ardência do improvável

 

Ó Poeta!, a ave-manhã, aquela em nós, embora sendo mais velho o fulgor do mundo, sempre o fará surpreender-nos numa noção de casa.

Enfim, tudo o que hoje sou capaz de sonhar e compreender, eis.

 

M. Teresa Bracinha Vieira

Setembro 2015