A FORÇA DO ATO CRIADOR
O verdadeiro sentido do habitar - a cidade como projeto de vida coletiva, segundo Manuel Graça Dias.
‘Se uma cidade é o artefacto humano que mais nos pode surpreender (não só pela sua construção física, pelos segredos sempre redescobertos, pelos esconderijos que lentamente se amontoam, pela glória da luz subitamente amanhecendo tudo, mas também por ser um contentor de vidas, de actores, de outros homens iguais a nós e tão diferentes, um cenário que é suporte do movimento das pessoas que o habitam e que tantas vontades cumprem lado a lado, respeitando-se, fazendo-se cidadãos), as diferentes casas construídas, retratando diferentes épocas, necessidades e objetivos, são a matriz mesma dessa complexidade e surpresa que só a cidade nos consegue oferecer.’, Manuel Graça Dias em ‘Manual das Cidades’
No livro ‘Manual das Cidades’ (2006), Manuel Graça Dias define a cidade como sendo um território conformado para a possibilidade da vida em comum. A cidade é a única enorme estrutura construída, capaz de fazer com que pessoas diferentes compartilhem e dividam o mesmo espaço. E esse espaço é, por excelência, coletivo. Por isso, múltiplo e polivalente, ao permitir o equilíbrio e o respeito em relação às diferenças entre as pessoas e oferece a possibilidade e a liberdade das pessoas tentarem ser quem verdadeiramente gostariam de ser.
A cidade é um espaço que deve ser construído em conjunto - só assim poderá garantir a absorção de toda a complexidade da vida humana.
‘A cultura europeia contemporânea procura esse nivelamento, essa igualização forçada, esse auto-contentamento fácil, construindo disponíveis consumidores.’, Manuel Graça Dias em ‘Manual das Cidades’
Para Graça Dias, os modos sucessivamente mais individualistas de viver, que têm vindo a manifestar-se na sociedade contemporânea, põem em causa a vivência comunitária que a cidade propõe - por exemplo as feiras são substituídas pelos centros comerciais isolados, as ruas são substituídas pelas estradas, a habitação coletiva pela habitação familiar isolada. Porém Graça Dias defende que a cidade é, acima de tudo um projeto de vida coletiva. Sendo assim, o planeamento urbano deve tentar não anular a complexidade e a diversidade da vida - o acidente, o acaso, o imprevisto, a surpresa e o maravilhamento pressupõem a interpelação social.
‘A cidade verdadeira, o verdadeiro “espaço público”, é um território de grande de liberdade e de imprevisto, de alguma dureza às vezes, de contrastes (de clima e de cheiros), de confrontos entre raças e classes, géneros e idades.’, Manuel Graça Dias em ‘Manual das Cidades’
A sociedade contemporânea tenta simplesmente fazer da cidade um fenómeno de massificação, de homogeneização e de simplificação. Porém para Graça Dias, a cidade deve sim ter a capacidade de acrescentar algo ao ato solitário de viver. Deve determinar e limitar espaços que permitam estarmos rodeados uns dos outros.
Graça Dias esclarece também que o espaço da cidade, deve ser um espaço constantemente mutável e em permanente recuperação - para que pare de crescer para fora dos seus limites, de qualquer maneira e para que nunca pare de ser vivida e habitada (a cidade não é um parque temático só para peões e turistas).
A cidade é, acima de tudo, um fenómeno coletivo muito importante para o nosso desenvolvimento individual com as suas ligações espaciais infinitas - ao estarmos rodeados uns dos outros temos referências, somos confrontados com a diferença e isso possibilita-nos ver quem somos. A cidade desenhada deve sujeitar-nos constantemente a confrontos, a dificuldades, a contradições e por isso a aprendizagens.
‘Gosto de falar da vida nas (das) cidades. Da vida que ainda pode ser generosa, complexa, imprevista, caótica, múltipla e dos diversos obstáculos que a tolhem.’, Manuel Graça Dias em ‘Manual das Cidades’
Ana Ruepp