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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

  

De 21 a 27 de março de 2022.


«O Testamento Político» (1749) de D. Luís da Cunha é um dos Documentos mais importantes da História Política Portuguesa.

  

COMO RESPONDER À SITUAÇÃO? 
Portugal, depois da Restauração de 1640, saiu enfraquecido, procurando responder às novas circunstâncias. E assim jogou com a liberdade dos mares e com a relação com a Inglaterra (em plena crise interna de índole constitucional, religiosa e política). Daí as tentativas para criar núcleos economicamente ativos nas zonas de influência, em especial no Brasil, sendo desse tempo a proposta do Padre António Vieira de recorrer aos cristãos-novos e judeus, de modo a refazer o império marítimo, contra a lógica do isolamento a que a Espanha nos quis condenar. Jorge Borges de Macedo refere então duas tendências em confronto na política externa portuguesa – uma atlântica, inclinada ao entendimento com a Inglaterra, e outra continental, orientada para uma ligação à França. E se o casamento de D. Catarina de Bragança com Carlos II de Inglaterra, procurou pôr fim ao isolamento português, segundo uma opção atlântica, que parecia ser a mais consistente, não podemos esquecer a ambiguidade do casamento de D. Afonso VI com a princesa francesa D. Maria Francisca Isabel de Sabóia. “Para Portugal, - refere ainda Borges de Macedo - as boas relações com as potências marítimas apresentavam-se como indispensáveis, uma vez que era por mar que se fazia o comércio externo; por aí saíam o vinho, o sal, as frutas, chegavam e partiam as produções coloniais, como sejam o açúcar, o tabaco e os couros”. A participação portuguesa na guerra da sucessão espanhola (1701-1714) foi bem ilustrativa dos cuidados estratégicos. Havia que acautelar o que restava da influência marítima, sobretudo na América do Sul e no Estado da Índia. E se houve mudança de campo por parte de D. Pedro II, primeiro ao lado de Luís XIV e da causa dos Bourbons, e, depois de uma aparente hesitação neutralista, na “Grande Aliança”, de Inglaterra, Holanda, Áustria e Estados alemães, a verdade é que a preocupação fundamental estava ligada à necessidade de preservar a relevância de Portugal como potência atlântica. O primeiro Tratado de Methuen (1703) celebrado com a Inglaterra inseriu-se nesta orientação e teve influência decisiva na evolução económica do século XVIII. No entanto, os lucros da comercialização pertenceriam aos grandes comerciantes franceses, ingleses e holandeses. O tratado de Utrecht (1712), no fim da guerra de sucessão, permitiu, contudo, reforçar a sua posição no Brasil – num momento em que se anunciava a riqueza e magnanimidade do ouro… 


A ALIANÇA BRITÂNICA

Enquanto a Grã-Bretanha se tornava paulatinamente a potência marítima hegemónica, Portugal vivia uma fase próspera, com meios de pagamento abundantes, graças ao ouro, e ao resultado das vendas do açúcar brasileiro, dos vinhos e das frutas, e gozava de prestígio internacional, designadamente junto da Santa Sé (com a atribuição do título de “Fidelíssimo” ao monarca português) reforçado pela participação na vitória sobre os turcos em Matapão (1717). Desde o século XVII, um conjunto de portugueses preocuparam-se com a necessidade de recuperar a posição no contexto internacional, não só evitando a subalternização relativamente a Espanha, mas também garantindo a defesa dos domínios ultramarinos e das frotas do Brasil. Estiveram neste caso diversas figuras relevantes, como: Manuel Severim de Faria, Duarte Ribeiro de Macedo, o Padre António Vieira, o 4º conde da Ericeira, Alexandre de Gusmão, José da Cunha Brochado, o Cardeal da Mota (D. João da Mota e Silva) ou António Ribeiro Sanches. É nestas águas que encontramos D. Luís da Cunha, autor do célebre Testamento Político. E quando encontramos referências aos estrangeirados, estamos perante uma corrente política que procurava assegurar ligação à chamada “Europa das Luzes”, que procurava seguir os países com maior desenvolvimento, pelo conhecimento científico. Está nesse caso o Dr. António Ribeiro Sanches, formado nas Universidades de Coimbra e Salamanca, de origem judaica, que D. Luís da Cunha conheceu num contacto que fez com a Universidade de Leide (Países Baixos), numa diligência para a aquisição de livros de Medicina e de Filosofia Moderna, destinados à Universidade de Coimbra (1730). No relatório que produziu, Sanches salientava, porém, que os lentes de Coimbra iriam ter certamente dificuldades em aceitar as novas ideias, por exemplo no tocante à Física de Newton ou à moderna medicina experimental, por demasiado dependentes do ensino escolástico. Ribeiro Sanches partiria pouco depois para S. Petersburgo (donde regressaria em 1747) a solicitação da czarina Catarina II. Continuou, porém, a reflexão sobre Portugal, o que, segundo o conselho dado a D. Luís da Cunha obrigaria a encontrar alguém com grande influência junto do Rei que pudesse contrariar as práticas censórias e inquisitoriais e mudar profundamente as mentalidades e os métodos vigentes. Sanches escreveu as “Cartas sobre a Educação da Mocidade” (1759), onde preconizou as urgentes medidas necessárias a ultrapassar os atrasos do país.


COMO ULTRAPASSAR ENTRAVES?
Importa referir ainda Luís António Verney, autor do “Verdadeiro Método de Estudar” (1746), leitor dos pensadores britânicos, como John Locke, que faz uma crítica ao ensino rígido, devendo proceder-se a uma nova orientação, baseada na inovação e na experiência, devendo a instrução elementar ser ministrada a ambos os sexos e a todas as classes, cabendo ao Erário fomentar e custear as despesas da educação. Refira-se ainda o caso de Francisco Xavier de Oliveira (Cavaleiro de Oliveira), autor da mais severa crítica aos métodos inquisitoriais, que considerava serem a razão do atraso português. Menos preocupado com uma perspetiva pedagógica e reformista, assume essencialmente a atitude de denúncia. Por isso, será condenado pelo Santo Ofício, tendo-se convertido ao protestantismo, escreveu vasta obra crítica entre a qual as Reflexões de Félix Vieira Corvina dos Arcos… Já Filinto Elísio foi um admirador dos franceses, com o cuidado de evitar excessos galicistas. Clérigo de formação, foi mestre de latim de D. Leonor de Almeida, a marquesa de Alorna (Alcipe). No exílio, com o seu amigo Félix Avelar Brotero, aplaudirá a Revolução Francesa, regressando no ano seguinte a Portugal. Por fim, o Padre José Agostinho de Macedo, conhecido como Padre Lagosta, também foi influenciado pelos ventos afrancesados, mas tornou-se conhecido por ser indisciplinado, pelas diatribes antiliberais e pela linguagem radical. Pertenceu com Bocage à Nova Arcádia, com Cruz e Silva e Reis Quita, onde teve por nome Elmiro Tagídeo… Celebrizou-se pela negativa e como defensor do retrocesso. E D. Luís da Cunha? Há quem ponha dúvidas. Contudo, foi indiscutivelmente o verdadeiro símbolo de inteligência fulgurante, num tempo de radical mudança.  

 

Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença

A VIDA DOS LIVROS

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  De 11 a 17 de novembro de 2019

 

O Seminário Internacional “Oliveira Martins e o seu tempo (1845-1894)”, coordenado pelos Professores Hipólito de la Torre, Angeles Lario e Paula Borges teve lugar em Madrid a 24 e 25 de outubro, na Universidade Nacional de Educação à Distância (UNED).

 

Oliveira Martins _ Historia da Civilização Ibér


BIBLIOTECA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
Quando Oliveira Martins iniciou, em 1879, a Biblioteca das Ciências Sociais, projeto a um tempo de reflexão histórica e de sentido pedagógico, começou, significativamente por publicar História da Civilização Ibérica, antes da História de Portugal, para marcar com clareza a necessidade de integrar a realidade portuguesa no contexto geográfico e político da Península Ibérica. A Biblioteca pretendia "preencher uma lacuna" e "uma necessidade das mais graves" - a de "generalizar entre as classes médias portuguesas uma ordem de conhecimentos que sem ofensa dos nossos brios se pode dizer ignorarem". Tratava-se de usar termos inteiramente novos e atrativos, sem concessão às "insonsas biografias de reis, de tratados de ontologia bolorenta, de fardos de retórica piegas, de lendas milagreiras e histórias que já são sagradas apenas para os imbecis". Na História da Civilização Ibérica, o autor sustenta que Portugal e Espanha fazem parte de um mesmo corpo, animado por um espírito comum. Na prática, prossegue-se, por caminhos próprios, a reflexão de Antero de Quental na segunda conferência do Casino - sobre as causas da decadência dos povos peninsulares. O individualismo, o jesuitismo e as conquistas seriam as razões de decaimento, que conviria recordar, para que no futuro não se repetissem os erros. A Península Ibérica deveria, assim, agir como um todo, afinando as suas complementaridades no contexto europeu. E a "sociedade portuguesa" constituía uma "molécula" do organismo social "ibérico, peninsular ou espanhol". Contra a tentação hegemónica, o que o escritor defende é que a história peninsular permita compreender que os dois povos precisam um do outro. Aliás, no texto incompleto, publicado postumamente, sobre o Príncipe Perfeito, ao tratar da batalha de Toro, com D. Afonso V pretendente ao trono de Castela, o historiador enfatiza as qualidades de D. João II, que participa brilhantemente na batalha em que seu pai é vencido. Está em causa um pensamento de complementaridade estratégica com o que virá a ser o reinado dos Reis Católicos. Só uma Península coordenada poderia ser cabeça eficaz de um império universal.

 

QUE CIVILIZAÇÃO IBÉRICA?
No Seminário Internacional “Oliveira Martins e o seu tempo (1845-1894)”, coordenado pelos Professores Hipólito de la Torre, Angeles Lario e Paula Borges, que teve lugar em Madrid a 24 e 25 de outubro, na Universidade Nacional de Educação à Distância (UNED), houve um importante debate sobre a obra do historiador português no contexto da Geração de 1870. Sérgio Campos Matos interrogou-se sobre o significado do conceito de “civilização ibérica” e desenvolveu-o não apenas em termos comparados, mas também sobre o seu significado para a compreensão da realidade peninsular. E o certo é que há uma crítica clara relativamente à obra clássica de Henry Thomas Buckle, History of Civilization in England (1857-1865), em especial quanto à “lenda negra” sobre a civilização peninsular. “Negar redondamente a hombridade peninsular, não surpreende num inglês incapaz de a compreender”. Demarcando-se da ideia de que os povos peninsulares corresponderiam ao paradigma do atraso, Oliveira Martins faz uma análise certeira, abrindo o caminho para a necessidade de aprofundar a capacidade de emancipação de corrente do carácter ibérico – e neste ponto associa o sentido crítico à exigência de uma vontade de liberdade e progresso, prosseguindo a célebre conferência de Antero de Quental. Leia-se, assim, o texto de Oliveira Martins na “Revista Ocidental”, “Os Povos Peninsulares e a Civilização moderna” (1875) que constitui o esboço da obra que abre a Biblioteca das Ciências Sociais. Em traços gerais, há uma clara recusa das simplificações do anacronismo e do patriotismo, na linha de Alexandre Herculano ou de Eça, bem como o enaltecimento do sentimento de independências (hombridade), que se prolonga numa perspetiva universalista (que Jaime Cortesão desenvolverá). Emílio Castelar (1832-1899), Juan Valera (1824-1905), Menendez Pelayo (1856-1912), Angel Ganivet (1865-1898) (mesmo sem citar) e Miguel de Unamuno (1864-1936) revelam a leitura de Oliveira Martins – numa perspetiva de compreender a dualidade política, pressupondo um patriotismo ideal ibérico ou hispânico e um patriotismo real das nações peninsulares. E assim a persistência do historiador português é a de uma aliança prioritária ibérica e não de uma união uniformizadora. Assim, temos como subjacente à História da Civilização Ibérica (HCI) não a ideia de nação étnica, como queria Teófilo Braga, mas de uma nação moral, centrada na vontade, na linha de Alexandre Herculano ou de Antero. Não por acaso, o primeiro livro de Oliveira Martins é Febo Moniz (1867), obra crítica do iberismo político uniformizador, de Sinibaldo de Mas (1809-1868). O conceito integrador, mais rico, assente na consciência moral e no carácter dos povos ibéricos leva-nos ao conceito de civilização ibérica e ao seu sentido crítico e positivo: “A deplorável confusão que se faz da história e da política, levando para a primeira as preocupações da segunda; vendo um tirano em toda a parte onde se encontra um rei, um salteador sempre que se encontra um nobre, um charlatão sempre que se topa com um padre: essa deplorável paixão confunde, baralha tudo e torna impossível a compreensão das coisas” (HCI, I,3). Assim se põe a causa a “tese” de Buckle – afirmando um carácter peninsular baseado em atos voluntários e livres, não explicáveis por simplificações. A civilização ibérica tem uma história e uma evolução – e Oliveira Martins pensa criticamente, mas não aceita um qualquer fatalismo de atraso ou de medo. “Em vez de condenar, expliquemos” (Ibidem).

 

IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA POLÍTICA
Se na compreensão da noção complexa de “civilização ibérica”, designadamente na sua projeção extraeuropeia, temos de entender o autor na sua preocupação de integrar a diversidade e a complexidade, o mesmo devemos fazer quando ao organicismo e ao “cesarismo”. Não devem ser feitas projeções lineares ou tentativas de criar uma história presuntiva – procurando projetar depois da morte de um autor o que teria feito ou pensado se ainda vivesse noutro tempo. Urge compreender e explicar – afirma o historiador. Leia-se, por isso, com atenção a perspetiva orgânica de “As Eleições” (1878), num momento em o autor procurou pensar em coerência com o socialismo que preconizava, do mesmo modo que o “cesarismo” tem de ser visto no âmbito de um pensamento crítico complexo. Não são os textos circunstanciais que explicam essa perspetiva, mas sim a História da República Romana (1885), escrita a pensar na tentativa de salvamento da República, através de uma solução provisória e dúbia, entre a imitação da realeza e o simulacro republicano. E sobre as virtudes do pensamento crítico, Antero fala do ceticismo – “em que tudo tem de se dissolver provisoriamente”. Não devemos, porém, cometer anacronismo na consideração do pensamento político. Como aconteceu, no célebre diálogo com Alexandre Herculano, o velho mestre insiste em que é liberal mas não democrata. E o jovem responde que não pode haver liberdade sem igualdade, nem igualdade sem liberdade. Não falamos, no entanto, da democracia na aceção atual, e recordamos a experiência nas minas de Santa Eufémia em Espanha, lembrada por Eloy Fernandez Clemente, onde descobrimos a relação humana com os operários, a preocupação com as suas condições sociais e económicas e com a educação dos seus filhos. E é aí que se nota, nas diferenças, uma evidente coerência.

 

Guilherme d'Oliveira Martins
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