Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Honoré de Balzac

 

 

 

 

"Il y a deux histoires: l´histoire officielle, menteuse,
puis l´histoire secrète, òu sont les véritables causes
des événements."

H.B.

 

 

 

 

 

 

 


Eugénie Grandet é tido como o primeiro grande romance de Honoré de Balzac, escrito em 1833 e publicado em forma de livro em 1834, pela editora de Madame Charles-Béchet.

 

Na revisitação a Balzac encontrámos neste livro um desfecho que engana a curiosidade ainda que, quem sabe, se assim não são todos os desfechos.

 

Aqui Eugénie é talhada do puro granito e no entanto, matéria dúctil, matéria transitória, forte como o homem e delicada como um anjo. Eugénie Grandet afinal lançada à tempestade das realidades do mundo, durante um transporte em que se supunha apoiada no braço de seu pai, desce as escadas inexistentes da sua segurança e cai num mar onde para sempre ficará ignorada.

 

“Tal é a história dessa mulher, alheia ao mundo no meio do mundo; e que, feita para ser uma excelente esposa e mãe, não tem marido, nem filhos, nem família.”

 

Eugénie é filha de um rico e avarento vinhateiro, que passara dificuldades antes de iniciar a sua fortuna com auxílio da herança da sua esposa. Para se apossarem da fortuna de Eugénie, muitos são os que disputam a sua mão, visando apenas o seu dinheiro. Charles Grandet, seu pai, fá-la sofrer jogando ele próprio o futuro da filha sem qualquer compreensão pelos seus sentires, e, confinando-a mesmo ao seu quarto quando se apercebe que ela nutre amores por alguém sem a conveniente estatura de dinheiros que enriqueceria duas famílias numa só.

 

Grandet é muito avarento, e ele e a sua família vivem numa velha casa em condições precárias.

E diz Balzac:

Os avarentos não acreditam numa vida futura, o presente é tudo para eles. Esta reflexão joga uma horrível clareza sobre a época atual em que, mais que em qualquer outro tempo, o dinheiro domina as leis, a política e os costumes. Instituições, livros, homens e doutrinas, tudo conspiram contra a crença numa vida futura, sobre a qual o edifício social se apoia há mil e oitocentos anos. Atualmente, a sepultura é uma transição pouco temida. O amanhã que nos esperava além do Requiem foi transportado para o presente. Chegar por todos os meios ao paraíso terrestre do luxo e das vaidosas alegrias, petrificar o coração e macerar o corpo em busca de bens passageiros como outrora se suportava o martírio em busca dos bens eternos, eis o pensamento geral. Pensamento que, aliás, está escrito em toda parte, até nas leis, que perguntam ao legislador: "Que pagas?" em vez de indagar: "Que pensas?"

 

Este romance da série La Comédie Humaine alcançou êxito excepcional. Dostoiévski traduziu a obra para o russo em 1843. Émile Zola considerou Balzac o naturalista que via o mundo através de um vidro transparente. Eça de Queirós, admirava a Comédie tanto quanto Camilo Castelo Branco. Aliás Camilo escreveu um conjunto de oito narrativas a que deu o nome de Novelas do Minho, influenciado por Balzac. Flaubert que o criticara severamente não lhe despegava a atenção. O romancista norte-americano Henry James escreveu vários ensaios elogiando o "Grande Balzac”, e muitos foram os que Balzac marcou pela capacidade da sua escrita, reveladora de um espírito de unidade que marcou o seu significado.

 

De notar que não há espaço para uma visão romanceada do mundo nesta obra Eugénie Grandet já que ela nunca nega a existência da sinceridade dos sentimentos nem se afunda num pessimismo de exageros. Na nossa modesta opinião, Balzac pretendeu fundir no romance a omnipotência oculta de quem à margem da sociedade nela vivia e porventura por aqui Montecristos, Fantasmas da Ópera.

 

Neste romance a que nos referimos, sentimos que a era da multidão anónima ainda não começara. A grande curiosidade de Balzac surge na incubadora da grande cidade e esta será a sua Musa, aquela que promete um mistério enganando a curiosidade como mencionámos no início deste texto. A mulher, na sua obra, é em si uma solidão divina que acode às cabras e aos gatos nascidos nos porões dos navios por onde clandestinamente viaja. De si mesma, da sua pureza, um terceiro salvamento só lhe pode ser dado pelo leitor, capataz que a sente em generosas contradições ainda na vida de hoje.

 

"Il y a deux histoires: l´histoire officielle, menteuse, puis l´histoire secrète, òu sont les véritables causes des événements."
H.B.

 

Teresa Bracinha Vieira
Junho 2016