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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICA DA CULTURA

OS PÓS- HUMANOS E OS HUMANOS

  


A proposta de que já nos tornámos pós-humanos, enquadra-se no pensar e no atuar, de quem solta a gaiola em cada um de nós e assim nos caça.


De facto, até se tornou conveniente para quem só visa subordinar o humano, esmagar os direitos universais por inaplicáveis ao não humano.


Para as correntes políticas e académicas que afirmam que já só se vive o pós-humano, nem sequer é necessário falar no humano, já que o pós-humano é e já está, aqui e agora, esgotadas que estão as diferenças, para eles, entre humanos e máquinas.


É conveniente à força da gaiola que, um estalar de dedos, baste à sujeição da não-queixa do engaiolado humano, e é igualmente conveniente que este sinta que a sua liberdade anterior, era um erro tremendo, incompatível à realidade à qual se deve submeter.


Porém, no transformar dos sistemas tecnológicos avançados, em algo contra os seres humanos, assumem relevo as direitas e as esquerdas políticas totalitárias, nenhuma delas permitindo que o humano se sente à mesa da natureza e da sua própria humanidade, e as tente entender através da luz da liberdade.


Contudo, a pressa com que se aposta que o homem será apagado, é a mesma que denuncia que sob o peso da gaiola, se encontra ainda a atomização em rede, essa mesma que até a delegação na  I.A. impedirá que escrava seja.


Teresa Bracinha Vieira

OS HUMANOS E OS ANIMAIS

 

II - PERSPETIVAS HIERARQUIZANTES E IGUALITARISMO CÓSMICO

 

1. Aristóteles não nega que o ser humano é um animal, embora racional. Todavia, a partilha de uma natureza animal comum, é insuficiente para que seres humanos e animais tenham igual consideração. Ao defender que o ser humano que era escravo era inferior ao que era livre, também era defensável o direito dos seres humanos dominarem os animais. A própria natureza é na sua essência uma hierarquia em que os que têm menor capacidade de raciocínio existem para servir os que a têm em maior grau. As plantas estão para os animais e estes para o ser humano. Se a natureza nada faz incompleto e em vão, é necessário admitir que tenha criado tudo para o ser humano. Se o imperfeito existe para servir o perfeito, o irracional para servir o racional, o ser humano, como animal racional, pode usar e dispor do que lhe é inferior para seu benefício, passando tal convicção para a civilização e tradição ocidental.

Porém, o apelo de que o humanitarismo inclui o respeito por todos os seres que são parte integrante do mundo natural, foi-se acentuando. Chegando a incluir um sentimento mais amplo de unidade e de amor universal com toda a natureza. Exemplifica-o São Francisco de Assis, que tinha como irmãos e irmãs o sol, a lua, a água, o fogo, o vento, os rios, as colinas, os campos, as rochas, as flores, as árvores, as aves, as cotovias, as borboletas, os coelhos, os patos, as ovelhas, os cavalos, os bois, os burros. No filme de  Franco Zeffirelli, São Francisco de Assis, (Brother Sun, Sister Moon, no original), são patentes sentimentos de amor universal, cantando-se o irmão sol e a irmã lua, as brisas suaves e reparadoras que sopram, as flores que deleitam o nosso olhar, o querer viver-se  como as aves no céu, sendo o seu protagonista tido, para muitos, como louco, por cantar como as aves, seguir as borboletas e olhar as flores.         Sobressaiem cada vez mais, nos nossos dias, preocupações ecológicas, segundo as quais o ser humano não tem (nem lhe foi conferido) um poder absoluto ou uma liberdade para usar e abusar dos seres não humanos, dado que nas relações com a natureza estamos sujeitos a leis biológicas e outras.

 

2. Independentemente de uma defesa sadia de todos os seres indefesos (humanos e não humanos) e haver pessoas que gostam mais de animais que de humanos temos, por um lado, os defensores de que o especismo é o grande adversário a abater, para bem da evolução e progresso civilizacional, ao lado dos que entendem que embora tal perspetiva igualitarista esteja na moda, não têm como exaltante tal igualitarismo, optando pelas perspetivas hierarquizantes, tendo a vida de um animal como um valor relativo e a humana como um valor absoluto. Se bem que aliciante e sedutor, o igualitarismo cósmico e o sofrimento igualitário, no seguimento de pensadores como Peter Singer e Tom Regan, é muito contestada a tese da igualdade de valor das vidas humana e não-humana, desde logo por se entender que quem dá mais valor à vida de um cavalo, de um cão ou de um gato do que à humana, é porque o dono lhe dá esse valor, e não por valer mais que a humana. Enquanto cada humano é um ser único da sua espécie, com um valor intrínseco e irrepetível, um animal é só mais um caso da sua espécie, que nunca sabe que errou, nem porquê, que pode ser abatido por poder ser uma ameaça ou um risco para os humanos e segurança pública (especialmente se de raças perigosas), não o devendo ser por vingança ou por ter culpa. Além de que se é necessário serem os humanos a defender os animais, por estes não terem capacidade de defender os seus direitos, isto parece negar a tese de que a vida humana e animal têm igual valor.

 

3. Como se justifica, então, que na hipótese de haver dois seres em perigo de vida, um humano desconhecido e o nosso cão, haja pessoas que salvem o seu animal, se só viável salvar um? Como explicar este maior afeto e simpatia pelo animal?
É usualmente dada como justificação a crise civilizacional que vivemos, onde primam ideias que duvidam das potencialidades humanas, tendo a nossa raça como malévola, perversa e sem redenção, o humano como um episódio gratuito da evolução, uma filosofia do absurdo, pondo o humanismo em causa, sem que as humanidades nos salvem. Só que, se o ser humano não tem capacidade para o bem que nele existe, como se compreende a contradição entre essa alegada ausência e a capacidade de bem que esses mesmos humanos têm ao defender os animais, dado que são estes que não têm essa capacidade para se defenderem? E se a fome e as guerras mostram o mal que há em nós, por oposição a um alegado pacifismo dos animais, como se justifica que a violência também exista em tantos animais que lutam e se matam entre si, quando não contra e em relação aos humanos? Ou há que distinguir entre animais domésticos de bom caráter e pacíficos e os selvagens de mau caráter e violentos, em paralelismo com os humanos bons, pacíficos e santos e os assassinos, psicopatas e de maus instintos? 

 

4. Aqui chegados, ideologias e sectarismos à parte, parece que o bom senso terá de prevalecer. Não sendo uma causa de direita ou de esquerda, é compreensível que sejamos pelos direitos dos animais, no sentido de serem estimados, não abandonados ou mal tratados, que se sancionem ou criminalizem os seus maus-tratos, o seu uso abusivo e infundado por malvadez, como bodes expiatórios e puro egoísmo humano. Mas respeitá-los e tratá-los bem, não implica abdicarmos de uma hierarquização de valores, entre o que é humano e os outros seres, se e quando na medida do suficiente e necessário. Tendo sempre presente que a dignidade humana é uma espécie de reserva e salvaguarda em qualquer sociedade, protegendo todos os humanos de quaisquer despotismos, dada a inalienabilidade e indisponibilidade de certos direitos, mesmo em relação aos bebés, deficientes ou incapazes, quando confrontados com animais adultos tidos, para alguns, como mais racionais e sensíveis. E se a capacidade de sofrer e sentir pode ser uma razão para ter direitos iguais aos humanos, desde logo, por extensão aos animais, por que não o é, perguntam outros, na mesma extensão e em igualdade de circunstâncias, para os animais terem deveres iguais, a começar pelo dever de pagar impostos? Mesmo quando incidem sobre animais de que são donos, são impostos sempre pagos por humanos, de tendência crescente nas sociedades urbanas e mais desenvolvidas onde, por vezes, a solidão humana é compensada e suprida pela posse de animais. Posse essa que, quando arrebatadora e obsessiva, também pode ser censurável, por manifestar uma atitude de arrogância e superioridade ao priorizar os animais, se em conflito com humanos, tendo-os como coisa sua, em termos absolutos.

 

10.01.2017

Joaquim Miguel De Morgado Patrício