Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Se o combate pela diversidade cultural e linguística não pode ser isolado, porque feito com os que para ele sensibilizados, significa que essa partilha é uma participação em igualdade, que acautele e evite posições de preponderância de um dos parceiros.
É saudável e gratificante cultivar e manter a diversidade linguística, dado que cada língua tem um tipo de relação com a realidade, sendo perigoso e redutor poder apenas contar com uma.
Sendo a língua um bem imaterial, da esfera do conhecimento, difícil de quantificar, o conhecer vários idiomas dá-nos mais probabilidades de encontrar mais e melhor, usando diversas ferramentas para pesquisar a realidade.
Se é verdade que o princípio da igualdade linguística impulsiona, em sentido crescente, o respeito pela variedade cultural e das línguas, de igual modo, em contrapartida, o progresso e a globalização, resultante dessa reciprocidade, estimula uma uniformização cultural e linguística.
Não podemos - consciente ou inconscientemente, por predisposição, inércia, paixão, ausência de amor próprio, provincianismo ou complexo de inferioridade - deixar que a nossa língua seja preterida ou dominada por uma estrangeira, revelando baixa consideração por ela.
O princípio da reciprocidade tem aqui papel primordial, institucionalizando-a em reuniões bilaterais, trilaterais, ou similares, em termos políticos e governamentais, onde cada elite ou poder interveniente faz questão em usar, mediática e publicamente, o seu idioma, dignificando-o num patamar de diversidade e igualdade recíproca, por maioria de razão quando línguas de comunicação global e internacional, como a nossa, nem sempre acarinhada e favorecida, por nós, a esse nível, por quem tem o dever primordial de o fazer, por confronto com terceiros que não ocultam a sua dos ouvidos alheios, nem a têm em baixa estima, muito menos na própria casa.
1. Do tríptico: liberdade, igualdade e fraternidade, é a fraternidade que, sem a referência à transcendência, tem dificuldade em encontrar um fundamento último sólido. Por isso, Francisco escreve: “Como crentes, pensamos que, sem uma abertura ao Pai de todos, não pode haver razões sólidas e estáveis para o apelo à fraternidade. Estamos convencidos de que só com esta consciência de filhos que não são órfãos podemos viver em paz entre nós. Com efeito, a razão, por si só, é capaz de ver a igualdade entre os homens e estabelecer uma convivência cívica entre eles, mas não consegue fundar a fraternidade.”
A própria ética, embora autónoma, terá dificuldade em estabelecer um fundamento inabalável, sem essa abertura à transcendência. De facto, o ser humano é terrivelmente carente e, por isso, irracionalmente egoísta e está sempre sob o perigo de ser subrepticiamente assaltado pela pergunta: porque é que hei-de fazer o bem e cuidar do outro em necessidade mesmo quando isso agride os meus interesses e me prejudica? Neste contexto, Francisco continua, derrubando a acusação feita por católicos conservadores de fomentar o relativismo: “Quero lembrar um texto memorável de João Paulo II: ‘Se não existe uma verdade transcendente, na obediência à qual o homem adquire a sua plena identidade, então não há qualquer princípio seguro que garanta relações justas entre os homens. Com efeito, o seu interesse de classe, de grupo, de nação contrapõe-nos inevitavelmente uns aos outros. Se não se reconhece a verdade transcendente, triunfa a força do poder, e cada um tende a aproveitar-se ao máximo dos meios à sua disposição para impor o próprio interesse ou opinião, sem atender aos direitos do outro. A raiz do totalitarismo moderno deve ser individuada na negação da transcendente dignidade da pessoa humana, imagem visível de Deus invisível, e precisamente por isso, pela sua própria natureza, sujeito de direitos que ninguém pode violar: indivíduo, grupo, classe, nação ou Estado. Nem tampouco o pode fazer a maioria de um corpo social lançando-se contra a minoria.”
2. A maior parte da Humanidade continua a afirmar-se religiosa. Francisco está convicto — por isso, confia e espera — de que as religiões todas, de acordo com a sua essência e razão de ser, levarão à prática, por palavras e obras, o que constitui o fundamento e o mandamento principal de todas elas: o amor, a misericórdia, a paz, a fraternidade. Por isso, acrescenta: “Como crentes das diversas religiões sabemos que tornar Deus presente é um bem para as nossas sociedades.” Daí, a exigência da liberdade religiosa: “Conheceis bem a brutalidade a que pode conduzir a privação da liberdade de consciência e da liberdade religiosa, e como desta ferida se gera uma Humanidade radicalmente empobrecida, porque fica privada de esperança e de ideais”. Quando se expulsa Deus da sociedade, “acaba-se adorando ídolos e bem depressa o próprio homem se sente perdido, a sua dignidade é espezinhada, os seus direitos violados”.
O cristianismo e o islão juntos somam mais de metade da Humanidade, e Francisco confessa que, para esta encíclica, recebeu estímulo do “Documento sobre a fraternidade humana”, assinado por ele e pelo Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb em Abu Dhabi em 2019, no qual se recorda que Deus “criou todos os seres humanos iguais nos direitos, nos deveres e na dignidade e chamou-os a conviver como irmãos.”
Dirige-se a todos, não só aos crentes. Aliás, há ateus que vivem mais de acordo com a vontade de Deus do que alguns crentes: “Quando chegar o último dia e houver luz suficiente na terra para poder ver as coisas como são, não faltarão surpresas!”
3. E a inevitável pergunta sobre a violência e a opressão brutais exercidas ao longo dos séculos pelas religiões, de que o exemplo mais recente é a morte de Samuel Paty, professor francês, degolado em nome de Alá, por defender a liberdade de pensamento e de expressão? Como resposta, penso que há dois princípios imprescindíveis, irrenunciáveis.
3.1. Quem é a pessoa religiosa, crente? Aquele, aquela que, perante as perguntas religioso-metafísicas, inevitáveis: qual é o Fundamento último de tudo, qual é o Sentido final da minha existência, da História, do mundo, ousa entregar-se confiadamente ao Sagrado, ao Mistério último, ao Absoluto, a que também se dá o nome de Deus, do qual espera Sentido último e salvação. As religiões, essas, são tentativas de dizer e tornar presente o Mistério, o Absoluto, mas elas não são o Absoluto. Por isso, como escreveu Kant, as religiões, apesar da sua majestade, não são imunes à crítica. Pelo contrário, já que nelas há de tudo: o melhor e o pior.
Este princípio tem uma aplicação concreta, essencial: os Livros sagrados não são ditados de Deus, são Palavra de Deus em palavras humanas. Por isso, exigem interpretação histórico-crítica, sendo critério decisivo da sua verdade a ética, a defesa da dignidade de todos, a promoção da fraternidade universal e da paz.
3.2. Para garantir a liberdade religiosa de todos — ter esta ou aquela religião, não ter nenhuma, mudar de religião —, exige-se a separação da religião e da política, o Estado tem de ser confessionalmente neutro, não podendo ter uma religião oficial. É o princípio da laicidade, que não laicismo — este seria a religião da não religião, ao pretender remetê-la exclusivamente para o domínio da esfera privada ou íntima, ignorando que a religião também tem lugar no espaço público.
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado no DN | 31 OUT 2020
Temos, por um lado, o princípio da igualdade, um direito individual e essencial do ser humano, que diz respeito a cada pessoa enquanto ente físico e espiritual.
Em matéria de dignidade e em direitos, não há seres humanos diferentes por natureza e em espécie.
Todos os seres humanos são iguais, razão pela qual têm o dever, intrínseco à sua própria condição, de respeitar e tratar os outros por igual, independentemente das suas diferenças físicas, psíquicas, religiosas, sociais ou outras que os separem.
Temos, por outro lado, o poder.
O poder é afrodisíaco, fazendo vir à superfície, se ilimitado ou não escrutinado, o que temos de pior.
Porque não há poder sem autoridade, sendo o exercício coativo de uma tutela sobre alguém.
Todavia, na prática e no nosso dia a dia, temos de aceitar que existam, por razões organizacionais, de bem-estar e de segurança, seres humanos que assumam e exerçam funções de autoridade e de orientação de outros.
Justifica-se, assim, que o princípio da igualdade se tem de afirmar como sendo um limite inequívoco ao exercício abusivo do poder ou com caraterísticas discriminatórias. Daqui decorre que é com este sentido de limitação do exercício do poder que também deve ser entendido o princípio da igualdade.
No antigo convento de agostinianos, fundado em 1633, velho casarão conventual adaptado ao Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, já extinto, e esperando melhores dias, foi inaugurada, a 7 de setembro de 2018, a exposição “Livres e Iguais”, organizada pela Secretaria-Geral do Ministério da Justiça, no âmbito das comemorações do 70.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e dos 40 anos da adesão de Portugal à Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH).
Num espaço limitado e simples, sóbrio em custos e meios, claro na mensagem e fim, ocupando o antigo átrio do Tribunal da Boa Hora, expõe-se o acervo composto por painéis explicativos e declarativos de normas e princípios consagrados na DUDH e CEDH, por entre trabalhos de vários fotógrafos portugueses, documentos e obras alusivos ao tema dos Direitos Humanos, adesão de Portugal ao Conselho da Europa e à ratificação da CEDH.
São enfatizados o direito à igualdade (art.º 1.º da DUDH), à não discriminação (art.º 2.º), à vida (art.º 3.º), à proibição da escravatura (art.º 4.º), proibição da tortura (art.º 5.º), ao reconhecimento da personalidade jurídica (art.º 6.º), proibição da detenção e exílio arbitrários (art.º 9.º), proibição da retroatividade da lei penal (art.º 11.º), igualdade no casamento e sua dissolução (art.º 16.º), liberdade de consciência e religião (art.º 18.º), liberdade de expressão (art.º 19.º), direito a condições de trabalho justas (art.º 23.º), ao repouso e lazer (art.º 24.º), das mães e crianças a proteção especiais (art.º 25.º), à educação (art.º 26.º) e de participar na vida cultural (art.º 27.º).
Das obras expostas, destaco pela atualidade, “Portugal no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Jurisprudência Selecionada”, da Procuradoria-Geral da República, editada pela Imprensa Nacional Casa da Moeda, a que acresce, surpreendentemente, numa atitude não usual, uma plêiade de livros de aquisição gratuita sobre a temática dos direitos humanos patrocinados, na sua maioria, pelas Nações Unidas.
Instrutivos e às dezenas, por entre compilações de instrumentos internacionais, sobressaem Não Às Crianças Soldados! (da coligação para pôr fim à utilização das crianças soldados), instituições nacionais para a promoção e proteção dos direitos humanos, procedimentos e queixas, direitos das crianças, detenção arbitrária, direitos das minorias, discriminação contra as mulheres, formas contemporâneas de escravatura, o direito a uma habitação condigna, os direitos dos trabalhadores migrantes, o comité contra a tortura, dos direitos económicos, sociais e culturais, racismo, discriminação, xenofobia e intolerância conexa, carta internacional dos direitos humanos, regras internacionais de direitos humanos para aplicação da lei, inclusive para agentes policiais.
Sem esquecer que em 10.12.1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) aprovou e proclamou DUDH, positivando-a através de normas também consagradas e especificadas no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e no Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, merecendo ainda referência a CEDH e o Tribunal Penal Internacional.
Tidos como universais (de todo o ser humano), pessoais (intransmissíveis), permanentes (só pela morte se extinguem), indisponíveis (inalienáveis), iguais (nenhum se sobrepõe aos demais), interdependentes (o gozo de um afeta os restantes), imprescritíveis, intemporais e imutáveis, têm a dignidade da pessoa humana como núcleo central inviolável, antepondo-se e impondo-se a qualquer poder.
Transcreve a exposição, e bem, a Resolução n.º 32/130, de 16.12.1977, da AGNU, segundo a qual “todos os direitos humanos e liberdades fundamentais são indivisíveis e interdependentes. A realização plena dos direitos civis e políticos sem gozo dos direitos económicos, sociais e culturais é impossível”.
O que poderia possibilitar a abordagem dos direitos humanos de primeira e segunda geração, de abstenção e realização estadual (já não falando nos de terceira e quarta geração), sem prejuízo da ambivalência direitos/deveres, embora se compreenda a necessidade de estabelecer prioridades, gerindo recursos limitados, em conjugação com a comemoração em causa e o grande público como destinatário, por maioria de razão neste tempo que vivemos, em que não devem primar pela ausência iniciativas desta natureza.
A visitar, todos os dias úteis, das 10 às 17 horas, até finais de janeiro de 2019.