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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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TRINTA CLÁSSICOS DAS LETRAS

 

"A ILÍADA" E "ODISSEIA" DE HOMERO (XIII)

 

“A Ilíada” e a “Odisseia”, atribuídas a Homero (século VIII a. C.), são as duas obras maiores da cultura greco-latina, marcando decisivamente as tradições mediterrânicas, a ponto de, segundo a lenda, Lisboa ter sido fundada por Ulisses. “A Ilíada” tem origem na tradição oral da época micênica cantada pelos aedos. Tais versos foram compilados numa versão escrita no século VI a. C. em Atenas. O poema foi então dividido em 24 cantos, divisão que persiste até hoje, correspondendo cada canto a uma letra do alfabeto grego, segundo o método usado pelos estudiosos da Biblioteca de Alexandria. O poema passa-se no décimo ano da guerra de Troia e refere-se à ira de Aquiles causada por uma disputa com Agamémnon, comandante dos exércitos gregos, e consumada na trágica morte do herói troiano Heitor, culminando no seu funeral. Este episódio é fundamental na cultura helénica, por se referir ao combate entre alguém da estirpe dos deuses, Aquiles, filho de Tétis, parcialmente vulnerável, e um homem, cujas qualidades heroicas não oferecem dúvida. Homero refere-se a mitos e acontecimentos prévios à guerra, mas esta não é contada na íntegra. O conhecimento da mitologia grega acerca de Troia é, pois, essencial para a compreensão da obra. A Guerra de Troia ocorre quando os aqueus atacaram a cidade de Troia, procurando vingar o rapto de Helena, mulher de Menelau, rei de Esparta, irmão de Agamémnon. Antepassados dos gregos, os aqueus representam no poema épico a origem mítica e histórica de uma civilização plural, enaltecida no poema. A mulher mais bela do mundo era Helena, filha de Zeus e de Leda. Estava casada com Tíndaro, rei de Esparta. Helena possuía diversos pretendentes, entre os quais os maiores heróis da Grécia. Tíndaro, seu pai adotivo, hesitava em tomar uma decisão, mas finalmente um dos pretendentes, Ulisses, rei de Ítaca, resolveu o impasse propondo que todos jurassem proteger Helena e a sua escolha, qualquer que ela fosse. Helena casou-se então com Menelau. A guerra inicia-se quando Páris, filho de Príamo, rei de Troia, vai a Esparta em missão diplomática, e apaixona-se por Helena, raptando-a e levando-a para Troia, o que naturalmente enfurece Menelau, que apela aos antigos pretendentes, em nome do juramento feito. Agamémnon então assume o comando de um exército de mil barcos e atravessa o mar Egeu para atacar Troia. As naus gregas desembarcaram na praia próxima de Troia e iniciaram um cerco que duraria dez anos, custando a vida a muitos heróis, de ambos os lados. Finalmente, seguindo o célebre estratagema proposto por Ulisses, através da suposta oferta do Cavalo pelos deuses, os gregos conseguem invadir a cidade governada por Príamo e terminam a guerra, vencendo-a. A «Odisseia» é também um poema elaborado ao longo de séculos pela tradição oral dos aedos, tendo sido fixada por escrito, provavelmente no fim do século VIII a.C.. Quase todas as edições e traduções modernas da «Odisseia» são divididas em 24 livros. O poema inicia-se dez anos após o fim da Guerra de Troia. Telémaco, filho de Ulisses, tem 20 anos e procede na ilha de Ítaca à partilha da casa de seu pai ausente, com sua mãe e uma multidão de desonestos pretendentes, que querem persuadir Penélope de que seu marido está morto, e que ela deve casar-se com um deles. O enredo de “Odisseia” tem a ver com o relato da viagem de regresso do herói de Troia para Ítaca. É uma descrição iniciática, na qual Ulisses viaja pelo mundo dos vivos e dos mortos. Passa pela terra dos Cícones, visita os comedores de Lótus, é capturado pelo ciclope Polifemo, consegue fugir após cegá-lo com uma ponta afiada de madeira, é recebido por Éolo, senhor dos ventos, que lhe oferece um saco de couro contendo todos os ventos (salvo o de oeste), que deveria garantir a viagem para casa em segurança… Porém, roídos pela curiosidade os marinheiros abriram o saco enquanto Ulisses dormia, pensando que se tratava de ouro; e deixaram escapar todos os ventos, gerando uma tempestade que afastou os navios de Ítaca… Os conselhos de Circe, a passagem pela ilha das sereias, Cila e Caríbdis, o trágico abate do gado do deus-sol e o naufrágio que se segue, os sete anos na ilha de Calipso – tudo culmina no regresso e no ajuste de contas final de Ulisses, símbolo da paixão temperada pela medida.

 

Agostinho de Morais

A Denúncia do Simulacro

  


(in Jornal Euronotícias 29.01.01) 

A todos deveria ser garantido o direito ao Ser e à sua transmissão por vida ou por morte.

Eis uma tarefa que não deveria carecer de afirmação e que, contudo, tem a função de se opor à fácil digestão de tudo o que nos rodeia, enquanto ordem do dia. Ao longo da História, sempre a desengonçada praga de seres fictícios infetou as fontes de energia dos humanos que reivindicavam em silêncio ou não, a capacidade de se surpreenderem e interrogarem face à profundidade dos mundos. Hoje, impõe-se a obnubilação a quem se aventure, insistindo-se em designar o que não deve ser olhado, interditando a espessura do mundo e dos seres. Acredito não ser desprovido de sentido, os inúmeros elucidários de como elaborar documentos sem interesse geral ou particular, bem como a forma que devem revestir as procurações de mando, os requerimentos não especificados mas que se destinem a averbar o foro do Ser, não esquecendo todas as necessidades de consultar as formalidades após falecimentos e demais assuntos.

A tentativa de fratura da pedra filosofal a tudo obriga.

Acresce que há que reduzir ao mínimo custo de manutenção, este estado de coisas, já que a tarefa da uniformização da sensibilidade existente, teve o seu preço ainda que realizasse e concretizasse o titanismo estereotipado. Assim, glorificam-se como símbolos da dignidade os excelsos na arte de ludibriar.

Universidades, laboratórios, empresas e famílias, muitas delas, formam hoje uma casta de avanços infinitesimais que elevam o “saber” que produzem a um estranho nevoeiro capaz, muitas vezes, de ensombrar o Conhecimento que desde Aristóteles constituiu o saber humano. Incapazes de ver para além do estreito círculo de pequenos achados inúteis, gentes liliputianas, pululam ligadas a redes de troca do esquecer do Ser, exalando ácidos suores que impedem os Homens de clonar a esperança.

Agrava-se a vida em penar, a quem quer que tente perceber o mundo interior da absurdidade para que se deixe de doar parcelas de equívoco que simulam o Todo: de ato mais totalitário, desconheço melhor exemplo.

 Esquecem ou desconhecem, os radares deste absurdo exército, quais os diferentes pontos de escuta e a qualidade dos mesmos, razão pela qual e por via de escassas dúvidas, esta teia, nos seus interstícios, tem por objetivo agredir cegamente a própria identidade dos seres, retirando-lhes as raízes, sem as quais o mendigar é certo e donde a liberdade se encontra excluída. Aguçada a insânia face ao sucesso do mercado, torna-se urgente reagir aos protagonistas destes tempos e destes horizontes.

Ninguém desejará sobreviver preso ao mundo que lhe resta, ao qual se lhe pode subsumir o nome de “écran-circo-simulado-de contrato-social.”

Não se descuide, todavia, que o Homem solitário, sofrido e lúcido, não é mero espectador do irrisório mas trágico espetáculo que não traz à cena. Este Homem solitário é em Si um universo separado do destino do restante universo a que se opõe. Este Homem solitário acredita que o Estado se mantém também graças ao medo.

Este Homem solitário é avassalador face à máquina central: enfrenta-a para dar resposta à sua própria exigência; cumpre sem preço e sem dono o seu próprio íntimo. Este Homem solitário é atento à comunidade e aos desígnios com que a desejam confundir, sobretudo quando por subtis trejeitos se vai entendendo ser um “robot” mais valioso do que uma multidão tão cedo desta vida descontente.

 

Vive-se o plexo da anulação das vidas, da desflorestação das ideias, desdenhando-se os dias anteriores e posteriores à transgressão, ainda que esta, por saberes indizíveis, condenada a não ter preço como a poesia. É o desejo de nenhuma insurreição enfim possível! Que o cimento oculte o brilho! Não descuido, devo dizer, que também faz parte integrante de um processo que inculca a meta-mercadoria, a supressão da magia da infância em cada um de nós, exatamente aquela que leva o espírito ao desassossego do porquê, aquela cujo propósito era distinguir sabores e dá-los a experimentar...

Resta a palavra e a atitude; a denúncia do simulacro.

Creio que sempre germinará uma força sagrada face aos que só dispõem de aparência de vida; face aos diminutos por excelência que para si demarcam os limites do universo e, quando já se não olha em volta, quando não se medem consequências ou, em cegueiras de poder incontidas, se não cuide que os seres enfrentam riscos insanáveis, doenças irremediáveis, ouro esverdinhado, então que alguém lembre:

 

“Vai, voa, Sonho pernicioso (...) E o Sonho partiu após estas palavras”.  


ILÍADA

Teresa Bracinha Vieira