“O MUNDO DERRUBADO” - Referências dramatúrgicas na exposição da Fundação Calouste Gulbenkian
A Fundação Calouste Gulbenkian organizou um relevante ciclo de atividades evocativas da participação de Portugal na guerra de 1914-18, numa perspetiva histórica, cultural e literária que prolonga e completa a importante exposição simbolicamente denominada “Tudo se Desmorona - Impactos Culturais da Grande Guerra em Portugal”. Trata-se de notabilíssima mostra de documentos e textos evocativos da intervenção de Portugal, numa análise historiográfica da sociedade e da politica da época, mas também da expressão cultural subjacente - e tão relevante ela foi e é!..
“O Mundo Derrubado” é identificado como o «Jornal da Exposição». Nos textos que o preenchem fazemos aqui referências a aspetos especificamente ligados à dramaturgia e à produção teatral portuguesa no contexto da intervenção de Portugal na Guerra.
E desde logo se salienta o que pode parecer algo paradoxal, a saber, a evocação da guerra no teatro de revista. O tema é abordado por Carlos Silveira, na perspetiva da criação artística em si mesma - textos, espetáculos, atores, autores - mas também na temática política, e ainda em variadíssimos aspetos pessoais da intervenção na guerra.
Citam-se aí diversas revistas da chamada «Parceria», tríade de autores que, durante anos, dominaram em Portugal o teatro ligeiro, a saber, Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e João Bastos.
Bermudes definiu deste modo a estrutura das revistas:
1º ato - Quadro de Abertura, estruturado em fantasia; quadro de comédia; quadro de rua, com as atualidades; apoteose.
2º ato - Dois quadros de variedades, números com cenários próprios e apoteose…
Damos um exemplo extraído da revista «O Novo Mundo» (1916), da Parceria, citado por Luís Francisco Rebello, na sua “História do Teatro de Revista em Portugal” (ed. D.Quixote 1984):
«Meus amigos, esta vida / Pra quem lida / A moirejar cá na roça / É uma grande subida / Que se leva de vencida / Como quem puxa a carroça. / Quando a gente desanima / E a coisa vai parar / Ai ó! / Então adeus ó vindima! / Se não vem chicote acima / Somos uns homens ao mar»
Na publicação da Fundação Calouste Gulbenkian acima citada, Carlos Silveira refere que os autores da Parceria “intuíram lucidamente os impactos do conflito nas camadas populares. São vários os fados de assunto social que animam estes quadros”. E salienta a temática política na época dominante nos anos seguintes à guerra, especificando os teatros onde as peças foram representadas:
«Em “Adão e Eva” de Jaime Cortesão (Teatro do Ginásio,1921) estreado dois meses depois de “Zilda” (de Alfredo Cortez) o protagonista Marcos é um revolucionário idealista que sacrifica o amor à família pela causa da revolução. (…) Em “A Casaca Encarnada” (Teatro Politeama, 1922) anunciada por um cartaz de Almada Negreiros, Vitoriano Braga reproduz o ambiente de promiscuidade e moralidade duvidosa entre o mundo empresarial e a vida desregrada dos clubes noturnos. (…) Ramada Curto, um dos dramaturgos mais representados no período entre guerras, levou à cena drama de conteúdo semelhante, “O Caso do Dia” (Companhia Rey Colaço - Robles Monteiro, 1926)».
E termina-se esta remissão com a transcrição do comentário que Raul Brandão faz em “Vale de Josafat” (1933), citado na publicação que aqui referimos: «Os teatros transbordam. O dinheiro perdeu o valor (1921-1922). Todos caminhamos com febre - a febre de quem não confia no dia de amanhã»
DUARTE IVO CRUZ