CRÓNICAS PLURICULTURAIS
71. BURACOS NEGROS
O BURACO NEGRO E A INCERTEZA
Três cientistas, dois homens e uma mulher, foram laureados com o prémio Nobel da Física de 2020, por provarem que os buracos negros existem.
Um buraco negro é tido como uma estrela morta, pode resultar do colapso de uma estrela maior que o sol, formando no espaço uma região tão compacta, que um corpo, lá caído, não tem modo de escapar do seu interior.
É uma superfície fechada aprisionada, sem retorno e sem luz, onde o espaço e o tempo ficam deformados, em que o tempo, como o conhecemos, para, não sendo suficientemente explicável pela teoria geral da relatividade de Einstein.
Para um observador, observando-o do exterior, um buraco é visto como negro porque nenhuma luz emite, nem a luz (a havê-la) consegue fugir do seu interior.
Há, por um lado, a sua singularidade interior desconhecida e, por outro, a sua observação exterior.
Se tem peso e ocupa espaço, é matéria, mas se nele o tempo cessa e não emite luz, provou-se que provoca efeitos, concluindo-se que no centro da Via Láctea há um buraco negro supermaciço, de quatro milhões de sóis, totalmente escuro e compacto, causa de incertezas: á volta do qual orbitam estrelas? Alimentando-as e produzindo matéria para produzir outros planetas, estrelas e galáxias? Transformando-as numa necrópole de estrelas mortas? Estrelas que morrem e não vão conseguir dar matéria para originarem outras estrelas, planetas e galáxias, gerando a morte fria do universo?
Presume-se que todas as galáxias têm um buraco negro no meio, girando tudo à volta do centro, como um carrossel cósmico.
A natureza está cheia de segredos escondidos, que escapam ao nosso modelo-padrão, à quantidade restrita de elementos que descrevemos e percecionamos.
Sabe-se que a colisão entre dois buracos negros maciços gerou a primeira prova de ondas gravitacionais, hoje tido como um fenómeno normal do universo.
Não podermos ter o prejulgamento ou a arrogância de que já conhecemos a história toda. De que apenas precisamos de confirmar a nossa, esta ou aquela teoria. Há tantas teorias que eram tidas como brilhantes, mas não confirmadas factualmente. Há que mudar de atitude, tendo presente que há um longo percurso entre o conhecimento e a experiência, entre a probabilidade de grandes descobertas e a garantia de que estejam garantidas.
A ciência pode investigar a natureza, mas é impossível tentar tornar compreensível o infinito.
Porque somos finitos e o infinito, por natureza, nos escapa.
Aceitando a incompletude, é assumir a incerteza que nos rodeia e a imperfeição que somos, sabendo antecipadamente que é humanamente utópico aceder a um saber completo quando olhamos para a terra e o céu.
Sabemos que o buraco e a sua matéria negra existem, que são necessários, mas desconhecemos a sua composição, inexistindo no modelo-padrão qualquer partícula que os possa descrever.
O QUADRADO NEGRO DE MALEVITCH
Em O Quadrado Negro sobre Fundo Branco (1913), de Malevitch, o branco e o negro, como cores, personificam a Terra no Universo, falando da vida e da morte, da luz e das trevas, esvoaçando o quadrado negro no espaço, não sujeito à força da gravidade, sinal de um cosmos ordenado ou de um buraco negro para o interior do qual foi sugada toda a matéria. E se é do branco que nascem as formas, o negro é um nada que representa o mundo inteiro, sendo do nada libertado, que vão nascer coisas. Também a linguagem artística, como expressão metafórica, quer ir mais além e ultrapassar toda a arte conhecida, num gradual avanço e permanente incerteza (ver texto nosso, neste blogue, As Artes e o Processo Criativo, VI - O Quadrado Negro de Malevitch).
Qualquer coisa imanente da natureza, da realidade, surge na representação figurativa deste Quadrado Negro sobre Fundo Branco, em paralelo com o/s buraco/s negro/s, numa antecipação metafórica da arte das descobertas atuais.
Se a incerteza e a imperfeição são claramente elementos da nossa substância, também o é a nossa debilidade, como o exemplifica a covid 19, um vírus que pode destruir qualquer pessoa na sua vida plena.
E se nós, humanos, somos frágeis e mortais, numa escala temporal de 80 a 90 ou 100 anos, planetas, estrelas, galáxias e buracos negros aparentam-se frágeis e podem desaparecer numa escala de milhares ou milhões de anos, indiciando-se partilharmos a mesma substância e mortalidade.
23.04.2021
Joaquim Miguel de Morgado Patrício