Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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Francisco Velasco de Gouveia (1580-1659) foi um eminente legista defensor da causa da independência de Portugal em 1640 – autor de «Justa aclamação do sereníssimo rei de Portugal D João IV: Tratado analítico dividido em três partes: Ordenado e divulgado em nome do mesmo reino, em justificação de suas ações, Lisboa, 1644» - repositório fundamental na defesa da Restauração da Independência.
RESTAURAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA O mais antigo feriado nacional decretado pela República em 1910 foi o Primeiro de Dezembro, como Dia da Bandeira. Tratou-se do reconhecimento de um momento fundamental da História portuguesa. A Restauração da Independência de Portugal correspondeu a uma reação direta à tentativa de Filipe III (IV de Espanha) e do Conde Duque de Olivares de centralização e unificação dos reinos ibéricos. Estava em causa o desrespeito das condições definidas nas Cortes de Tomar (de 1581). Se Portugal nunca perdeu a soberania formal, o certo é que, como Francisco Rodrigues Lobo bem viu, o que havia era uma “Corte na Aldeia”. Os constrangimentos da guerra dos 30 anos, os efeitos da crise económica, o aumento dos impostos para financiar as forças armadas espanholas, a subalternização política portuguesa, a invasão holandesa do Brasil – tudo isso determinou grande descontentamento e alterações populares em todo o país, como as do Manuelinho em Évora. A reação não se fez esperar e os conjurados apoiaram a causa do Duque de Bragança, D. João, contando com o apoio da França do Cardeal Richelieu e a exigência da mobilização espanhola para a guerra da Catalunha. A Vice-Rainha de Portugal, Margarida de Sabóia, Duquesa de Mântua, bisneta de Isabel de Portugal e de Carlos V de Habsburgo, não resistiu e sairia de Portugal ainda em dezembro de 1640, tendo o Secretário de Estado Miguel de Vasconcelos sido morto e defenestrado pelos conjurados.
O PAPEL DO PADRE ANTÓNIO VIEIRA Depois de 1640, ao lado de D. João IV, o mais célebre dos Conselheiros do novo rei foi o Padre António Vieira (1608-1697), figura ímpar da cultura portuguesa. Foi um visionário, um diplomata, um pregador da Capela Real, um conselheiro avisado, um humanista, um lutador pelo respeito da dignidade de todos, à frente do seu tempo, e um artífice, como houve muito poucos, da palavra dita e escrita. O império vinha-se esboroando, num processo longo que vinha do último quartel do século XVI. As riquezas perdiam-se ou dissipavam-se, os “fumos da Índia” avolumavam-se, havia divisões profundas. Assim se delineou uma estratégia, segundo a qual seria necessário compatibilizar o humanismo universalista e uma nova ideia de império. E o Padre António Vieira retomou então o que os franciscanos espirituais há muito defendiam (na linha do monge calabrês Joaquim de Flora, que falava das Idades do Pai, do Filho e do Espírito Santo). Pode falar-se de audácia e atrevimento, bastando lembrar o poderoso “Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as da Holanda”, dito na Igreja baiana de Nossa Senhora da Ajuda em Maio ou Junho de 1640 (“arrependei-vos misericordioso Deus, enquanto estamos em tempo, ponde em nós os olhos da vossa piedade, ide à mão da vossa irritada justiça, quebre vosso amor as setas da vossa ira, e não permitais tantos danos e tão irreparáveis”). Mas os exemplos multiplicam-se. António Vieira atraiu ódios que juraram pela sua pele, primeiro entre os colonos, depois na corte, entre os invejosos do lugar proeminente que assumiu junto de D. João IV, alvitrando, aconselhando e agindo, e ainda na Inquisição, pela qual foi perseguido, julgado, preso e, por fim, perdoado apenas graças à intercessão papal… Leia-se ainda o Sermão da Dominga Vigésima Segunda depois do Pentecostes (1649), onde, partindo de S. Mateus (“É lícito ou não pagar o imposto a César?”, 22,17), verbera a hipocrisia dos fariseus, ataca o fanatismo cego e sem caridade, e lembra os escrúpulos falsos de Pilatos, sempre a pensar nos inquisidores: “Ó julgadores que caminhais para lá com as almas envoltas em tantos, e tão graves escrúpulos de fazendas, de vidas, de honras, e cuidais cegos, e estúpidos, que essas mãos com que escreveis as tenções e com que firmais as sentenças, se podem lavar com uma pouca de água. Não há água que tenha tal virtude”. Nunca fugiu das dificuldades nem da denúncia dos erros e atropelos, como se vê bem no Sermão do 5º Domingo da Quaresma, dito no Maranhão: “E se as letras deste abecedário se repartissem pelos Estados de Portugal, que letra tocaria ao nosso Maranhão? Não há dúvida que o M. M Maranhão, M murmurar, M motejar, M maldizer, M malsinar, M mexericar, e sobretudo M mentir: mentir com as palavras, mentir com as obras, mentir com os pensamentos, que de todos e por todos os modos aqui se mente…”. O Sermão de Santo António aos Peixes, dito também no Maranhão, da 3ª Dominga da Quaresma, pregado na Capela Real, e do Bom Ladrão, apresentado na Igreja da Misericórdia de Lisboa (Conceição Velha), de 1654 e 1655, são bem ilustrativos da coragem acusatória de Vieira contra abusos e injustiças: “Encomendou el-Rei D. João o Terceiro a S. Francisco Xavier o informasse do estado da Índia, por via de seu companheiro, que era mestre do Príncipe; e o que o santo escreveu de lá, sem nomear ofícios, nem pessoas, foi que o verbo rapio na Índia se conjugava em todos dos modos…”.
OS EFEITOS DA GUERRA DOS TRINTA ANOS Com a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) a finar-se, havia que preparar um alinhamento que permitisse uma presença segura na nova balança europeia. E a justificação espiritual (que a Inquisição considerou heresia) poderia abrir novos horizontes, sobretudo através da criação de bases sólidas no Brasil e na Índia. Assim, o Quinto Império não era um sonho desligado da realidade nem uma ilusão centrada no território da loucura, era a tentativa de regresso à epopeia de quinhentos, com um repensamento estratégico que tirasse lições dos erros cometidos. Assim foi concebida a “História do Futuro”, antecipada pelo Sermão dos Bons Anos (1.1.1642), onde as Escrituras, as profecias de S. Frei Gil de Santarém e as “Trovas” do Bandarra levaram-no a transferir o mito do Desejado de um rei morto em Alcácer-Quibir (Sebastião) para um rei vivo (João, ali presente na Capela Real). Seria nesse império que se reuniriam todos os povos sob a égide do Vigário de Cristo e sob um mesmo governo temporal do Rei de Portugal… A obra de Velasco de Gouveia reúne os argumentos fundamentais para defesa da causa do Duque de Bragança D. João, invocando conclusões que viriam a ser consideradas apócrifas das Cortes de Lamego, onde se consideraria que «a filha fêmea de el-Rei que casasse com príncipe estrangeiro, que não fosse português, não pudesse herdar nem suceder nele para que assim nunca o reino saísse fora das mãos dos Portugueses nem reinasse nele pessoa que o não fosse».
Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença
“Flores de España, Excelência de Portugal” (1631) e “Ulissipo - Poema Heroico” (1640) de António de Sousa de Macedo são duas obras em que o seu autor enaltece as virtualidades de Lisboa e dos portugueses nas vésperas da Restauração da Independência. No entanto, a celebridade do autor não se ficou a dever a talento literário, mas sim ao modo como defendeu a legitimidade do rei João IV e da independência de Portugal.
UM POLÍTICO INFLUENTE
O Doutor António de Sousa de Macedo (1606-1682) que dá o nome ao largo em que se inicia em Lisboa a Calçada do Combro está longe de ser um desconhecido. É verdade que não foi a literatura que o celebrizou e que “Ulissipo – Poema Heroico” (1640) é uma obra mitológica sua que hoje quase passa despercebida. Não foi assim como poeta ou escritor que se singularizou. Alberto Manguel, novo munícipe naquele Largo, conta que perguntou quem conhecia o literato, mas ninguém soube responder. Há alguns anos esclareci, aliás, uma confusão entre este António de Sousa de Macedo, do século XVII, e um seu descendente que foi Ministro da Instrução Pública, o primeiro, num Governo do Marechal Saldanha em 1870, conhecido como D. António da Costa. É bom encontrar alguém que se interrogue sobre quem merece ser imortalizado numa rua. Esta honra toponímica não veio, porém, da escrita, mas do facto de se tratar de um dos mais célebres diplomatas, em momento decisivo da história pátria. Quando em 1640 inicia a sua obra épica sobre a fundação de Lisboa, Sousa de Macedo vai buscar a referência homérica da “Odisseia”, enaltecendo as virtudes do grande herói da Guerra de Troia e inserindo a origem dos portugueses na mais antiga tradição greco-romana. E tal como Camões, mas seguindo caminho diverso, vai à inspiração de Virgílio, podendo dizer-se que estamos perante um verdadeiro reportório da cultura e da mitologia da Grécia. «Canto ao varão que por fatal governo / da Grécia à Lusitânia peregrino / fundou ilustre muro e nome eterno; / onde o mar torna o Tejo cristalino / muito obrou e sofreu; em vão o Inferno / se quis opor contra o poder Divino, / que o guardou para autor, naquela idade, /de muitos reinos numa só cidade». Temos, de facto, de inserir esta obra na preocupação fundamental de assegurar culturalmente a criação de uma legitimidade cultural, que hoje designaríamos como identitária. Se António Sousa de Macedo não esteve na primeira linha da conspiração de 1640, assume-se claramente como restauracionista na preocupação que preside a esta obra. Enquanto Francisco Rodrigues Lobo põe a nu em “A Corte na Aldeia” a situação de um povo grande que se vê submetido a uma situação de subalternidade, substituindo o tema do império pela discussão de campanário de aldeia, o autor de Ulissipo projeta na Antiguidade Clássica a legitima ambição de uma nação que aspira à liberdade, como afirmará em “Lusitania Liberata”, cujo título integral é “Lusitânia libertada do domínio injusto dos espanhóis e devolvida ao rei D. João IV, com materiais históricos e jurídicos e todo o conhecimento de Portugal, para a terra da nação, o seu poder e os acontecimentos mais dignos de nota desde a criação do mundo, no qual o leitor verá o seu valor na história, na literatura, no direito, na política e na teologia” (de 1645).
UMA VIDA DE SERVIÇO PÚBLICO
Nascido no Porto em 1606, veio para Lisboa pelas funções do Pai, Desembargador na Casa da Suplicação, seguindo para Madrid. De novo em Lisboa, frequentou o Colégio de Santo Antão (1619-1623), depois do que rumou a Coimbra, para frequentar Direito Civil. Voltou a Madrid com seu pai e então escreveu “Flores de España, Excelência de Portugal” (1631), onde elogiou Lisboa e enalteceu os espanhóis, o melhor dos povos, à exceção dos portugueses. Nesta obra, sente-se a dupla preocupação de defender as qualidades excecionais dos portugueses e de Portugal, sem pôr em causa uma boa relação formal com o povo de Espanha. Nota-se, contudo, uma preocupação, que se evidenciará mais tarde em garantir uma defesa eficaz dos interesses portugueses. Regressado a Portugal obteve o grau de Doutor em Leis (1632), sendo enaltecida por Barbosa Machado a qualidade das suas prestações académicas - a merecer “inveja e veneração dos Catedráticos daquela insigne Atenas”. Num momento triste da família, o Pai foi destituído de funções. O jovem casa-se com Maria Lemercier, de ascendência holandesa, mas vê recusado o seu nome para Contador-mor. Era secretário do Conselho de Portugal Miguel de Vasconcelos, e houve razões pessoais e políticas para esta recusa. Pouco depois dá-se o golpe de 1640, no qual não participa diretamente mas que apoia com entusiasmo. Então é nomeado secretário da Embaixada em Londres com Antão Vaz de Almada, sucedendo-lhe como representante, e é essencial a sua ação, quer no reconhecimento da Restauração quer ao conseguir a nomeação de um prestigiado Embaixador britânico para Lisboa, Henri Compton, o que foi essencial para a legitimação de D. João IV. Mercê de um elevado sentido pragmático, mas também de uma relação humana muito afável e de uma cultura rica, relaciona-se com Carlos I, num momento muito difícil da vida política britânica, que levaria à implantação da República de Cromwell – o que lhe permitirá ser muito admirado pelo futuro rei Carlos II, que virá a casar-se com a Princesa portuguesa Catarina de Bragança.
UMA MEMÓRIA IMPORTANTE
Volta a Lisboa como Desembargador da Casa da Suplicação e em 1648 é Juiz das Justificações do Reino. Em 1651 é Embaixador nos Países Baixos, onde não concorda com o Padre António Vieira. Com a subida ao trono de D. Afonso VI é nomeado Secretário de Estado, ao lado de Castelo Melhor. Mas quando o rei é afastado cai em desgraça e é exilado a 30 léguas da Corte, para a Vila de Penela (1667). O certo é que foi um importante político, diplomata e influente membro do Conselho da Fazenda. Conheço bem o Largo (antes designado do Poço Novo), nele foi-me possível usufruir da hospitalidade extraordinária de Helena e Alberto Vaz da Silva, queridos amigos. Helena era descendente de Sousa de Macedo, por via materna, ainda que a casa onde nasceu e viveu não fosse a do seu antepassado, mas no Palácio Cabral, em frente, prédio do século XVII, largamente beneficiado depois do Terramoto, e recentemente alvo de revelações históricas importantes. Eis esclarecida a questão.
Guilherme d’Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença
Quando há alguns anos houve alguém, decerto por menos conhecimento (é o menos que pode dizer-se), acabou com o feriado do Primeiro de Dezembro, houve um justo coro de vozes a recordar que se tratava de tentar esquecer uma primeira data da nossa identidade histórica e por isso primeiro feriado civil da República. De facto, logo no ano de 1910, a primeira comemoração profana foi a da libertação da Pátria de 1640. E esse momento foi tão importante que, por exemplo, do alto de uma guarita no Largo do Carmo, Francisco de Sousa Tavares afirmou que a libertação de 25 de abril de 1974 era a data mais importante depois do Primeiro de Dezembro de 1640. A 1 de dezembro de 1910, simbolicamente, também nasceu o que viria a ser a origem da “Renascença Portuguesa”, através da revista “A Águia” de Álvaro Pinto, na continuidade da qual Raul Proença e Teixeira de Pascoais protagonizariam o debate essencial sobre o patriotismo – para um, prospetivo e futurante, para o outro, saudoso e poético, mas para ambos crucial para a definição da cultura portuguesa: lírica ou trágica, mas igualmente picaresca… Se a Revolução de 1820 invocou a Regeneração, que em 1851 daria lugar a um compromisso de acalmação política para quase sessenta anos, a República de 1910 arvoraria a ideia de Renascença, que viria (depois do interregno ditatorial) a tornar-se raiz da democracia do último quartel do século XX. Eis por que faz sentido a lembrança da Restauração da Independência invocada neste Primeiro de Dezembro! Sim, sobretudo quando a fragmentação das autonomias ibéricas do Reino de Espanha demonstra o bem fundado da decisão da independência do ocidente peninsular. Senão vejamos sete pontos sacramentais: 1) O caráter marítimo do ocidente ibérico (“terras de Espanha, areias de Portugal”) e a vontade dos portugueses, para usar a explicação de Herculano, dão a Portugal uma identidade própria que se projeta universalmente; 2) Filipe I, nas Cortes de Tomar, teve consciência disso mesmo ao reconhecer expressamente a independência e o estatuto de Portugal, que se perderia com Olivares; 3) Na guerra dos trinta anos (1618-1648), a casa de Habsburgo que governava a Espanha, levou-nos para um conflito europeu e global que contrariou claramente o interesse estratégico de Portugal; 4) O apoio da França de Richelieu a Portugal no conflito seiscentista permitiu romper com um caminho inexorável de agravamento da decadência através de uma Corte tornada de Aldeia; 5) Perante a ameaça global da Holanda, havia que romper com a tentação de Conde-Duque de Olivares de unificação peninsular num só reino, sem as prerrogativas da independência antiga de Portugal; 6) Os conjurados de 1640 recusaram assim a tal “Corte na Aldeia” e ao dar o golpe sabiam que iriam iniciar uma longa luta de sobrevivência nacional, que começou na tentativa de mobilizar recursos para fazer uma política colbertiana - ouvindo Luís Mendes de Vasconcelos, Conde da Ericeira, Severim de Faria, Ribeiro de Macedo, e seguindo as diligências diplomáticas na Holanda junto dos Cristãos-novos do Padre António Vieira) e terminou na exploração do ouro e dos diamantes do Brasil, sem o investimento na fixação, o que muito nos atrasou… ; 7) O certo é que Portugal seguiu um curso de independência, de acordo com a sua “maritimidade” e o desenvolvimento de uma língua, que se tornaria elemento congregador de várias culturas e alfobre de várias nações… Ao lermos alguns dos nomes dos quarenta conjurados, compreendemos que havia uma resistência, que se tinha solidificado perante a lógica autoritária de Madrid e a insensibilidade de Filipe III. Do mesmo modo, havia uma tomada de consciência de que o império iria desfazer-se, não só o do Índico (já fortemente enfraquecido), mas sobretudo o do Atlântico Sul e do Brasil. Eis os nomes: Antão Vaz de Almada, António Luís de Meneses (Marquês de Marialva), Francisco de Noronha, Francisco de Sousa (Marquês das Minas), D. Jerónimo de Ataíde (filho de D. Filipa de Vilhena e por ela armado cavaleiro com seu irmão Francisco Coutinho), Dr. João Pinto Ribeiro, João Sanches de Baena, Luís de Almada, Martim Afonso de Melo, Pedro Afonso Furtado, D. Rodrigo da Cunha (Arcebispo de Lisboa), Tomás de Noronha (Conde dos Arcos), Tomé de Sousa, Tristão da Cunha de Ataíde… Os nomes envolviam o clero, a nobreza e o povo – e reconstituíam a resistência que tinha levado ao trono o Mestre de Avis em 1385. Eis por que não se trata de uma celebração isolada, mas da afirmação perene de uma vontade de emancipação. E lembremos o que disse António Sérgio no pós Alcácer Quibir: «Perante a vaga do trono português, sucedeu-lhe Filipe II de Espanha, que nas cortes de Tomar jurou as condições em que reinaria: a sua ideia não foi a absorção de Portugal, mas uma monarquia dualista, em que tínhamos perfeita autonomia, no mesmo pé do que Castela. Cumpriu religiosamente o que prometera; e foi seu neto Filipe IV, ou melhor o conde-duque de Olivares, quem, iludindo-as, provocou mais tarde a revolta dos Portugueses». Regressa à lembrança o sonho do Príncipe Perfeito, de um Império de base ibérica, com um rei português e Lisboa como centro de gravidade dessa realidade universal. Como salientou Vítor Sá: «A restauração da independência de Portugal trouxe ao primeiro rei da nova dinastia, João IV, inimigos poderosíssimos, dificuldades diplomáticas e militares, que acabaram por ser vencidas nas linhas de Elvas, com o exército português já instituído por bons mestres (Schomberg). «Mostrou-se o povo, mais uma vez, como boa matéria-prima quando enquadrado por boa élite» — concede António Sérgio. Na conjuntura restauracionista teve lugar a primeira tentativa para se «assentar em bases firmes a economia da metrópole», com a política do conde da Ericeira. Mas essa tentativa resultou frustrada pela «sorte grande» que foi a descoberta das minas do Brasil».