CRÓNICA DA CULTURA
A indiferença é também uma escolha, e como qualquer escolha pode ser substituída por outra.
Cada um tem uma relação pessoal com a pandemia da indiferença, com ou sem alma, com ou sem máscara, com ou sem vacina, com ou sem febre, com ou sem expetoração.
Cada um esmaga o trailer da indiferença para que o mesmo não tenha êxito no alerta à generalização desta lepra pois que lhes pode colocar em causa uma sobrevivência tranquila e inconsciente q.b. face à banalização do mal.
Tragicamente, a indiferença tornou-se socialmente aceite pelos humanos, ainda que um dia, um dia sempre alguém pensou que se iria aprender de uma vez por todas as lições virtuosas que à saída dos vários tipos de confinamentos da vida de cada um, emergiriam e fundariam sociedades mais bondosas, menos gananciosas e beneficiárias de um novo idealismo qual arma portentosa que imaginaria o bem a sair do mal.
Contudo, as pessoas estão demasiado ocupadas a não morrer no desconforto e, em consequência, só trivializando o mal conseguem atingir a capacidade de sobrevivência que entendem bastante à vida digna.
Em consequência, nem se retiram lições da enfermidade da indiferença antes se anui que ela faz parte da tragédia humana, e nesta aceitação reside enfim a capacidade de se viver num nível inferior ao que dizemos rejeitar.
A indiferença é também uma moléstia politizada que omite o quanto a infelicidade do Homem face ao seu próximo e a si mesmo não reivindica absolutamente que um outro mundo possa nascer.
Mas a indiferença é a verdade relevante.
Se a indiferença continuar a deixar descendência, o pior do que somos capazes, continua a revelar-se numa total falta de saúde mental; numa gigante molenga de almas heroicas que só negoceiam rendições.
Mas qual a razão que leva a indiferença a persistir?
Em rigor, vivemos num mundo que nos bombardeia com tragédias que nos podem levar à insensibilização. Igualmente, o individualismo exacerbado coloca qualquer necessidade pessoal acima do bem comum, apesar de estar bem provado o quanto a prática de atos altruístas beneficia o próprio bem-estar de quem os realiza.
Enfim, cremos que a indiferença não é necessariamente inevitável, a indiferença é também uma escolha, e como qualquer escolha pode ser substituída por outra.
Talvez lembrarmo-nos que aceitar a indiferença é aceitarmos um horizonte em que a nós chegará a vez de não sermos importantes para ninguém.
A realidade não se transforma se nós não nos transformarmos, e vivermos a vida entre muros a fim de nos protegermos, é renunciar ao mínimo ético de liberdade, e o nosso mundo mirra, mirra e nós dentro dele estamos condenados a desaparecer numa multidão de indivíduos solitários e prenhos de patologias narcísicas.
Ir perante o outro como semelhante implica trocar de posição com ele e habitá-lo por forma a conciliar limites que o respeitam e nos conciliam com os nossos próprios desígnios.
Por aqui, ir por aqui, é ir pelo amor de encontro ao caminho de saída.
Teresa Bracinha Vieira