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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

A indiferença é também uma escolha, e como qualquer escolha pode ser substituída por outra.


Cada um tem uma relação pessoal com a pandemia da indiferença, com ou sem alma, com ou sem máscara, com ou sem vacina, com ou sem febre, com ou sem expetoração.

Cada um esmaga o trailer da indiferença para que o mesmo não tenha êxito no alerta à generalização desta lepra pois que lhes pode colocar em causa uma sobrevivência tranquila e inconsciente q.b. face à banalização do mal.

Tragicamente, a indiferença tornou-se socialmente aceite pelos humanos, ainda que um dia, um dia sempre alguém pensou que se iria aprender de uma vez por todas as lições virtuosas que à saída dos vários tipos de confinamentos da vida de cada um, emergiriam e fundariam sociedades mais bondosas, menos gananciosas e beneficiárias de um novo idealismo qual arma portentosa que imaginaria o bem a sair do mal.

Contudo, as pessoas estão demasiado ocupadas a não morrer no desconforto e, em consequência, só trivializando o mal conseguem atingir a capacidade de sobrevivência que entendem bastante à vida digna.

Em consequência, nem se retiram lições da enfermidade da indiferença antes se anui que ela faz parte da tragédia humana, e nesta aceitação reside enfim a capacidade de se viver num nível inferior ao que dizemos rejeitar.

A indiferença é também uma moléstia politizada que omite o quanto a infelicidade do Homem face ao seu próximo e a si mesmo não reivindica absolutamente que um outro mundo possa nascer.

Mas a indiferença é a verdade relevante.

Se a indiferença continuar a deixar descendência, o pior do que somos capazes, continua a revelar-se numa total falta de saúde mental; numa gigante molenga de almas heroicas que só negoceiam rendições.

Mas qual a razão que leva a indiferença a persistir?

Em rigor, vivemos num mundo que nos bombardeia com tragédias que nos podem levar à insensibilização. Igualmente, o individualismo exacerbado coloca qualquer necessidade pessoal acima do bem comum, apesar de estar bem provado o quanto a prática de atos altruístas beneficia o próprio bem-estar de quem os realiza.

Enfim, cremos que a indiferença não é necessariamente inevitável, a indiferença é também uma escolha, e como qualquer escolha pode ser substituída por outra.

Talvez lembrarmo-nos que aceitar a indiferença é aceitarmos um horizonte em que a nós chegará a vez de não sermos importantes para ninguém.

A realidade não se transforma se nós não nos transformarmos, e vivermos a vida entre muros a fim de nos protegermos, é renunciar ao mínimo ético de liberdade, e o nosso mundo mirra, mirra e nós dentro dele estamos condenados a desaparecer numa multidão de indivíduos solitários e prenhos de patologias narcísicas.

Ir perante o outro como semelhante implica trocar de posição com ele e habitá-lo por forma a conciliar limites que o respeitam e nos conciliam com os nossos próprios desígnios.

Por aqui, ir por aqui, é ir pelo amor de encontro ao caminho de saída.


Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

“O oposto do amor não é nenhum ódio, é a indiferença (…) o oposto da vida não é a morte, é a indiferença.”
Elie Wiesel

  


Será que não nos vemos uns nos outros e por isso não nos sabemos prometer?

A indiferença é a maior doença social do mundo de hoje, é mesmo a única que nos implora para que deixemos de ser neutros.

A indiferença é não dar à vida o que ela tem de especial, o que nós temos de expectativa em relação a nós próprios, e é ferir de morte a coesão de todos.

Está provado que a nossa demonstração de indiferença é uma das atitudes mais dolorosas que podemos projetar; é mesmo levar a uma pessoa o claro sentir de que ela não existe para nós, e pouco há de mais cruel.

Que estejamos felizes ou tristes, seja a mesma coisa para outros, é uma dor inexplicável do nosso sentir de encontro ao nada.

Vivem-se as inúmeras notícias de tragédias num individualismo exacerbado pela insensibilização que sempre se distanciou do bem comum.

Educar as novas gerações para a importância do coletivo, envolvê-las em causas comunitárias, em gestos de empatia e escuta do outro, não seria mais do que salvá-las da sua própria já mirrada condição.

Embora frequentemente subestimada, a postura passiva perante os problemas alheios, tem consequências devastadoras no tecido social, e numa era em que a informação está acessível a todos é mais alarmante e incompreensível por que insistimos em ignorar o sofrer alheio.

Não é inofensivo desviar o olhar, e também não é inofensivo o silêncio cúmplice perante as injustiças flagrantes que só perpetuam desigualdades, normalizam sofrimentos e nos desumanizam a todos.

Em grande parte, a apatia generalizada decorre sempre de almas não livres, almas de pus que nem reconhecem a inocência.

Não há que fundar mais religiões para as colocar no lugar do mundo de onde o significado partiu. Todos podemos ir além do possível, esse é o projeto.

E depois sim, o imenso começo.


Teresa Bracinha Vieira