Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Foi necessário um parecer de 2021, homologado pela ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, em 2023, para considerar ilegal o uso exclusivo do inglês na denominação da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, que aquando da mudança de estatutos tinha assumido o novo nome de “Nova School of Law”.
Este comportamento, além de contrário ao imperativo constitucional de que, em Portugal, “A língua oficial é o Português” (artigo 11.º, n.º 3 da CRP), viola o art.º 10.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIER), que estabelece: “As instituições de ensino superior devem ter denominação própria e caraterística, em língua portuguesa, que as identifique de forma inequívoca, sem prejuízo da utilização conjunta de versões da denominação em línguas estrangeiras”.
Prevê o n.º 3 do mesmo normativo, ficar reservada para denominações de estabelecimentos do ensino superior a utilização dos termos, bem portugueses, como “universidade”, “faculdade”, “instituto universitário”, “instituto superior”, “instituto politécnico”, “escola superior e outras expressões que transmitam a ideia de nele ser ministrado ensino superior”.
Após prever que “A denominação de cada instituição de ensino só pode ser utilizada depois de registada junto do ministério da tutela” (n.º 4), dispõe o n.º 5 que o desrespeito é fundamento de recusa ou de cancelamento do registo de denominação. Por uma questão de princípio, bom senso e pela própria natureza da factualidade em análise e seu contexto, a língua portuguesa deve ser exclusiva ou ter primazia, nunca ser excluída, como sucedeu, ao arrepio do registo oficial (em português), nada impedindo a utilização conjunta de denominação em idiomas estrangeiros, com primazia para o nosso.
Foi necessária a queixa de alguém que, no legítimo exercício do seu direito de cidadania, questionasse quem de direito para o abuso a que se chegou, só agora se normalizando e revertendo a situação, via recente homologação ministerial, de julho deste ano (pela leitura da imprensa), aguardando-se os seus resultados práticos, dado que, pelo que acabamos de investigar, a designação “Nova School of Law” permanece generalizada na internet e, provavelmente, em documentos e páginas oficiais (como vinha sucedendo).
A generalização do inglês, como língua franca, não justifica estes excessos de deslumbramento parolo e de uma internacionalização forçada e provinciana.
Saber inglês é hoje uma ferramenta necessária para quem estuda, investiga, trabalha, viaja e tem de ter acesso ao mundo globalizado. Em todas as épocas há uma língua franca, sendo a de hoje o inglês.
Os avanços técnico-científicos permitiram uma globalização que possibilitou uma maior proximidade, em que o inglês foi promovido a língua dominante nas empresas que controlam a produção, beneficiando-o nos impressos e folhas de instruções, nas etiquetas, caixas, distribuição, transportes, publicidade, ou seja, em todas as apresentações e disponibilização do produto desde a origem ao consumidor.
Esta permissividade tem condições especialmente favoráveis em países que têm falta de autoestima ou uma fraca imagem de si em termos económicos, onde o estrangeiro associado aos mais ricos é que é bom, sinónimo de culto, moderno, desenvolvimento e prestígio. Por vezes há ausência de legislação obrigatória quanto ao uso da língua materna ou oficial nas instruções e nos rótulos dos produtos importados. E quando há legislação, nem sempre os entes competentes a fazem cumprir, sendo injustificável que se invoquem dificuldades na sua implementação ou fiscalização. Não fazer cumprir uma lei também é uma opção e estratégia, tida como uma mera exigência do politicamente correto, sem conteúdo prático.
Por questões de imagem e de redução de custos, a língua da empresa é a da casa mãe, que não se compadece com traduções, com perda de tempo e de dinheiro, o que é agudizado pelo facto de, no atual momento económico, a sua sede ter a maior probabilidade de ser num país anglófono, ou que tenha tão só o inglês como língua de comunicação global.
Opta-se quase sempre pelo idioma tido internacionalmente como mais conveniente, o das empresas multinacionais, em que a língua da empresa é a do país onde está a inovação criativa e o dinheiro, sendo a língua do poder.
Esta imposição do inglês como língua económica, cultural e política, é tida, por vários autores, como imperialismo linguístico e um vírus do anglicismo.
O uso de palavras ou frases estrangeiras no nosso dia a dia, por necessidade ou diversão, não é censurável. O seu abuso, sim, nomeadamente do inglês, sob uma capa apelativa da modernidade, como o exemplificam, entre nós, tantos concursos televisivos, desde o Big Brother, Got Talent Portugal, The Voice Portugal, The Voice Kids, Love on Top, All Together Now, Fama Show, TV Shop, Kitchen Team, Hell`s Kitchen, etc.
Agudizado pelo linguajar e a gíria que usa e abusa de anglicismos na economia, gestão, cultura, ensino, política, novos condomínios de luxo ou de topo, recentes urbanizações universitárias, muitos deles desnecessários ou por preguiça em não encontrar designação adequada no nosso idioma. Ou sem haver a preocupação de pedir ajuda a linguistas ou instituições vocacionadas para o efeito, embora estas devessem estar atentas e antecipar-se a uma cada vez mais virulenta massificação, fazendo falta uma academia que se ocupasse das respetivas traduções, quando necessário. Por que não o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, ou similar, no âmbito da CPLP?
Porquê ficarmo-nos cada vez mais por uma língua estrangeira em novos termos e expressões de avanços técnico-científicos, económicos, financeiros, de gestão, entre outras áreas?
O que é agravado pela abdicação a que chegou o público ao excluir, pela primeira vez, a língua portuguesa para o festival da eurodemissão.
Há que estabelecer regras e prioridades, não queiramos ser universais sem diversidade, pois a indiferença, o desdém e a tontice pela nossa língua, ignorando-a ou marginalizando-a, farão o resto.
Com o fim da segunda guerra mundial, para além da vitória dos aliados anglófonos sobressai, em termos linguísticos, a vitória da língua inglesa.
As economias e nações ocidentais sobreviventes da guerra, ficaram dependentes dos países falantes de inglês, em especial dos Estados Unidos da América, o mesmo sucedendo com o Japão e países da Ásia em geral.
Ficaram de fora, temporariamente, os países que integravam o então bloco de leste europeu, afetos ao espaço de influência da então União Soviética.
Apesar do papel decisivo e fundamental dos Estados Unidos, descendente do Reino Unido, ambos países falantes de inglês e tendo como património comum a mesma língua, nada impediu que a antiga potência colonizadora tivesse uma estratégia visionária para a difusão e expansão da língua inglesa a nível mundial.
Uma das instituições usadas para a qualificação linguística do inglês, foi o British Council, organismo oficial do Reino Unido, fundado em 1934, primeiro sob a designação de British Commitee for Relations with Other Countries, sob tutela do Foreign Office, para a promoção da ciência, cultura, educação e tecnologia britânicas.
Esta difusão inicial (e em geral) da língua e cultura britânicas, evoluiu e adaptou-se ao contexto mundial do momento, passando o British Council a apresentar-se como uma instituição vocacionada para a construção de relações reciprocamente vantajosas entre o povo britânico e demais povos, visando desvincular-se da associação a formas de imperialismo cultural e linguístico a que a cultura e língua inglesa, incluindo a anglofonia, são associadas.
Deixou de proporcionar apenas o ensino da língua e cultura britânica, passando também a promover as “educational opportunities”.
Tornou-se insuficiente recrutar leitores para lecionarem em universidades estrangeiras, apoiar escolas e bibliotecas no exterior, organizar e apoiar eventos e espetáculos culturais, mesmo com o apoio de embaixadas e consulados, passando a ser primordial proporcionar ferramentas culturais e educacionais vantajosas, numa projeção para voos mais altos que os do governo.
Mudança de estratégia que tem como subjacente a constatação de que a língua inglesa, a nível internacional, está a deixar de ser, cada vez mais, para muitos, uma língua estrangeira, antes sim uma segunda língua, para além da materna, ou em paralelo com esta, sendo tida como uma ferramenta indispensável em termos pessoais e profissionais. O elevado número de pessoas que aprendem atualmente inglês, prevê-se que diminua para 500 a 600 milhões em 2050, não por qualquer desinteresse pelo inglês, mas, tão só, por, previsivelmente, a maioria da população mundial já o dominar.
Uma reflexão útil, por certo, para os responsáveis em Portugal pela atuação e intervenção do Instituto Camões, no âmbito das políticas em redor da língua e cultura portuguesa e lusófona.
XIX – NÃO BASTA O INGLÊS, NEM A SUA AFINIDADE COM A INTERNET
1. Sendo o inglês a primeira língua de comunicação global e na internet, é compreensível que seja aprendido e ensinado o mais cedo possível. Em Portugal, a sua receção no quotidiano foi facilitada pela televisão, pelo cinema, por edições fonográficas, discográficas, radiofónicas, no decurso de décadas. O que foi reforçado pela opção de legendar, em vez de dobrar, os filmes entre nós exibidos, por motivos de economias e custos, passando a ser, involuntária e subtilmente, a língua estrangeira mais contagiante e familiar. A que acresce, nas novas formas e modelos de cultura de massas, uma ligação crescente dos agentes nacionais às grandes companhias internacionais e empresas multinacionais de produção e distribuição, sediadas em países falantes de inglês. Com o aparecimento da música pop que, desde o fim da década de sessenta do século passado, passou a dominar as nossas rádios, ultrapassando a difusão radiofónica musical em português, fixou-se, nas gerações mais jovens, a ideia de uma relação sinonímica entre modernidade e vanguardismo e a língua inglesa.
Inconsciente ou involuntariamente, o francês passou a ser visto como o idioma estrangeiro dos mais velhos, uma língua a evitar. O que foi agravado pela crescente origem e proveniência, hoje maioritária, de artigos, textos, investigação, avanços tecnológicos e publicações científicas de países anglófonos, favorecendo o desenvolvimento e expansão em áreas populares impactantes, como as artes do espetáculo (cinema, música, televisão) e mais elitistas (ciência, escultura, literatura, pintura). O processo intensifica-se em países em vias de desenvolvimento, ao verem no inglês um idioma necessário e de prestígio.
2. Acresce a entrada em uso e a difusão da internet, fazendo o culto da língua inglesa, com as adaptações linguísticas e neologismos dela derivados, ampliando-a e cimentando-a como língua de exportação e universal. Os neologismos, embora um sinal de vitalidade linguística, dado que uma língua ausente deles é tida como morta, se forem tão só palavras importadas de outros idiomas (empréstimos e estrangeirismos), carecem de uma intervenção que possibilite a sua integração harmoniosa no idioma importador. Por maioria de razão quando importados de línguas com sistemas fonológico e morfológico diferenciados dos da língua importadora, como sucede com o inglês e o português. A entrada e importação cega, indiferenciada e massiva de palavras importadas pode conduzir à descaraterização da língua de acolhimento e importadora, levando a que esta se desvalorize e inferiorize como língua de ciência, técnica e tecnológica, deixando de ser usada em tais contextos, com perda de estatuto. Carecemos, em Portugal, de uma instituição apta a dar resposta às necessidades de um mundo em constante evolução, encarregada de proceder à normalização do português em termos científicos, económicos e tecnológicos, entre outros e, em particular, dos seus neologismos. Inexiste, no nosso país, uma Academia com competências similares às da Academia Francesa ou Espanhola, faltando um investimento programado que estabeleça prioridades na investigação sobre o português para fins específicos.
3. Apesar de essencial e a língua número um da internet, a generalização do inglês omite um efeito previsível. Com a sua aprendizagem e ensino massificado, dentro de uma geração, ou menos, saber inglês e navegar na internet vai ser uma ferramenta imprescindível de qualquer trabalhador não qualificado. Vai sendo cada vez mais useiro e vezeiro dominar o inglês e a internet, deixando de ser, gradual e crescentemente, um elemento diferenciador, um acréscimo de especialização e qualificação a nível global. À medida que se banaliza e massifica, torna-se normal e indiferenciado, o que começou por ser diferenciador e qualificado. Para quem só fala inglês e domina a internet, é uma perceção cada vez mais consolidada, o que revela bom senso e a constatação de uma realidade, em detrimento de uma pretensa superioridade. Daí ser errado pensar que basta o inglês e a sua afinidade com a internet, sendo também insuficiente pensar, no curto prazo, que precisaremos apenas de dois idiomas para comunicar com estrangeiros e na net: o nosso e o inglês. Não sendo o mundo bipolar, mas multipolar, um maior conhecimento de várias línguas, para além da materna e do inglês, é uma mais valia imprescindível na especialização, qualificação e diferenciação, inclusive via políticas de língua e de planificação linguística na internet. Sendo certo que o conhecimento e estudo multivariado das línguas, mesmo que artificiais ou mortas, traz vantagens culturais e interculturais, comerciais, financeiras, de capacidades criativas e de expressão e, é claro, de especialização e qualificação.
4. O mesmo releva no que toca à aprendizagem e estudo do português, desde logo pelas suas caraterísticas de língua de comunicação global e internauta divulgando-a, em crescendo, como língua de exportação. Aproveitando uma tradição baseada em contactos, ao longo de séculos, com outros povos, por exemplo o facto de línguas asiáticas e orientais terem tido os primeiros contactos linguísticos com o ocidente através de dicionários em português onde, em tempos idos, foi língua franca. Não temos, porém, uma política da língua, nem de planificação linguística, não só a nível interno, como em termos lusófonos. É frustrante, até agora, o que se passa na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, ao pretender criar e consolidar um espaço geopolítico, que tem por principal elo de união a língua portuguesa, sem uma estratégia minimamente credível e concertada para promover a sua difusão e uso, não esquecendo o inoperante Instituto Internacional da Língua Portuguesa. A que se soma a ausência de investimento programado e sério na investigação sobre o português, lançando as bases para a sua defesa na internet e criando organismos coordenadores da sua terminologia, mono e multilingue, para fins específicos e especializados.