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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

O FUTURO DE TUDO (3) 

  


A linguagem empobrecida, empobreceu o pensamento que com ela adquire e exprime significação, e por entre este vazio nasceu e cresceu o pasmo dos deslumbrados.

A linguagem sofreu mutações e a capacidade da sua apropriação por parte dos seres já dominados inibe que dessa metamorfoseada realidade se possam dar conta.

Há um novo tempo e há um novo espaço de plurissignificações que em si muito contém a mercadoria do mundo ilusório.

A barbárie do simulacro antecedeu tanta inverdade que os seres confundidos e anestesiados se têm mostrado incapazes do exercício do questionar.

As migalhas que se foram aceitando do poder e da intectualidade que com ele privaram e privam, constituíram a primeira prova da mansuetude cerebral dos múltiplos inquilinos dominados neste sistema.

Até a IA chegou em grande parte pela mão de uma informação de botox, provocadora de paralisia aos estímulos neuronais, de modo que se confundissem as inevitabilidades concordantes e discordantes, num rodopio sem significação.

Tudo o que vai chegando a um mundo sem sonho, e consequentemente sem a grande força da insubmissão, instala-se como fatalidade, já que a condição inquieta do homem se deixou subtrair da sua vida, permitindo o poder titânico que parece ter feito desmoronar o pensamento perscrutador.

E tudo ficou destinado a ficar impune. Até quem muito amedrontou com o esplendor da IA, experimentou o uso de um poder sobre uma civilização que afinal pretendia anular.

O poder incontrolado das novas realidades é tema do qual se desertou sem enfrentar, e a insatisfação absolutamente anémica, perdeu posto e não constitui doença.

O que acontece hoje será meramente pitoresco daqui a um ano, e não se estranha não compreender o agora neste imenso potencial transformador.

Navegar de um lado para o outro pode ser o mesmo que não sair do sítio de não-partida.

A capacidade analítica sobre os inúmeros dados potenciadores de um estilo de aprendizagem e desempenho que a IA transporta com a maior capacidade de sucesso, situa-se no polo oposto do não-questionamento de uma cultura simplificadamente adormecida.

Apesar de todas as possibilidades fantásticas, fascinantes e promissoras que a IA oferece, as preocupações em torno do seu uso, nomeadamente o expor uma notícia falsa indistinguível da realidade, terá consequências críticas para a sociedade, ou a tensão entre a palavra e a essência não fosse o grande poder do mundo simulado e enfim, do caos da vida.

Será que todos acham que ainda é cedo para que esta preocupação tenha raízes?

Não é fundamental que os que desenvolvem a IA e os seus usuários sejam responsáveis pelo seu uso e considerem as implicações éticas das suas criações?

A maior ferramenta da IA é a confiança, caso o abaixamento do pensar e do sentir, não tenham chegado à subcave da passagem por aqui dos seres humanos.

Que os fios poderosos que envolvem os homens não os façam acreditar num doravante de otimismo de consumo que os sacia.

A IA é agora uma eficiência se orientada, e o bule cujo conteúdo é mar, nele se não confina.


Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

O FUTURO DE TUDO (2) 

  


As plantas não crescem nem são belas porque a IA lhes dá o poder da Natureza.

Não, a IA não é mundo natural nem vida, como é tudo o que envolve o mundo dos seres vivos.

A natureza de algo é a sua verdade, a sua essência, a sua disposição inata.

A partir de múltiplos algoritmos não se atinge o que permanece tal como surgiu sem sequer ter tido a ajuda dos seres humanos.

Parte-se de uma ideia profunda de mundo anterior à própria existência de ordem humana.

Partilhar laços e o seu balanceio com o sensível, ter consciência da sua própria existência evolutivamente, da sua própria finitude, é algo que só existe nos humanos.

Lembremo-nos também que planta, fungo, bactéria, animal, estão sujeitos à lei da biologia e da sobrevivência e pedem sombra, sol, sossego e sono.

A célula é a menor unidade de vida e mesmo sozinha forma um ser vivo, um organismo unicelular e em grupo formam organismos pluricelulares como animais e plantas.

Ora, aquilo que é entendido por Aprendizado de Máquina (uma das capacidades da IA que possibilita aos softwares usarem inputs humanos para “aprender”), fundamenta-se no que estimula o funcionamento do cérebro humano, mas aplicando ferramentas computacionais, o que quererá dizer que a IA evolui a partir de algoritmos que “aprendem” as preferências dos usuários, e se combinam para fazerem sugestões mais precisas ao solicitado.

Mas estamos perante formas mecânicas que se não comparam nunca às formas de expressão humana qual pasmosa distância de um querer de um Deus, como o oásis.

Na verdade, sem a presença física de um ser humano, o sistema de um carro pode memorizar - através de ordens nele incorporadas - direções e trajetos o que não determina a exclusão de humanos do melhorar desta função, e sobretudo a IA teria de ser bem mais complexa e precisa do que a praticada pelos humanos para que estes nela possam confiar.

Boris Eldagsen em 2023 ganhou um prémio de um concurso internacional de fotografia gerada por IA.

Eldagsen abdicou do prémio divulgando que a foto tinha sido gerada por um algoritmo, admitindo que essa forma não é comparável à do uso das máquinas fotográficas que não constituem trabalhos derivativos de obras anteriores, e que este método não gera arte, não obstante ser possível nesta fotografia adivinhar-se um vínculo entre estas mulheres, ou a melhor prova de que processos repetitivos geram aparências.

De lembrar que quando surgiu a fotografia ela não liquidou a pintura, e se se entender que o melhor uso da IA origina muito mais do que modificações de incrementos de múltiplas obras, tal não finda com outras formas de arte, mesmo que a da IA venha a ser a ser considerada uma forma de arte.

Certamente a inteligência artificial se irá tornar cada vez mais valiosa para o mundo e melhorará muitas eficiências e irá dar muitos passos muito além, e até já originou um DNA sintético de pessoas inexistentes, o que até leva a que esta ferramenta de pesquisa de geneticistas, possa fazer experimentação sem se comprometer a ética científica ou a vida de pessoas reais.

Todavia, a inteligência humana é um processo multifacetado e ainda muitíssimo desconhecido, que envolve mudanças biológicas, sociais, culturais e cognitivas.

A inteligência humana continua a desenvolver-se à medida que enfrentamos desafios e oportunidades como espécie.

De recordar que Humberto Maturana e Pille Bunnell afirmaram que o único sentimento que amplia a visão e expande a inteligência é o amor.

E a IA não ama.

 

Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

O FUTURO DE TUDO (1) 

  


A inteligência humana não se compraz com um estado ter o limite de apenas poder ser verdadeiro ou falso.

A inteligência humana não funciona deste modo nem se baliza pela lógica booleana.

A inteligência humana para um mesmo problema acede a múltiplas variações em consciência, em perceção, em intuição, em previsão e em outras competências, e não é binária.

Mas há um reino que pela sua capacidade para combinar dados invisíveis ao nosso “olhar”, interage connosco de tal modo que nos surpreende o não distinguirmos, se o que nos espanta nos chegou ou não de uma máquina.

Pode-se então dizer que a IA combina dados de modo imprevisível não se limitando a meras colagens, revolucionando positivamente muitíssimas áreas, tal como a da medicina e dentro desta a da imagiologia particularmente, tornando-a muito mais eficiente, precisa e acessível.

A IA surge assim como uma nova razão.

Mas na IA não se paga o tempo do pensar humano.

Tudo deve ser rápido, produtivo e barato e justificador da extinção de milhões e milhões de empregos e profissões, e que as máquinas possam até disputar novos espaços recorrendo à arte convencional.

No curto prazo, a capacidade de adaptação preenche o tempo de novas profissões surgirem, mas apenas no curtíssimo prazo esta adaptabilidade terá cadeira e assento. A medida do tempo é agora diverso e implica diferentes estabilidades.

Caberá aos engenheiros de prompt, cruciais no estímulo das máquinas, obterem da IA as respostas mais precisas; caber-lhes-á o serem capazes de desempenhar as funções de “DJ” ao escolherem as melhores “músicas” (ou prompts) para que a IA possa tocar cada vez melhor a fim de que a sofisticação da resposta da IA seja cada vez mais eficaz.

E que realidade conduzirá ao fim da humanidade tal como a conhecemos?

Quem sobrevive à criação de paradigmas inerentes à criatividade?

Qual civilização se sucede e o que a fará evoluir? Que valores como espécie?

Estou convicta de que a IA já transformou a forma como vivemos, já transformou a garantia de como vivemos esse viver.

E não há que ignorar.


Teresa Bracinha Vieira