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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

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   Fotografia: Torre de Belém / Copyright: © 2016 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

 

135.   VIVER, VIVENDO A “NOSSA INTEMPORALIDADE”

“Enquanto vivo esta vida, como poderia suportar deixá-la?
Tenho ainda, sinto, tanto para fazer. Sinto sempre que vivi tão pouco. Isto deixa-me pensativo, mas não triste, e foi destes pensamentos que surgiu Ikiru”
.

Palavras do cineasta e realizador japonês Akira Kurosava, sobre o seu filme “Viver - Ikiru”, uma reflexão sobre a vida, a existência humana e o seu sentido, tendo como protagonista um funcionário público, em fim de carreira, vivendo de modo vazio e burocrata o seu trabalho, numa secretária de papéis e canetas, cujo serviço, no decurso de décadas, é de mera rotina, até ao dia em lhe é diagnosticado um cancro do estômago, alterando-lhe a perspetiva da sua vivência.

Baseado nesta película, surge o mais recente “Viver - Living”, realizado pelo britânico Oliver Hermanus, sobre um funcionário que abraça e vive em pleno a burocracia, imerso em papelada no escritório surgindo, entretanto, uma doença fatal que o move a fazer uma retrospetiva do seu viver, tentando alcançar a satisfação e chegar à redenção nos poucos meses que lhe restam.

Começa a “viver” numa entrega aos prazeres fáceis, que o levam a uma autodestruição e a descartá-los como solução, acabando por ter uma revelação ao decidir deixar um legado para as gerações vindouras: a construção de um parque público para crianças, valendo-se do seu percurso profissional e saber acumulado, ultrapassando burocracias de que fez o culto e o enterravam no seu labor diário, dotado de uma energia vitalizante que o compensou, ajudando-o a compreender o significado da vida.

A mensagem geral de “Viver” universaliza-se agarrando a vida e dando-lhe um sentido, antes que fuja, porque insuficiente ter um bom emprego e rendimento, uma família feliz e filhos que dão continuidade ao nome, o que não recompensou, na velhice, o intérprete principal, já viúvo, voando o filho para a sua própria vida, ficando sozinho e piorando, sentindo-se irrealizado pessoalmente.

Não chega acumularmos trabalho, riqueza e títulos, há que encontrar um equilíbrio entre o mero viver e deixar algum legado, a “nossa intemporalidade” transposta para a “intemporalidade da condição humana”, com a convicção de nada ser mais destruidor de vidas humanas que a ideia fanática de sermos perfeitos, “magníficos” e “sublimes” a fixarmo-nos numa única coisa, em “sabermos” apenas uma coisa muito importante (como o “ouriço”), dado sermos imperfeitos e mais fãs da diversidade e dos valores mais prezados da nossa existência, vários e nem sempre compatíveis, “sabendo” muitas coisas (como a “raposa”).

Somos imperfeitos, e também perfectíveis.  

 

31.03.21
Joaquim M. M. Patrício