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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

  

 

XIX – NÃO BASTA O INGLÊS, NEM A SUA AFINIDADE COM A INTERNET  

 

1. Sendo o inglês a primeira língua de comunicação global e na internet, é compreensível que seja aprendido e ensinado o mais cedo possível. Em Portugal, a sua receção no quotidiano foi facilitada pela televisão, pelo cinema, por edições fonográficas, discográficas, radiofónicas, no decurso de décadas. O que foi reforçado pela opção de legendar, em vez de dobrar, os filmes entre nós exibidos, por motivos de economias e custos, passando a ser, involuntária e subtilmente, a língua estrangeira mais contagiante e familiar. A que acresce, nas novas formas e modelos de cultura de massas, uma ligação crescente dos agentes nacionais às grandes companhias internacionais e empresas multinacionais de produção e distribuição, sediadas em países falantes de inglês. Com o aparecimento da música pop que, desde o fim da década de sessenta do século passado, passou a dominar as nossas rádios, ultrapassando a difusão radiofónica musical em português, fixou-se, nas gerações mais jovens, a ideia de uma relação sinonímica entre modernidade e vanguardismo e a língua inglesa.

Inconsciente ou involuntariamente, o francês passou a ser visto como o idioma estrangeiro dos mais velhos, uma língua a evitar. O que foi agravado pela crescente origem e proveniência, hoje maioritária, de artigos, textos, investigação, avanços tecnológicos e publicações científicas de países anglófonos, favorecendo o desenvolvimento e expansão em áreas populares impactantes, como as artes do espetáculo (cinema, música, televisão) e mais elitistas (ciência, escultura, literatura, pintura). O processo intensifica-se em países em vias de desenvolvimento, ao verem no inglês um idioma necessário e de prestígio.

2. Acresce a entrada em uso e a difusão da internet, fazendo o culto da língua inglesa, com as adaptações linguísticas e neologismos dela derivados, ampliando-a e cimentando-a como língua de exportação e universal. Os neologismos, embora um sinal de vitalidade linguística, dado que uma língua ausente deles é tida como morta, se forem tão só palavras importadas de outros idiomas (empréstimos e estrangeirismos), carecem de uma intervenção que possibilite a sua integração harmoniosa no idioma importador. Por maioria de razão quando importados de línguas com sistemas fonológico e morfológico diferenciados dos da língua importadora, como sucede com o inglês e o português. A entrada e importação cega, indiferenciada e massiva de palavras importadas pode conduzir à descaraterização da língua de acolhimento e importadora, levando a que esta se desvalorize e inferiorize como língua de ciência, técnica e tecnológica, deixando de ser usada em tais contextos, com perda de estatuto.
Carecemos, em Portugal, de uma instituição apta a dar resposta às necessidades de um mundo em constante evolução, encarregada de proceder à normalização do português em termos científicos, económicos e tecnológicos, entre outros e, em particular, dos seus neologismos. Inexiste, no nosso país, uma Academia com competências similares às da Academia Francesa ou Espanhola, faltando um investimento programado que estabeleça prioridades na investigação sobre o português para fins específicos.

3. Apesar de essencial e a língua número um da internet, a generalização do inglês omite um efeito previsível. Com a sua aprendizagem e ensino massificado, dentro de uma geração, ou menos, saber inglês e navegar na internet vai ser uma ferramenta imprescindível de qualquer trabalhador não qualificado. Vai sendo cada vez mais useiro e vezeiro dominar o inglês e a internet, deixando de ser, gradual e crescentemente, um elemento diferenciador, um acréscimo de especialização e qualificação a nível global. À medida que se banaliza e massifica, torna-se normal e indiferenciado, o que começou por ser diferenciador e qualificado. Para quem só fala inglês e domina a internet, é uma perceção cada vez mais consolidada, o que revela bom senso e a constatação de uma realidade, em detrimento de uma pretensa superioridade.
Daí ser errado pensar que basta o inglês e a sua afinidade com a internet, sendo também insuficiente pensar, no curto prazo, que precisaremos apenas de dois idiomas para comunicar com estrangeiros e na net: o nosso e o inglês.
Não sendo o mundo bipolar, mas multipolar, um maior conhecimento de várias línguas, para além da materna e do inglês, é uma mais valia imprescindível na especialização, qualificação e diferenciação, inclusive via políticas de língua e de planificação linguística na internet. Sendo certo que o conhecimento e estudo multivariado das línguas, mesmo que artificiais ou mortas, traz vantagens culturais e interculturais, comerciais, financeiras, de capacidades criativas e de expressão e, é claro, de especialização e qualificação.

4. O mesmo releva no que toca à aprendizagem e estudo do português, desde logo pelas suas caraterísticas de língua de comunicação global e internauta divulgando-a, em crescendo, como língua de exportação. Aproveitando uma tradição baseada em contactos, ao longo de séculos, com outros povos, por exemplo o facto de línguas asiáticas e orientais terem tido os primeiros contactos linguísticos com o ocidente através de dicionários em português onde, em tempos idos, foi língua franca.
Não temos, porém, uma política da língua, nem de planificação linguística, não só a nível interno, como em termos lusófonos. É frustrante, até agora, o que se passa na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, ao pretender criar e consolidar um espaço geopolítico, que tem por principal elo de união a língua portuguesa, sem uma estratégia minimamente credível e concertada para promover a sua difusão e uso, não esquecendo o inoperante Instituto Internacional da Língua Portuguesa. A que se soma a ausência de investimento programado e sério na investigação sobre o português, lançando as bases para a sua defesa na internet e criando organismos coordenadores da sua terminologia, mono e multilingue, para fins específicos e especializados.

 

06.12.2016

Joaquim Miguel De Morgado Patrício