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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

De 12 a 18 de fevereiro de 2024


«Istambul – A História de Três Cidades» de Bettany Hughes (Planeta, 2023) permite-nos compreender como uma cidade que se encontra na fronteira entre o Ocidente e o Oriente pode ajudar-nos a entender a importância do diálogo entre culturas diferentes e complementares.

TRÊS CIDADES APAIXONANTES
Bettany Hughes, historiadora e publicista, venceu em 2018 o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva, atribuído pela Europa Nostra, representada em Portugal pelo Centro Nacional de Cultura. O prémio foi-lhe atribuído pelo trabalho que tem realizado em livros e documentários televisivos na defesa e divulgação do Património Cultural europeu e universal. Estava-se no ano europeu dedicado ao tema e a sua atribuição correspondeu à exigência de pôr a tónica na noção abrangente de Património, não como realidade do passado, mas como realidade viva, envolvendo a herança recebida das gerações anteriores, incluindo a criação contemporânea – numa ligação íntima entre património material e imaterial, monumentos e tradições, natureza e paisagem, arte e ciência, considerando a História como realidade de que somos todos protagonistas. Daí a importância do património comum da humanidade, enquanto fator de paz e desenvolvimento, como salienta a Convenção de Faro, do Conselho da Europa sobre o valor do Património Cultural na sociedade contemporânea. O livro de Bettany Hughes de que falamos (Istambul, A História de Três Cidades, Crítica - Planeta, 2023) data originalmente de 2017 e constitui um notável testemunho sobre a importância de uma urbe de referência, que envolve a história de três cidades, num ponto de encontro único entre o Oriente e o Ocidente. Se nos reportamos ao Mediterrâneo mítico, quando avistamos o Bósforo da cidade de Istambul, lembramo-nos da deslumbrante paisagem do estuário do Tejo, e percebemos que as duas cidades se relacionam numa relação mimética. Não espanta, por isso, que muitos testemunhos recordem como Calouste Gulbenkian, quando vivia em Lisboa, no alto do Monsanto, recordava embevecido, em tardes amenas, a sua terra natal, olhando o estuário do Tejo. Por isso, muitas gravuras de Constantinopla assemelham-na a Lisboa e os clássicos, ao elegerem Ulisses como mítico fundador da cidade, fizeram-no, por certo, a pensar nessa íntima ligação mediterrânica.

 

UMA HISTÓRIA INESGOTÁVEL. - Bizâncio, Constantinopla e Istambul são pontos de ligação entre o Oriente e o Ocidente, o Norte e o Sul. Durante os seus mais de oito mil anos de história, estamos perante uma capital de Impérios, o romano, o bizantino e o otomano, onde se estabeleceram fenícios genoveses, venezianos, judeus e vikings. Há um movimento permanente de gente, de comércio, de transportes, de negócios – que constitui uma importante Economia-Mundo que nos leva a compreender a importância da cidade, para além das mil vicissitudes que acompanham a sua história. Quando lemos o retrato de Orhan Pamuk da sua cidade compreendemos bem que qualquer simplificação impede a compreensão das virtualidades desse encontro de culturas e de vontades. Centremo-nos em Santa Sofia – Haghia Sophia. Para Bettany Hughes tudo na cidade se desenrola e desenvolve em torno deste verdadeiro símbolo da humanidade. É um modelo de arte e de audácia. A cúpula dourada apresenta-se como suspensa no ar, representando a gravidade, a graça e a transcendência, servidas por uma construção exemplar que recorre a uma grande heterogeneidade das matérias-primas – tijolos de Rodes, pinturas, mosaicos, pilares, arquitraves, tetos revestidos a prata, mármore vindo de todo o império bizantino. Imagens poderosas representam uma espiritualidade pujante e serena. As memórias de Teodora e Justiniano (século VI) estão bem evidenciadas neste que foi durante cerca de mil anos o maior templo cristão da humanidade. E o fascínio da cidade corresponde à evidente complementaridade entre as diferentes fases históricas que a caracterizaram. Os vestígios bizantinos estão bem presentes no centro histórico, designadamente nas muralhas internas e externas construídas por Teodósio, avultando os complexos sistemas de cisternas subterrâneas para captação e fornecimento de águas. A magnífica Porta Dourada era o terminal da Estrada Romana, e quando hoje visitamos as ruas comerciais do centro histórico, na Sultanahmet, quase não nos apercebermos de que no dédalo complicado de vielas, pisamos o que foi outrora a via usada pelos Imperadores bizantinos nos grandes cerimoniais.

 

SETE COLINAS – COMO ROMA E LISBOA. - A cidade é antiga, plena de recantos e segredos, a que não faltam as Sete Colinas, que unem nas suas raízes a antiga Roma à cidade de Constantino e até a Lisboa. Quando percorremos um compêndio de História sobre a cidade, encontramos mil relatos de batalhas e combates. Não é estranho imaginá-lo, já que hoje mesmo estamos paredes meias com o tremendo conflito ucraniano e a evocação renascida da Guerra da Crimeia. O Bósforo é a fronteira da Europa e da Ásia, mas apenas foi aberto como o conhecemos 5500 anos antes da nossa Era. Foi o resultado de um gigantesco e dramático movimento de águas, que elevou o nível do Mar em cerca de 70 metros… E o certo é que o Bósforo hoje ainda esconde um curso de águas doces. Contudo esta ligação do Mar Negro ao Mediterrâneo encerra um potencial de espanto, de riqueza e de risco para a cidade, já que se permite o acesso da Rússia aos mares quentes do Sul e garante à Turquia a influência no Levante Mediterrânico.

 

Quando Constantino escolheu Bizâncio para sua capital ponderou seriamente as vantagens nas rotas do Oriente, preferindo a cidade do Bósforo à hipótese mítica de regresso ao que teria sido a antiga cidade de Tróia, onde quer que a mesma se tivesse situado verdadeiramente. Em 28 de outubro de 312 a vitória de Constantino sobre Maxêncio na Batalha da Ponte Mílvia abriria caminho a um período novo da história romana. Pouco antes da batalha teria mandado que pintassem nos escudos dos soldados uma cruz, tendo ainda avistado nos céus o milagroso lema “In Hoc Signo Vinces” (também invocado pelo nosso D. Afonso Henriques na mítica batalha de Ourique). Constantinopla seria capital do Império Romano de 330 a 395 e depois do Império Romano do Oriente (395-1204 e 1261-1453) e ainda do Império Latino (1204-1261). Mas foram os efeitos dramáticos da Quarta Cruzada que deixaram uma onda irreversível de destruição em Constantinopla, de que a cidade nunca recuperaria, sobretudo em razão de uma governação frágil e caótica no período do chamado Império Latino. O Império Bizantino seria reduzido à cidade, que se tornou um enclave dentro do Império Otomano, até que o sultão Maomé II tomou Bizâncio após um cerco de cerca de um mês em 1453, tornando-se a cidade capital otomana, em lugar da antiga Adrianópolis (Edirne). E foi o acontecimento de 1204 que contribuiu decisivamente para a destruição de Bizâncio e do Império Romano do Oriente. Bettany Hughes não tem dúvidas, porém, sobre o facto de Istambul ser ainda a capital não oficial da Turquia – “com muita da energia e vibração cosmopolita de que desfrutou ao longo da História”. Eis como o património cultural vivo marca o tempo.


Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença

PAZ ENTRE AS RELIGIÕES, PAZ ENTRE AS NAÇÕES


1. A Basílica de Santa Sofia, em Constantinopla/Istambul, inaugurada pelo imperador Justiniano no século VI e dedicada a Cristo, Sabedoria de Deus, foi durante quase mil anos o maior templo cristão, impondo-se pela sua beleza e majestade. Muitos que lá entraram e contemplaram a cúpula, com 55 metros de altura e 30 de diâmetro, e o Cristo Pantocrator a olhar do alto disseram ter feito uma experiência do Céu.

A sua história tem sido atribulada. Foi realmente durante quase um milénio (537-1453) o santuário mais significativo da cristandade; a seguir ao Grande Cisma (1054), tornou-se a igreja mais importante dos cristãos ortodoxos, que os católicos, no tempo das cruzadas, conquistaram e dominaram (1204-1261); depois, durante quase 500 anos (1453-1931), tornou-se, com a conquista de Constantinopla, a mesquita “imperial” mais importante do islão, tendo Constantinopla passado a chamar-se Istambul, pois era tal o esplendor e a força de Constantinopla que não se dizia “ir a Constantinopla” mas “ir à cidade” (em grego: eis tên polín). Em 1931, depois da dissolução do império otomano,  Mustafá Kemal Atatürk, fundador da Turquia moderna, como sinal da laicidade do Estado, dessacralizou-a e transformou-a num “museu oferecido à Humanidade”, aberto ao público em 1935 já com os vitrais e os ícones cristãos, que tinham sido cobertos com gesso, porque o islão proíbe as imagens, e, em 1985, declarado património mundial da Humanidade pela Unesco. O actual presidente da Turquia, Recep Erdogan, decretou, no passado dia 10, que voltasse a mesquita, recomeçando a ser lugar de oração a partir de ontem, dia 24. Entretanto, o Governo turco assegurou que terá os mosaicos com imagens cristãs tapados durante as orações e que continuará aberta ao turismo, nacional e estrangeiro, com entrada gratuita (até agora, as visitas rendiam 50 milhões de euros anuais).

 

2. As reacções à reconversão em mesquita por Erdogan choveram de todo o lado. A Grécia, a Unesco, a Rússia, os Estados Unidos manifestaram inquietação. O governo grego foi dos primeiros a reagir, qualificando a decisão de “provocação ao mundo civilizado”. O Papa Francisco, logo no dia 12, na oração do Angelus, disse: “O meu pensamento vai para Istambul, penso em Santa Sofia e sinto muita dor”. É natural que os cristãos ortodoxos se exprimam de modo mais contundente, pois Santa Sofia é simbolicamente para a Igreja ortodoxa o que São Pedro é para os católicos. Assim, a Igreja da Grécia, antes ainda da reconversão, lembrou que Santa Sofia é uma “obra-prima, mundialmente reconhecida como um dos monumentos eminentes da civilização cristã. Toda a mudança provocará um vivo protesto e a frustração entre os cristãos de todo o mundo, e prejudicará a própria Turquia.” Sua Beatitude Jerónimo II, arcebispo de Atenas, qualificou a decisão de “insulto à ortodoxia, ao cristianismo em geral e a toda a pessoa sensata”, instrumentalizando a religião para conveniências partidárias, geopolíticas e geoestratégicas. A Igreja ortodoxa russa antevê que possa ter “graves consequências para toda a civilização humana”. O patriarca Cirilo de Moscovo declarou que “uma ameaça a Santa Sofia é uma ameaça ao conjunto da civilização cristã.” O Conselho Ecuménico das Igrejas, que reúne 350 Igrejas cristãs no mundo, exprimiu o seu “pesar e consternação”; para o seu secretário-geral, I. Sauca, Santa Sofia era uma bela prova da “ligação da Turquia à laicidade”. A França “deplorou” a mudança, enquanto a Unesco poderá rever o seu estatuto, considerando “lamentável” a decisão tomada “sem diálogo nem notificação prévia”.

3. Sempre que se fala em religião/religiões vem inevitavelmente à mente a declaração célebre do teólogo Hans Küng: “Não haverá paz entre as nações sem paz entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões sem diálogo entre as religiões. Não haverá sobrevivência do nosso planeta sem um ethos (atitude ética) global, sem um ethos mundial.”

Condição essencial para a paz entre as religiões e  para que haja liberdade religiosa é a laicidade do Estado, a não confundir evidentemente com laicismo. O Estado não pode ser confessional, não pode ter nenhuma religião, precisamente para garantir a liberdade religiosa de todos. Erdogan, porque está a perder poder, quer apoiar-se nos sectores mais islamistas e ultranacionalistas. De facto, como disse o turco Ohran Pamuk, Nobel da Literatura, “esta reconversão é dizer ao resto do mundo que, infelizmente, não somos um Estado laico”. Deste modo, acabou por dar um duro golpe no diálogo inter-religioso, que tem a sua prova de verdade no combate comum pela paz, pela justiça, por aquele ethos que Hans Küng refere e que está presente no documento histórico, a que aqui me referi amplamente, “A Fraternidade Humana”, assinado em Abu Dhabi pelo Papa Francisco e pelo Grande Imã da Universidade Al-Azhar, no Cairo. Não há dúvida de que, transformando Santa Sofia em mesquita e aliando religião e nacionalismo, Erdogan “pode criar um terreno fértil para a intolerância religiosa e a violência”, alertou a Conferência de Igrejas Europeias.

Erdogan foi perigosamente muito longe, ao celebrar, no discurso oficial em árabe —a referência não é mencionada nem na versão em turco nem em inglês —, esta reconversão como um primeiro passo de um “renascimento” islâmico, que deve ir de Bucara, no Uzbequistão, a Al Andalus, Espanha: ele “é o símbolo do regresso do sol nascente da nossa civilização islâmica”.

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 26 JUL 2020

A VIDA DOS LIVROS

De 19 a 25 de novembro de 2018.

 

Quando lemos “Istanbul – A Tale of Three Cities” de Bettany Hughes (Weidenfeld & Nicolson, 2017) compreendemos como a encruzilhada da História nos permite entender a incerteza e a mudança, a complexidade e as diferenças.

 

PATRIMÓNIO CULTURAL, REALIDADE VIVA
No Ano Europeu do Património Cultural, a atribuição do Prémio Europeu Helena Vaz da Silva para a Divulgação do Património Cultural, constitui um momento especial pela sua entrega a Bettany Hughes, de nacionalidade inglesa, historiadora, autora consagrada e responsável por programas de televisão e de rádio de extraordinária qualidade. Depois de Claudio Magris, Ohran Pamuk, Jordi Savall, Plantu, Eduardo Lourenço e Wim Wenders, o júri deliberou por unanimidade e em coerência com o espírito do Prémio, atribuir o galardão de 2018 a uma mulher que tem, ao longo da sua vida e obra, cultivado a memória histórica como fator de compreensão, de conhecimento e de salvaguarda da diversidade e do respeito mútuo. Entender a heterogeneidade das raízes e das culturas é perceber melhor quem somos, de onde vimos e como nos devemos relacionar com os outros. Helena Vaz da Silva é um exemplo bem presente quando falamos do património e da memória como realidades vivas. Foi notável a sua contribuição não só para o respeito do património cultural, mas também para a defesa dos ideais universalistas do humanismo e da cidadania ativa. O património cultural é uma realidade dinâmica e multifacetada – que abrange o que recebemos das gerações que nos antecederam, mas também a semente da contemporaneidade, de modo a criar valor através do incessante movimento da criatividade humana. Como afirma a Convenção de Faro do Conselho da Europa assinada em Portugal em 2005: “O património cultural constitui um conjunto de recursos herdados do passado que as pessoas identificam, independentemente do regime de propriedade dos bens, como um reflexo e expressão dos seus valores, crenças, saberes e tradições em permanente evolução inclui todos os aspetos do meio ambiente resultantes da interação entre as pessoas e os lugares através do tempo”. É esse valor que desejamos proteger.

 

UM PRÉMIO PARA O FUTURO
Instituído pelo Centro Nacional de Cultura em 2013 em cooperação com a Europa Nostra, a principal organização europeia de defesa do património, que o CNC representa em Portugal, e o Clube Português de Imprensa, o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva distingue contribuições excecionais para a proteção e divulgação do património cultural e dos ideais europeus. Num tempo em que há nuvens negras no horizonte no tocante a uma perspetiva humanista de cooperação humana e social – numa ameaçadora articulação dos riscos das mudanças climáticas, da saúde, da segurança alimentar, de proteção do planeta e dos perigos inerentes à ciber-segurança – torna-se necessário encontrar respostas capazes de articular a coesão social, a sustentabilidade humana e as novas dimensões do conhecimento. Os quatro cavalos que constituem o símbolo da Fundação Calouste Gulbenkian representam os domínios centrais da ação numa sociedade que se deseja mais humana – falamos da arte, da educação, da ciência e da filantropia. Só pela ligação desses meios poderemos garantir que a informação se torna conhecimento e o conhecimento sabedoria, e que as tecnologias se possam tornar instrumentos úteis e emancipadores ao serviço da pessoa humana. Eis por que razão a valorização do Património Cultural pode constituir-se em fator de dignificação humana. Bettany Hughes é uma reconhecida historiadora que dedicou os últimos vinte cinco anos à comunicação do passado. Mas não se trata de uma visão retrospetiva centrada num tempo pretérito, mas sim de uma leitura dinâmica das raízes, da História, do tempo, das culturas, dos encontros e desencontros, numa palavra: da complexidade. A especialidade da História e da Cultura da Antiguidade e da Idade Média da nossa premiada permite-nos perceber melhor os acontecimentos como desafios permanentes para compreender o que permanece e o que muda, o que une e o que diferencia, o que articula e o que complementa.

 

UM PERCURSO NOTÁVEL
Bettany Hughes tem um percurso notável que abrange as Universidades de Oxford, Cambridge, Cornell, Bristol, Maastricht, Utrecht ou Manchester. Devemos ainda recordar a tutoria no Institute of Continuing Education de Cambridge e a investigação no King’s College de Londres bem como a participação no New College of the Humanities. Quando percorremos as suas obras sentimos a noção viva de memória, como em “Helena de Tróia” (2005), mas também em “The Hemlock Cup: Socrates, Athens and the Search for the Good Life (2010), finalista do Writers Guild Award. Permito-me referir os mais de 50 programas de rádio e televisão que produziu e realizou para entidades diferentes como o BBC, Channel 4, Discovery, ou National Geographic. Falamos de programas vistos por mais de 250 milhões de telespectadores em todo o mundo. E é a pedagogia do património cultural que permite compreendermos melhor a cultura, a paideia ou a humanitas, de que falava Cícero. Assim, a História e as Humanidades têm permitido a Bettany Hughes realizar uma verdadeira pedagogia de cidadania e de humanidade, sobretudo no que diz respeito à defesa dos direitos de todos, e em especial das mulheres e à salvaguarda das diferenças e do respeito mútuo. Bizâncio, Constantinopla, Istambul são três referências que nos levam ao estabelecimento de necessárias pontes entre o Oriente e o Ocidente, entre o Imperio Romano do Oriente e os Impérios Orientais. Se Istambul é mais do que uma cidade, mas uma história, indispensável se torna conhecer e compreender essa realidade com ao menos seis mil anos. Trata-se de uma mosaico fantástico de fenícios, genoveses, venezianos, judeus, vikings… E ao invocar este caleidoscópio mágico vem à memória o testemunho de Calouste Gulbenkian, que, em Lisboa, nos últimos anos de vida pedia para usufruir da paisagem da cidade sobre o rio Tejo, uma vez que considerava ser a paisagem que mais se assemelhava à de Istambul de sua infância. Também Ohran Pamuk disse que entre Lisboa e a antiga Constantinopla havia semelhanças extraordinárias. E quanto às raízes históricas, aqui estiveram os fenícios que criaram a cidade, aqui chegaram os celtas desde a Capadócia até à Finisterra peninsular, aqui passaram os vikings e os marinheiros do Mar Norte, resultando a caravela da confluência das experiências do Atlântico e do Mediterrâneo e a navegação pelos astros graças ao astrolábio dos saberes vindos da Ásia trazidos pelas culturas de judeus e árabes. Quantas cidades encontramos no património cultural comum que nos deve mobilizar? Quantas culturas? Quantas pessoas? Bettany Hughes tem-nos ensinado a conhecê-lo, a defendê-lo e a amá-lo!

 

Guilherme d'Oliveira Martins
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