Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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A publicação da obra de Jürgen Habermas Uma Outra História da Filosofia – I – A Constelação Ocidental da Fé e do Saber, com tradução de José Lamego (Gulbenkian, 2024), constitui um acontecimento assinalável.
A publicação na coleção dos clássicos da Fundação Calouste Gulbenkian da obra de Jürgen Habermas Uma Outra História da Filosofia – I – A Constelação Ocidental da Fé e do Saber, com tradução de José Lamego, constitui, de facto, um acontecimento assinalável, incompatível com uma apreciação superficial de algo profundamente pensado pelo seu autor, que é hoje “indubitavelmente o filósofo alemão com maior projeção e o modelo, por excelência, do ‘intelectual público’ intervindo regularmente na imprensa”, com participação marcante nos principais debates sociais e políticos. Ao pôr mãos à obra na História da Filosofia, começa por se perguntar que sentido têm hoje as bem conhecidas perguntas de Kant: “Que posso saber?”, “Que devo fazer?”, “Que me é permitido esperar?” e “O que é o homem?”. E confessa não estar seguro sobre se a filosofia, tal como a conhecemos, ainda tem futuro. “Tal como todas as disciplinas, a filosofia segue a tendência de um acréscimo contínuo de especialização”. Nuns casos presta serviços analíticos e conceptuais para as ciências cognitivas, noutros há uma fragmentação perante a crescente necessidade de aconselhamento nos campos da economia, da bioética e da ética ambiental. Ora, se para as ciências em geral a especialização corresponde a um progresso, para a filosofia não pode perder-se a visão de conjunto. Ora, ao dirigir-se ao todo, a filosofia não pode aspirar a uma visão metafísica nem a uma perspetiva científica. “A questão que me move (diz Habermas) é a de saber o que restaria da filosofia se ela (…) não procurasse contribuir para o esclarecimento racional da compreensão que temos quer de nós próprios, quer do mundo – esta disjunção sublinha precisamente a temática que, com o avanço da especialização, ameaça acabar por se desvanecer”. E assim o acréscimo do conhecimento do mundo exige a referência ao todo, evitando tentar saber mais sobre cada vez menos.
A FILOSOFIA COMO COMPREENSÃO A filosofia não pode resignar-se perante a crescente complexidade da nossa sociedade e do nosso conhecimento, devendo encorajar os nossos contemporâneos a fazerem o uso autónomo da razão para terem um papel positivo no moldar da sua existência social. Como usar a nossa liberdade racional? Para Habermas, a filosofia apenas pode assegurar a independência do seu julgamento mediante uma autorreferência de natureza histórica – assumindo uma configuração pós-metafísica, segundo a qual a emancipação com vista ao uso da liberdade racional significa ao mesmo tempo, libertação e vinculação normativa. “O afastamento pós-metafísico da crença numa justiça redentora ou ‘salvífica’ permite ter em conta a disponibilidade para a cooperação que os sujeitos socializados em termos comunicacionais devem esperar com vista a fazerem o uso da sua liberdade racional”. Eis a preocupação que ocupa o filósofo nesta sua reflexão panorâmica sobre a fé e o saber, na procura de um fio condutor para encontrar a genealogia de um pensamento pós-metafísico, que mostre como a filosofia se apropriou de conteúdos essenciais das tradições religiosas e se transformou num saber suscetível de fundamentação. Importa, assim, assumir uma atitude de abertura e de diálogo, envolvendo a fé e o saber, com disponibilidade para uma aceitação recíproca de pontos de vista. Daí a demarcação de uma atitude secularista esclerosada, urgindo um diálogo como o que o filósofo entabulou com Johann B. Metz, com evidentes frutos positivos. E essa perspetiva genealógica obriga não apenas a evidenciar as circunstâncias contingentes, a que conduziram os processos de aprendizagem, mas também a insistir nos argumentos a favor de um conceito compreensivo da razão.
UM PENSAMENTO PONDERADO Este volume de uma obra longamente ponderada pelo autor, começa por equacionar a questão da genealogia do pensamento pós-metafísico, formulando os cenários de crise e do declínio das grandes teorias filosóficas do século XX, até à pretensão de universalidade do pensamento pós-metafísico, continuando na análise das raízes sacrais das tradições do “período axial” de Karl Jaspers – ou seja, o eixo em torno do qual a rotação da história universal como que se acelerou, cerca de 500 a.C., com inerente transformação da consciência religiosa. Daí a necessidade de uma comparação provisória das imagens do mundo nesse período axial, prosseguindo na análise da simbiose da Fé e do Saber no Platonismo cristão e do surgimento da Igreja Católica Romana e da diferenciação progressiva entre Sacerdotium e Regnum, com os desafios colocados por Aristóteles à teologia do século XIII, com as respostas de Tomás de Aquino e a ontologização da ética aristotélica, com consequente transformação da filosofia prática. E o presente volume culmina com as reorientações filosóficas conducentes à modernidade científica, religiosa e político-social. Duns Escoto introduz a mudança de paradigma e Guilherme de Ockam opera a “revolução nominalista”, aproximando-nos da teoria funcionalista do poder estadual, representada por Nicolau Maquiavel, preocupado com a unificação italiana e por Francisco de Vitória com a necessidade de aperfeiçoar a legitimação. Para Maquiavel, com base no exemplo da República Romana, importaria considerar a convergência entre a estabilidade do poder e as qualidades do Estado, da sociedade e da população suscetíveis de legitimar o regime republicano. Este, para ser virtuoso, não depende da liberdade, da moralidade, da razão política dos cidadãos, mas da estabilização das instituições. Deste modo, os problemas da legitimação são subalternizados em relação aos problemas de estabilização do poder. Maquiavel negligencia, porém, a relação entre o poder político e o direito. Mas dois acontecimentos vão obrigar a reequacionar o pensamento jusnaturalista cristão: a chamada guerra dos camponeses e a inclusão colonial de povos pagãos.
UMA EVOLUÇÃO RICA A guerra dos camponeses representa para o Império, para os territórios dos príncipes locais e para os domínios eclesiásticos o prelúdio da dissolução do poder temporal da Igreja, com passagem do domínio fundiário senhorial para as relações jurídicas modernas e para o direito à propriedade privada. Já Francisco Vitória afirma em De Indis que os “bárbaros”, se antes da chegada dos espanhóis tinham o dominium sui et rerum, não lhes poderia ser negado o direito de disporem livremente de si e das suas propriedades, devendo ser considerados pessoas jurídicas autónomas, não havendo o direito de os subjugar, devendo a fé cristã ser livremente assumida com base na convicção. Antecipa-se, deste modo, o conceito moderno de autonomia individual. Por isso, haveria que favorecer compromissos devidamente esclarecidos. No entanto, haveria que justificar a legitimidade do poder colonial, pelo que, forçando a nota, a guerra e a submissão colonial acabariam por se justificar pela resistência à incorporação dessas comunidades no sistema de domínio colonial… Habermas dá-nos, assim, nesta obra fundamental, uma visão compreensiva da evolução da filosofia contemporânea como fator de autonomia e de responsabilidade.
Jürgen Habermas acaba de publicar uma importante reflexão sobre a Guerra e a Paz na Europa.
REFLEXÃO SÉRIA E NECESSÁRIA Jürgen Habermas procede a uma reflexão séria e necessária sobre o perigoso momento que vivemos. A guerra da Ucrânia, às portas da Europa, obriga à consideração de diversos dilemas de difícil resposta, com milhares de vidas humanas sacrificadas todos os dias, que continuam a aumentar com o decurso do tempo. Importa, assim, agir, até para que não se cometam erros irreversíveis, que imediatamente podem resultar da natural preocupação de chegar a uma solução urgente que possa calar as armas, mas que poderão conduzir a prazo ao recrudescer mais intenso e trágico de um conflito de proporções e consequências imprevisíveis. Daí a necessidade de haver cabeça fria e nervos de aço, a fim de que os objetivos de curto prazo sejam pensados à luz de soluções de longo termo, que preparem o pós-guerra, que salvaguardem o respeito dos princípios da Carta das Nações Unidas e que permitam um equilíbrio durável no centro e leste da Europa. De facto, os acontecimentos de 1989 e a queda do muro de Berlim não permitiram a criação de um “modus vivendi” duradouro que integrasse a Federação Russa na balança da Europa e do Mundo, numa lógica de multipolaridade e com respeito e salvaguarda de uma cultura de paz. E essa é a urgência que agora se exige. O texto de Habermas, publicado no “Süddeutsche Zeitung” (15.2), procede à consideração da necessidade de não permitir que haja no terreno de guerra factos consumados, que abram caminho à violação de direitos fundamentais e à condenação irreversível de muitas vidas humanas inocentes. Partimos do reconhecimento «da importância do destino doloroso duma população que depois de vários séculos de dominação estrangeira – polaca, russa, mas também austríaca – apenas adquiriu a sua independência e a sua soberania depois da queda a União Soviética. Entre todas as nações europeias que registam um atraso de reconhecimento, a Ucrânia é agora aquela onde tal se manifesta mais claramente. Estamos, sem dúvida, ainda perante uma nação em concretização». Contudo os partidários do apoio à Ucrânia vêem-se divididos quanto ao momento e às condições considerados oportunos para as negociações de paz. Uma parte considera prioritária a exigência do governo ucraniano que reclama um apoio militar sem limites para vencer a Rússia e restaurar a integridade territorial do país, incluindo a Crimeia, enquanto a outra parte deseja forçar as tentativas para instaurar um cessar-fogo, a fim de se iniciarem negociações que possam evitar uma possível derrota, ao menos com o restabelecimento da situação anterior a 23 de fevereiro de 2022. Na análise de Habermas há referências marcantes: como afirmou o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Lituânia Gabrielius Landsbergis, “torna-se necessário ultrapassar o medo de querer vencer a Rússia”, devendo acrescentar-se que tal não pode ser visto de modo puramente voluntarista. Apesar das hesitações, a posição do chanceler alemão Olaf Scholz de apoio à Ucrânia está condicionada pela distinção entre o apoio a uma causa e a entrada efetiva na guerra. Urge, assim, considerar que a posição do governo alemão deve ser acompanhada por uma reflexão pública sobre o difícil caminho que deve conduzir a negociações. E Habermas junta-se a esta atitude, porque considera ser justo dizer que “a Ucrânia não deve perder a guerra”. Daí que a situação obrigue a negociações de carácter preventivo, para impedir que uma guerra longa faça mais mortos e destruições e para que não cheguemos no fim das contas a uma escolha dramática entre um envolvimento direto na guerra ou o abandono da Ucrânia à sua sorte. Urge, porém, impedir o desenvolvimento de um conflito, em termos semelhantes ao que ocorreu na primeira guerra mundial, com a agravante de agora termos potências nucleares. Há, no entanto, dois aspetos que obrigam a uma complexa reflexão – de facto, quando se fala em “não permitir que a Ucrânia perca a guerra” tal não significa “derrotar a Federação Russa”. Importa, sim, falar de um dever político de apoiar o direito da Ucrânia no combate corajoso contra a agressão lançada, de modo criminoso, pela Rússia em violação do direito internacional, contra a existência e a independência de um Estado soberano reconhecido pelas Nações Unidas.
DE NOVO COMO EM VERDUN A que se assiste neste momento em Bakhmout no norte do Donbass? A um combate bárbaro com perdas muito importantes dos dois lados, à semelhança do que ocorreu na primeira guerra mundial em Verdun (de fevereiro a dezembro de 1916), na mais longa e mortífera batalha na guerra das trincheiras. Não podemos assistir indiferentes. “Nas guerras - diz Habermas – a vontade de vencer o adversário é acompanhada pelo desejo de terminar com a morte e a destruição. Mas na medida em que as devastações aumentam pelo poder das armas, a importância relativa das tais prioridades inverte-se”. É essa a tragédia a que assistimos. Não podemos esquecer, porém, que no fim da segunda guerra mundial a violência teve ser pacificada por meios políticos e jurídicos e por novas formas de regulação de conflitos. A Carta das Nações Unidas de 1945 e o Tribunal Internacional de Justiça da Haia revolucionaram o direito internacional, prevendo a regulação de conflitos internacionais por meios pacíficos. Ora, é à luz de tais princípios que tem de se afirmar que “a Ucrânia não deve perder a guerra”. De facto, esta guerra desencadeada por Vladimir Putin significa um recuo civilizacional, que suscita um dilema, já que regressamos à velha perspetiva amigo-inimigo que as Nações Unidas procuraram superar, mas a verdade é que não há sinais de que Putin deseje optar pela lógica da razão. A lógica multilateral tem de ser privilegiada. “E, de um modo geral, esta guerra chama a atenção para a necessidade urgente de uma regulamentação em toda a região da Europa central e oriental que ultrapasse os objetos do litígio dos atuais beligerantes”. Desde os acordos de desarmamento às condições económicas globais, importa encarar com clareza os diferentes aspetos em causa. E se os Estados Unidos estão disponíveis para participar em negociações globais, do mesmo modo que a posição da República Popular da China inclina-se para a limitação do recurso ao poder nuclear, importa criar condições para uma negociação séria que ponha termo à guerra. Referindo-se, deste modo, a uma rede de interesses bastante alargada, apesar das exigências imediatas parecerem diametralmente opostas, deve-se trabalhar para um compromisso que respeite princípios essenciais e que permita salvar a face das partes. O caminho parece ser muito estreito, mas a reflexão de Habermas merece especial atenção. Uma cultura humanista e uma civilização baseada na justiça têm de ser chamadas à ordem dia, até por uma questão de sobrevivência!
O grande pensador que nos diz: envergonha-te de morrer antes de teres alcançado uma vitória para a humanidade.
No passado dia 28 do corrente na Fundação Calouste Gulbenkian colocaram-se as questões inerentes aos livros e às leituras, tendo em conta os desafios da era digital.
Debater o papel do livro e da leitura na era da internet tendo como convidado o filósofo e sociólogo alemão, Habermas, figura central do pensamento contemporâneo que desde logo, confessa:
No meu trabalho diário sentir-me-ia perdido sem o meu computador pessoal, mas não sou verdadeiramente um habitante do novo espaço virtual. Não participo nas redes sociais, não leio 'e-books' e de tempos a tempos escuto os relatos da minha neta sobre o seu admirável mundo novo.
Gomes Canotilho deu-nos conta que em 2010 Habermas falhou a presença em Portugal por razões de saúde. Desta feita aceitou fazer a viagem até Lisboa por se tratar de uma conferência sobre educação
Habermas um dos mais influentes filósofos do mundo a dois passos de física distância disse-nos: temos um ascensor comum.
Na semana passada, tinha lecionado uma aula sobre a Europa alertando, naturalmente, para os raciocínios de Jügen Habermas.
Expressei o que entendia ser a necessidade de uma política de saúde comum entre os povos, nos quais enfim, até se enraízam os mesmos princípios constitucionais, mesmo que sem as mesmas origens étnicas, linguísticas ou culturais.
Recordei a importância da Europa no pensamento de Habermas e que atravessa áreas como a ética, a filosofia da religião, a linguagem, a estética, entre outras temáticas, e recordando que a Fundação C.G. já editara este ano a obra de Habermas “A transformação estrutural da esfera pública”.
Para o filósofo, "no caso da pós-democracia, a perceção é a de que os governos não só perderam a vontade como também a força para intervir de modo a alterar o estados dos mais desfavorecidos".
Deste modo, poderemos colocar a possibilidade de alargar as fronteiras da legitimação democrática para lá das fronteiras do estado-nação?
Habermas entende que a transnacionalização da democracia oferece uma saída que não se compadece com a apatia do mundo ocidental, nem com o distanciamento em relação aos políticos, existindo mesmo uma exigência, por parte dos cidadãos e grupos de protesto, de uma democracia direta.
Aqui um silêncio interrogativo do auditório. E acrescentei que mais nos atiçara o pensador:
o preço a pagar pela governação para lá dos estados é a crescente insignificância dos processos de legitimação no interior do estado-nação (…)”
Então a resposta reforça a afirmativa:
necessário se torna que surjam novos tipos de comunidades transnacionais e a União Europeia é suposta ser a primeira desse tipo de instituições, explicou o autor da “Teoria da Acção Comunicacional”.
No entanto, prosseguiu Habermas, a crise da zona euro é a prova de como é difícil o caminho até se chegar a um “sistema democrático supranacional ambicioso e com vários níveis”.
Ultrapassar o atual estado de coisas implica, defendeu, uma mudança no espaço público europeu, um espaço que é mais uma soma de espaços públicos nacionais do que um fórum de discussão de questões genuinamente europeias e comuns a todos os estados-membros.
A mundialização, a busca planetária, a Europa de geometria variável ou a la Carte, os laços de pertença interrompidos pelo “poder de agenda”, mostram-nos que, esta crise nos clareou o quanto é necessário mudar de política, e levá-la a enquadramentos partilhados por políticas económicas e sociais que nos libertem dos mercados financeiros, neles responsabilizando investidores e não contribuintes.
Claro está que para se caminhar neste futuro os países têm que se afastar dos egoísmos nacionais e adotar verdadeiras perspetivas europeias comuns, não conformadas ao mercado, mas sim, à modificação do seu papel em prol de um advir consciente, responsável e inequivocamente seguro da geração que se deseja por uma justiça a recriar, começando esta em cada um.
Mas os partidos políticos evitam a questão da solidariedade europeia, daquilo que os europeus devem uns aos outros. Vejo isto como um sinal de timidez política, quando não de puro oportunismo, perante um desafio de dimensões históricas, concluiu o filósofo.
Quantas vezes a política do dar e do haver prejudicou a identidade dentro da União Europeia? Lancei aos alunos. Quantas vezes? E repito a análise de Habermas
Vejo isto como um sinal de timidez política, quando não de puro oportunismo, perante um desafio de dimensões históricas, concluiu o filósofo.
Habermas, um dos maiores pensadores do nosso tempo, encerrou com estas palavras a sua conferência sobre a democracia na Europa, na passada segunda-feira, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
Fica por repensarmos a razão e o limite das transferências de soberania que não colocam em causa a coragem da revisão dos tratados, e fica por saber o quanto os meus alunos puderam compreender que qualquer dos caminhos tem custos, mas que é preciso sair do conforto dos egoísmos nacionais que nos condenam, e que saibamos olhar-nos como parte de uma comunidade, independentemente de fronteiras, na qual saibamos responder à questão: quem somos nós?
Ou
E se precisarmos um dia, absolutamente de resolver um trágico problema comum?
Se estas controvérsias não forem lançadas nos espaços públicos nacionais, estes serão moldados de acordo com o formato das ‘democracias conformadas”, digo.
Mas, os partidos políticos evitam a questão da solidariedade europeia como se ela não fosse o grande desafio de dimensões históricas.
Nasceu em Düsseldorf, em 1929 Habermas, e foi fortemente influenciado pelo pensamento de Martin Heidegger.
Habermas para quem
O Homem é um “sim” que vibra com harmonias cósmicas
Recorde-se também o encontro entre Habermas e Ratzinger, no qual se discutiram "as bases pré-políticas e morais do Estado democrático". Habermas e o cardeal debateram razão e fé, capitalismo globalizado, moral nas sociedades pluralistas e mediáticas, interculturalidade, poder e direito comum.
Saibamos sempre que a Cultura se situa no contexto da história e que se limpem os pés e se usem mascaras que protejam a sanidade das ideias antes da tolerância de cada um a si mesmo.
E com este filósofo, casa cheia afinal na Fundação Gulbenkian!
Teresa Bracinha Vieira
Obs: Texto muito similar foi publicado neste Blogue há cerca de 8 anos. Pouco depois, o atual, foi publicado noutra sede.
Acaba de ser publicada em Espanha, pela Editorial Trotta, Jürgen Habermas, Una Biografia, da autoria de Stefan Müller-Doohm, obra dada à estampa em Berlim em 2014, na qual encontramos o percurso intelectual e cívico de quem é indiscutivelmente uma das consciências morais da Europa contemporânea.
IMPORTÂNCIA DA LEITURA Em tempos de confinamento, a leitura é sem dúvida o melhor remédio, desde que temperada por algum sol e por contacto com os amigos através dos meios técnicos que o progresso permite. Os livros e a música são preciosos companheiros, que permitem abrirmos outras janelas, para além das reais, que nos levam a usufruir a luz irregular que tem caracterizado a meteorologia nestes dias. Mas vou ao que hoje me traz. E neste momento de tantas incertezas, em que os egoísmos e a cegueira do curto prazo tendem a prevalecer, é importante recordarmos alguém que representa a necessidade de reflexão e do espírito da Ilustração, não numa lógica fechada e positivista, mas numa perspetiva aberta à diversidade e capaz de ligar as ideias e os acontecimentos, a razão e os sentimentos. “Babelia”, o suplemento literário de “El Pais”, reservou a sua capa a Jürgen Habermas, que nos seus noventa anos se mantém ativo, de um modo persistente, na compreensão da importância do tempo, da decisão e da reflexão na vida democrática. O tema da democracia está na ordem do dia. Há nuvens negras no horizonte e temos de estar despertos para os perigos que espreitam. Nada há de mais sério. E se hoje há urgência na prevenção e na ação, para que a saúde pública não contrarie a democracia e possa estar associada à retoma na economia e na sociedade, é importante falar do “patriotismo constitucional” e da “democracia deliberativa”, de que trata Habermas, não apenas nas democracias nacionais, mas também na vida supranacional, em especial europeia. Num momento em que há sinais preocupantes, em que a dúvida se confunde com a descrença, e em que o desalento alimenta a desistência, importa não esquecer o que nos diz o filósofo: “A verdade não existe no singular”, pelo que a legitimidade democrática deve ligar-se à mediação das instituições e ao envolvimento dos cidadãos.
NO DEBATE EUROPEU… No debate europeu, infelizmente, há sinais de recusa de uma elementar solidariedade que contrarie a fragmentação e a lógica do salve-se quem puder. E Habermas lembra as origens da União Europeia, como construção de paz e desenvolvimento, capaz de integrar as diferenças, sem esquecer a memória histórica, não numa perspetiva de culpa (se lembrarmos o Holocausto), mas sim de responsabilidade. E a tarefa do intelectual tem de ser a de melhorar o lamentável nível do discurso das confrontações, evitando a todo o custo o cinismo. Um filósofo intelectual é contemporâneo dos nossos contemporâneos – e daí a sua necessária inserção numa ética de responsabilidade. É esse o papel que Habermas assume, com todas as limitações e virtualidades – lembrando tantas vezes aos seus alunos: “Nunca te compares com um génio, mas trata sempre de criticar a obra de um génio”. Nesta perspetiva, ainda jovem, o filósofo ousou afrontar Heidegger, em 1953, num texto publicado no “Frankfurter Allgemeine Zeitung” com o título significativo “Pensando com Heidegger contra Heidegger”, menos pelo desprezo que o velho pensador tinha pela igualdade democrática, e mais pela recusa da autocrítica e pelo facto desse silêncio contaminar irremediavelmente a atitude filosófica. Afinal, a principal tarefa dos que se dedicam ao ofício de pensar é a de fazer luz sobre os crimes que se cometeram no passado e manter desperta a consciência sobre eles? Lembrar para que não voltem a acontecer, mas evitando o ressentimento e a vingança. Heidegger evitaria a polémica e responderia que a sua preocupação tinha a ver com a relação entre o homem e a técnica. Mas Habermas contraporia que a sua crítica não tinha a ver com o envolvimento político com o nacional-socialismo em 1933, mas com a teimosa negativa em reconhecer o seu erro a partir de 1945. No fundo, “a discussão sobre o comportamento político de Martin Heidegger não poderia nem deveria servir propósitos de difamação e desprezo sumários. Como nascidos depois, não podemos saber como nos teríamos comportado nessa situação de ditadura”.
O ENCONTRO COM ADORNO Pouco depois, Habermas chamaria a atenção de Theodor W. Adorno com um texto publicado na revista “Merkur” “A dialética da racionalização”, no qual analisava a alienação gerada tanto pelo trabalho numa cadeia de montagem, como no consumo sem limites. E premonitoriamente avisava: «da produção ao transporte, passando pela comunicação ou pelo ócio, a “cultura das máquinas” terminará por dominar as nossas vidas. Cada dia, estaremos mais longe da natureza e do resto dos seres humanos». Apesar da resistência de M. Horkheimer, pelo pendor pacifista de Habermas na altura, este ingressou, em 1956, no célebre Instituto de Investigação Social, centro da chamada Escola de Frankfurt, o dito Café Marx, que Lukács designava depreciativamente como “Grande Hotel Abismo”… Adorno admirava o pensador, e para sua mulher Gretel ele fazia lembrar Walter Benjamin, o grande amigo, que se suicidara em Port Bou, em 1940, perseguido pela Gestapo… Ao longo de 650 páginas, a biografia acompanha um percurso extraordinário, em que, além de Adorno e Gadamer, encontramos os grandes dilemas do pós-guerra, num contexto de complexidade, diversidade e incerteza. E fica claro que a reflexão filosófica e o compromisso social são faces de uma mesma moeda – a necessidade da Ilustração… E é esse sentido de responsabilidade crítica que marcará a decisiva importância do pensador na atualidade – designadamente no tocante à defesa de uma Europa como fator de paz, de desenvolvimento e de diversidade cultural. Daí a necessidade de domesticar o capitalismo com a democracia garantida por um Estado de direito com “rosto social”, com superação do “pessimismo antropológico” que caracterizou a primeira fase da Escola de Frankfurt. Os conceitos de conhecimento, liberdade e progresso constituem valores de uma razão ilustrada, no contexto de uma “modernidade”, como “projeto inacabado”, por contraponto à “condição pós-moderna” de Jean-François Lyotard… Lembrando ainda a democracia quando há sinais da sua fragilidade em tempos de peste, recordo outro livro, Penser la Justice, constituído por entrevistas a Michael Walzer por Astrid von Busekist, (Albin Michel, 2020). Para o filósofo norte-americano, democracia e justiça têm de estar ligadas. Aos grandes sistemas, Walzer prefere as “pequenas teorias”, acreditando num Estado social, no qual as nações e as fronteiras sejam garantes da liberdade das pessoas. E, em seu abono, lembra o Profeta Amos, para quem não bastava condenar a injustiça e a idolatria, sendo necessário construir em concreto a sociedade mais humana. Tanto Walzer como Habermas insistem numa consciência crítica capaz de entender a sociedade em mudança, em conflito e em diálogo, num contexto plural. E nessa perspetiva se explica a anedota que corre nos meios intelectuais: um professor norte-americano aterra na Alemanha, toma um táxi e diz: “Leve-me à Escola de Frankfurt!”. E o taxista surpreendido responde: “A qual delas?”…