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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

  
De 2 a 8 de outubro de 2023


Para Jean d’Ormesson em «O Mundo é uma Coisa Estranha, Afinal», Guerra e Paz, 2015, a imaginação de qualquer romancista revela-se elementar ao lado dos grandes mistérios do universo. As leis da ciência e da natureza são necessárias e arbitrárias. Eis a justificação de todos os dilemas e paradoxos…


UM MUNDO INESGOTÁVEL
Ao falarmos da importância da bioética nos dias de hoje, vem à lembrança o que nos disse Jean d’Ormesson: «O mundo no qual vivemos não é apenas inesgotável. Com a luz, e com o tempo, mistério dos mistérios, e com essa coisa inaudita que é a vida, e essa mais inaudita ainda que é o pensamento, o mundo é também, e sobretudo, inverosímil» («O Mundo é uma Coisa Estranha, Afinal», 2015). A imaginação de qualquer romancista revela-se elementar ao lado dos grandes mistérios do universo. As leis da ciência e da natureza são necessárias e arbitrárias. Eis a justificação de todos os dilemas e paradoxos… E a vida é o mais banal dos milagres. Escapa a qualquer definição. Por isso, as descobertas científicas baseiam-se tantas vezes num ápice intuitivo…. Eis por que razão pessoas como o Padre Luís Archer, S.J. ou Maria de Sousa puderam trilhar simultaneamente os caminhos da ciência, da poesia e da investigação – estando permanentemente disponíveis para se interrogar sobre o mundo misterioso da vida. Charles Darwin limitou-se, afinal, apenas a entreabrir uma pequena fresta no conhecimento em «A Origem das Espécies», e hoje chegamos a um antepassado universal e comum de todos os seres vivos: uma célula batizada LUCA (Last Universal Common Ancestor).


PORQUE HÁ ALGO EM VEZ DE NADA? 
Einstein segreda-nos: «Aquilo que há de mais incompreensível é o mundo ser compreensível». E inesperadamente Leibniz – o mesmo que pergunta «cur aliquid potius nihil?» («Porque há algo em vez de nada?») – afirma que o mundo é composto por átomos impercetíveis e indestrutíveis – mónadas -, que refletem todo o universo, que está assim presente em cada um dos seus pontos. Assim, Einstein procurou encontrar a conexão entre Universo e pensamento, estabelecida desde o começo… Deste modo, no caminho ao encontro do começo das coisas, encontramos três elementos essenciais: a inteligência humana, capaz de descobrir os segredos do Universo; a luz, que nos permite viver sob o Sol e distinguir os seres e as coisas à nossa volta – apesar de viajarmos lentamente, considerando a imensidão do espaço. «Vemos o Sol tal qual ele era há oito minutos, a galáxia Andrómeda tal como era há dois milhões de anos, o enxame de galáxias Virgem, tal como era há quarenta milhões de anos, os quasares nos confins do Universo como eram há uma dezena de milhões de anos» … E o terceiro elemento é o tempo, sobre que já mostrámos a nossa perplexidade e as suas extraordinárias virtualidades… Um escritor de romances sobre a efemeridade do tempo e das mentalidades, como «Au Plaisir de Dieu», sobre um castelo que conheceu bem durante a infância e sobre os seus fantasmas, põe-se no centro das suas próprias interrogações, entre Espinosa, Pascal, Montaigne e Leibniz – jogando com as perplexidades de Albert Einstein e Max Planck. E refere-nos o golpe de génio do cristianismo, ao assumir o «que o distingue de todas as outras religiões» - a Encarnação e, na expressão de René Girard, a condenação de um inocente. E lembramo-nos dos ensinamentos de Teilhard de Chardin, que seguiu os caminhos da ciência, para fazer luz sobre o conhecimento e a compreensão de Deus, da natureza e da humanidade. Quantas incompreensões! Num tempo em que a bioética assume uma importância indiscutível e cada vez maior, exigindo um diálogo fecundo entre pessoas e saberes, salientamos a importância do trabalho realizado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (1996-2001).


UM DIÁLOGO APAIXONANTE
O diálogo entre a ciência e a cultura é apaixonante. É verdade que muitas vezes se torna difícil e pleno de perplexidades, mas revela-se fecundo, sobretudo quando estamos perante espíritos livres e abertos, disponíveis para usar a razão como chave para aprofundar as descobertas do espírito. Lembramo-nos de Pascal, personalidade única e fascinante, para quem fé e ciência eram naturalmente complementares, salvaguardadas as diferenças no domínio da ação. Hoje quando lemos ou relemos o autor de «Pensamentos» sentimos um espacial apelo ao sentido crítico e à permanente interrogação sobre os limites. Ficamos, afinal, prevenidos contra as tentações de um positivismo fechado e constrangedor, que apenas nos torna mais ignorantes, perante a tremenda confusão entre certezas e ilusões. Perante tantas contradições e paradoxos, entre o infinitamente grande e o infinitamente pequeno, entre o passado e o futuro, apenas nos resta a exigência de não baixar os braços e de manter os olhos bem abertos, para podermos ver e tentar perceber para além da ignorância. E podemos dar o exemplo de Leibniz, para quem a criação é sempre complexa, envolvendo a natureza, a humanidade e a transcendência. E o Padre Joaquim Carreira das Neves, quando lia Stephen Hawking, fazia-o com rigor e serenidade, sem pôr em causa os conhecimentos do cientista e o seu caminho fundamental, mas interrogando os limites. Entender os limites do conhecimento – eis o grande desafio do conhecimento. Que é a inteligência senão a capacidade de compreender as limitações, a fim de que os problemas sejam respondidos com a modéstia própria do saber de experiências feito?... Nunca saberemos o suficiente para ser intolerantes, como afirmou Karl Popper. Daí a necessidade de usar as nossas capacidades para melhor conhecer e compreender. A maravilha da criação apenas pode ser entendida se pudermos ligar a atenção ao que nos cerca ao cuidado dos outros. Cabe-nos ter acesso a uma pequenina parte da verdade científica e o grande desafio é o de nos dispormos a continuar a dar passos para ir para diante. A sociedade contemporânea avança a um ritmo alucinante. No mundo da ciência e da técnica os progressos ocorrem com cada vez maior intensidade. As comunicações atingiram um nível de desenvolvimento rápido, alucinante e inesperado. Em especial, no domínio da medicina, os avanços permitiram combater e pôr fim a doenças mortais anteriormente incuráveis e encontrar em poucos meses a vacina para uma pandemia. Tudo isso significa progresso e maior esperança de vida para a humanidade. Mas todo este progresso é para o bem ou para o mal? Surge, assim, uma preocupação ética e moral que se traduz nos grandes debates acerca da eutanásia, do aborto, da pena de morte, da bioética, da ecologia e da pobreza. Estas controvérsias provocam uma divisão entre partidários e detratores, com repercussões na opinião pública e nos movimentos sociais. A dimensão ética é imprescindível, porque o ser humano rege-se por critérios que lhe servem de orientação, dando coerência e pleno sentido a tudo o que faz.


Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença