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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

NÃO BASTA PENSAR NA ECOLOGIA INTEGRAL; É PRECISO TAMBÉM REFLETIR SOBRE A IGREJA TOTAL


Na encíclica “Pacem in terris”, de 1963, há quase sessenta anos, o papa João XXIII dizia que a afirmação da mulher era um dos sinais dos tempos. Podemos reconhecer que essa novidade epocal é também uma semente do Evangelho. Esta afirmação da mulher e este caminho de afirmação eclesial e social da mulher é algo que foi também consequência do Evangelho.Vemos, na literatura bíblica, que a teologia da Criação não separa o homem da mulher. E nas primeiras comunidades [


cristãs] as mulheres têm um papel muito significativo. Basta ler, nas Cartas de Paulo, as mulheres que aparecem como protagonistas para percebermos como o que está escrito aos Gálatas é bem verdade: não há macho nem fémea, somos um só em Cristo. Isto não significa anulação da sexualidade, mas pelo contrário: neste corpo místico de Cristo que é a Igreja não estão apenas os homens – estão os homens e as mulheres. Desde o princípio.


O papa Francisco percebeu que esta é uma questão central do nosso tempo. Uma das primeiras vezes foi em 2013, em julho, ao regressar da Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, dentro do avião; questionado, respondeu que a Igreja tinha de abrir um processo de reflexão, um estaleiro, um laboratório de pensamento.


Não basta pensar uma ecologia integral; precisamos também de uma eclesiologia integral. Não podemos deixar a maioria da humanidade a não se sentir protagonista da vida da Igreja.


A presença da mulher é fundamental. O papa Francisco está a abrir caminhos e a pedir a todos nós que reflitamos, os teólogos possam investigar, que se possa tornar às origens da Igreja, perceber como era no princípio, analisar.


Os passos que o papa Francisco tem dado são de grande encorajamento para que possa acontecer isto: a responsabilidade na Igreja e a responsabilidade pelo Evangelho não seja apenas questão de homens, mas de homens e mulheres, nas diferentes dimensões, diferentes ministérios, numa complementaridade certamente, segundo a tradição da Igreja seguramente, mas que a Igreja é chamada a fazer um caminho e que o papa Francisco introduz essa tensão para darmos passos, fazermos reflexão nesta matéria é para todos muito claro.


Card. José Tolentino Mendonça
Fonte: Jesuítas Brasil
Edição: Rui Jorge Martins

ABECEDÁRIO DA CULTURA DA LÍNGUA PORTUGUESA

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Y.   YÉTI – PORTUGUESES NO TIBETE

 

O Yéti corresponde a uma figura, entre o mítico e o real, que representa o “Abominável Homem das Neves”, celebrizado, designadamente, por Hergé em “Tintin au Tibet”, estando presente em diversas culturas, para além dos Himalaias, principalmente em lugares extremamente hostis e montanhosos. O Yéti tornou-se na cultura mundial uma homenagem ao diálogo entre a humanidade e a natureza. Investigadores, conscientes do pouco que se conhece sobre a matéria, sugerem a hipótese de o Yéti ter o estranho costume de acasalar com seres de outras espécies, até os humanos, deixando descendentes por todo o mundo com características muito parecidas com as suas, adaptadas ao clima local. Neste Folhetim de Verão falamos de algo muito pouco conhecido, ou seja, dos primeiros portugueses a demandar o Tibete. E se falamos de portugueses é porque eles foram, sem dúvida, os primeiros europeus nessa aventurosa demanda. O Tibete, região quase mítica, o teto do mundo, manteve-se desconhecida dos europeus até ao início do século XVII, altura em que um grupo de jesuítas portugueses decidiu empreender a exploração de tão misterioso e surpreendente lugar.

Houve uma primeira viagem épica do Padre António de Andrade (Oleiros, 1580 – Goa, 1634), o primeiro ocidental a chegar ao Tibete em 1624. Como Superior da Missão do Mogol, deixou Agra acompanhado por Jahanjir, imperador mogol que viajava para Lahore. Em Deli, encontrou um grande número de peregrinos hindus que rumavam para o fabuloso templo, situado a quarenta dias de viagem. Esperando atingir o Tibete após visitar Lahore, António de Andrade, conjuntamente com o irmão Manuel Marques, começaram o seu caminho, conduzidos pelos “gentios”. A missão teve algum sucesso; foi construída uma pequena igreja na passagem e houve algumas conversões. No entanto, em virtude de um golpe de Estado contra a influência cristã, a missão foi destruída e os portugueses expulsos do país. Andrade deixou o Tibete em 1629 e foi nomeado provincial em Goa em 1630; retomando em 1633 o seu antigo cargo de Reitor do Colégio de S. Paulo em Goa. Em 1634 o padre Andrade foi envenenado, por uma intriga interna, na reitoria do colégio e morreu em 19 de março.

Outros padres abriram novas rotas, que levariam aos reinos de Sikkim, Nepal e Butão – este último percorrido por João Cabral (Celorico da Beira, 1599 – Goa, 1669) e Estêvão Cacella (Avis, 1585- Tibete, 1630). Os dois identificaram o mítico lugar de Shangri-La, bem como o lugar de nascimento do Buda Gautama. A busca do mítico reino do Cataio correspondeu à procura de um lugar onde existiriam cristandades perdidas – desde as planícies de Bengala ao interior do Butão. Contudo, não se confirmou essa presença familiar. No Butão, Cacella e Cabral encontraram Shabdrung Ngawang Namgvel, o unificador do reino, e no fim de uma estada de quase oito meses no país, o padre Estevão Cacella escreveu uma longa carta no Mosteiro Chagri ao superior jesuíta em Cochim. O relatório, A Relação, relativa ao progresso das suas viagens é o único relato de Shabdrung que nos resta.

A aventura dos jesuítas começou em Hoogly, junto a Calcutá, na Índia, de onde partiram os padres Estêvão Cacella, João Cabral, a 2 de agosto de 1626, vestidos de soldados, para melhor passarem despercebidos. Em Bandel, no bairro de Hoogly, cidade fundada pelos portugueses, encontramos uma Igreja dedicada a Nossa Senhora da Boa Viagem, datada de 1599. A peregrinação dos jesuítas rumou ao reino do Cocho, sendo feita pelo Bramaputra e seus afluentes, numa embarcação de tamanho considerável. Os padres transportavam vários objetos: designadamente os necessários presentes sem os quais nada se podia fazer. O destino seguinte foi Gauwathi, capital da província indiana de Assam, a atual Hajo, local de peregrinação para três confissões religiosas – budismo, islão e hinduísmo – então sede das terras do Senhor de Cocho (Cooch Behar). Os padres portugueses foram hóspedes de um rajá local, que os levaria mais tarde à presença do rei do Cocho. O famoso Bir Narayan recebeu-os com pompa e concedeu-lhes salvos condutos para entrada no Reino. A entrada dos jesuítas portugueses no Butão foi feita pela fronteira de Rangamati. Munidos das devidas autorizações de viagem e de um cavalo que lhes transportava a bagagem. Havia montanhas altíssimas e vales muito profundos. Ao fim de vários dias de caminhada avistaram finalmente a aldeia de Rintam. Ali residia um lama que, previamente informado da chegada dos portugueses, obteve autorização do rei do Butão, e conduziu-os a Paro, capital do reino. Cacella e Cabral ficaram maravilhados com o vale de Paro. Também a arquitetura local, assim como o peculiar ordenamento urbano, os impressionou. O padre Cacella foi o primeiro europeu a entrar no Butão e a viajar através dos Himalaias no Inverno. Foi também Cacella que, pela primeira vez, descreveu aos europeus um lugar fictício chamado Shambala (que significa “paz/tranquilidade/felicidade”). De acordo com o budismo tibetano este seria um país ideal localizado a norte ou oeste dos montes Himalaias: no século XX o mito inspirou James Hilton a escrever o romance “Horizonte Perdido”, inspirado em Shangri-La.

Recentemente, a RTP produziu, graças à coordenação do investigador Joaquim Magalhães de Castro, um conjunto de quatro programas sobre essa aventura fundamental, muito pouco conhecida, reveladora das rotas seguidas por um conjunto de intrépidos jesuítas portugueses do início do século XVII nos Himalaias. Tal série documental traduziu uma aventura de milhares de quilómetros através de uma das mais espetaculares e deslumbrantes paisagens do planeta. Terra de mosteiros, alta montanha, lagos de água cristalina e rotas de peregrinação lendárias, o Tibete continua a ser o mais misterioso e aliciante recanto dos Himalaias. Na Biblioteca de Thimpu, atual capital do Butão. o diretor da instituição, Dr. Yonten Dargye, revela a grande riqueza documental disponível para a investigação sobre as relações históricas entre Portugal e o Butão. Joaquim Magalhães de Castro visitou o mosteiro-fortaleza de Punakha, um dos edifícios mais significativos do Butão, sem esquecer o referido mosteiro de Chagri, o primeiro local onde os jesuítas foram recebidos pelo monarca, tendo-lhe estes oferecido armas, pólvora e um telescópio. Aí residiram, estudaram a língua local e tiveram autorização para difundir a fé cristã. É um local de meditação para os monges e destino de eleição para os inúmeros peregrinos que ali rumam ao longo do ano.

 

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A VIDA DOS LIVROS

De 10 a 16 de fevereiro de 2020

 

Com o número da revista “Brotéria” de janeiro de 2020 (vol. 190-1) inicia-se uma nova fase na existência desta importante instituição cultura portuguesa.

UM NOVO CENTRO CULTURAL
Em 1965, quando a revista Brotéria passou a assumir-se como uma revista de cultura, inspirada na “grande abertura conciliar”, o Padre Manuel Antunes, S.J. afirmou: “Procurando sentir e fazer sentir que somos de uma pátria e que ao seu sentido estamos ligados, a Brotéria não ignorará que o facto cultural, constituindo um sistema de valores suscetíveis de difundir-se, transcende as condições de espaço e duração. Procurando alimentar a grande esperança que os novos tempos e o Concílio dos novos tempos sopraram sobre o mundo, a Brotéria não poderá esquecer que o homem não saiu da sua condição e que o mal vive connosco”. O tempo passou e esse apelo forte dos “sinais dos tempos” continua bem vivo, não podendo ser repetido como se fosse uma rotina. Por isso a revista publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902 continua por novos caminhos. E assim nasce o Centro Cultural, dirigido pelo P. Francisco Mota, que afirma: “Acreditamos que o cristianismo pode e deve contribuir para a construção do bem comum, apelando para a justiça e para o respeito pela vida das pessoas, das culturas, das sociedades e do próprio planeta. (…) Estamos abertos a todos os que queiram encontrar-se com a Igreja e com esta linguagem que alia arte e espiritualidade, a sociedade e as pessoas que a compõem. Como o diretor da revista Brotéria, P. António Júlio Trigueiros, bem recorda, importa ter presente o que o Papa Francisco disse há pouco à Cúria: “nas grandes cidades, precisamos de outros ‘mapas’, outros paradigmas, que nos ajudem a situar novamente os nossos modos de pensar e as nossas atitudes. Já não estamos na cristandade! Hoje, já não somos os únicos que produzem cultura, nem os primeiros, nem os mais ouvidos”. Eis por que razão a construção do bem comum tem de se fazer de um fecundo encontro de diferenças e convergências – como no-lo ensinava S. João XXIII em “Mater et Magistra”. E nessa experiência da Brotéria devemos lembrar ainda o que disse o P. Luís Archer, em 1999: “Se considerarmos como cultura o sistema simbólico que cada povo constrói para dar sentido à sua história, à sua vida, à sua comunidade e ao seu universo, concluiremos que é pela cultura que o ser humano se realiza plenamente como pessoa”. Neste sentido, o novo projeto da Brotéria corresponde à preocupação de tornar viva a Palavra de Jesus Cristo, num contexto de liberdade, de abertura, de diálogo, de encontro, de respeito mútuo e de paz. Infelizmente, há dificuldade em debater ideias, a partir da liberdade de consciência. Prevalecem os preconceitos, o desconhecimento e a indiferença. Em lugar de uma troca de experiências prevalecem os diálogos de surdos, em que cada qual se limita a repetir o que julga ser a verdade que possui. Acontece, porém, que somos limitados e imperfeitos e que, de facto, “o mal vive connosco”. Precisamos, por isso, de conhecer os outros e de assumir a modéstia necessária para ter resposta e ser responsáveis. Temos de saber colocar-nos no lugar do outro, e o confronto de ideias apenas pode ser fecundo se o conhecimento for o caminho que Paul Claudel nos propôs, ao dizer que “connaître” deve ser nascer com o outro.

 

A CULTURA COMO PROGRAMA
Se virmos o longo caminho da revista Brotéria, compreendemos que houve uma preocupação de rigor e de conhecimento. A revista foi fundada por três professores do colégio de S. Fiel, em Louriçal do Campo (Castelo Branco), especializada nas ciências naturais (1902), tendo sido subdividida em três séries independentes (1907) – Botânica, Zoologia e Vulgarização Científica. De 1907 a 1924, os jesuítas portugueses publicaram cerca de 350 recensões e 450 artigos de divulgação na agricultura, geografia, física e química, medicina e higiene. Em 1925 nasceu a revista cultural (com o subtítulo “Fé, Ciências, Letras”), afirmando o P. Joaquim Silva Tavares, fundador em 1902 e seu reformador, que urgia investigar a verdade no campo religioso e aumentar os conhecimentos científicos e literários dos leitores. E qual a razão da escolha do nome da revista – “Brotéria”? A homenagem à figura extraordinária de Félix da Silva Avelar (1744-1828), que adotou em Paris o nome de “Brotero”, significa em grego “amante dos mortais”. Brotero foi capelão da Sé Patriarcal de Lisboa, frequentou o curso de Direito Canónico em Coimbra, foi amigo do Padre Francisco Manuel do Nascimento, o célebre Filinto Elísio, tendo-o acompanhado no exílio em França. Formou-se em Medicina em Reims e dedicou-se ao estudo da Botânica, seguindo Lineu e criando a terminologia portuguesa na obra-prima “Flora Lusitanica”. Foi Professor de Agricultura e Botânica na Universidade de Coimbra e diretor do Jardim Botânico, sucedendo a Domingos Vandelli, sendo o verdadeiro modernizador das suas áreas de especialidade. A influência científica, o seu prestígio académico e o resultado efetivo do seu trabalho levaram a que fosse eleito para a Assembleia Constituinte de 1821, na sequência da Revolução liberal. Foi em razão do seu prestígio, da sua atitude ética, do apego à liberdade de consciência e ao rigor no conhecimento que os fundadores da revista científica da Companhia de Jesus adotaram o seu nome, que persiste até aos dias de hoje.

 

TEMAS MUITO OPORTUNOS
O número que abre esta nova fase na vida da revista e do seu projeto cultural apresenta um conjunto bastante importante de temas de grande atualidade, merecendo referência o texto de Viriato Soromenho-Marques intitulado “As Universidades perante o desafio existencial da crise ambiental e climática. Com o agravamento do ritmo e da intensidade do processo de alterações climáticas. Perante a componente mais visível da crise global do ambiente, torna-se necessário mobilizar a comunidade académica e científica, no sentido de encontrar soluções práticas que impeçam ou reduzam as situações que se apresentam. “Se as universidades quiserem seguir em frente, como se tudo estivesse bem, então poderemos estar certos de que no horizonte se erguerá o espetro do colapso e não o anjo da salvação”. De facto, estamos perante uma questão de sobrevivência. Num outro tema, é de assinalar o ensaio de Manuel Braga da Cruz sobre “o impasse da reforma do sistema eleitoral” entre nós. Na linha do que já está estabelecido na Constituição, mas sem execução prática, é proposta uma reforma eleitoral que combine a máxima proporcionalidade do círculo nacional com a pessoalização da uninominalidade, a redução da influência das máquinas dos partidos, com a governabilidade da força maioritária. Deste modo, será necessário um sistema misto, de duplo voto com duplo escrutínio, que pode ser coadjuvado com aperfeiçoamentos no recenseamento e no voto. Cristina Azevedo trata ainda do tema da descentralização e Joaquim Sapinho apresenta-nos uma crítica oportuna do filme “O Irlandês” de Martin Scorsese.     

 

Guilherme d'Oliveira Martins
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