Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A FORÇA DO ATO CRIADOR

Untitled.jpg

 

 

A geometria, a cor e o gesto destabilizador. (Parte 2)

 

'A única maneira de caminhar é para a frente e ver até onde sou capaz de ir.', Joaquim Bravo, 1989

 

Já em Lagos, no final dos anos 60, Joaquim Bravo desenvolve um trabalho intenso sobretudo na área do desenho de expressão geométrica. Porém Bravo, não deixa de acrescentar à geometria e à clareza destas composições uma paródia figurativa que muito se aproxima de Areal, que teoriza em 1969, sobre o conceito de figuração abstrata (que utiliza a ironia como instrumento de perversão sobre o figurativo). Desde logo, igualmente, muitos dos desenhos de Bravo, apontam para uma apetência escultórica que só mais tarde será desenvolvida - formas desenhadas parecem desde logo estabelecer uma relação de proximidade com o espaço.

 

Helena de Freitas, no livro 'Joaquim Bravo' (2006), escreve que existe um 'permanente sentido de errância no trabalho de Bravo, na deslocação e diversidade das formas, na abertura dos seus significados e na tentação de desvio ou no simular da fuga.' Um apontamento tranquilamente geométrico pode transformar-se a cada esboço e gerar um contorno final figurativo (A Bota Romana, 1970). É a deliberação humorada e o sentido provocatório que introduzem, aos desenhos e objetos de Bravo, uma dimensão pessoal e irónica. E também os títulos muitas vezes atiram-nos para a dimensão figurativa, narrativa ou corrompida - como acontece na série, que se desenvolve com a lógica de uma banda desenhada, 'Os Seis Administradores' (1975).

 

'Os meus quadros são resultado da fuga a qualquer representação do 'real', esse virá depois, se vier, com os títulos. Mas então ainda serão mais meus.', Joaquim Bravo, 1989

 

A partir dos anos 80, após experiências acidentais Pop e dadaístas, e depois de se dedicar a um conjunto de 'desenhos duplos' - trabalhos que utilizam sistematicamente duas formas fechadas e ambíguas, como a nuvem e a montanha, e que são abordadas segundo versões plásticas diversas ou mesmo opostas - Joaquim Bravo confirma a possibilidade de pintar a obra gráfica do desenho. A pintura surge assim, naturalmente como uma clarificação, uma exteriorização, uma síntese de estados e ideias anteriores. Porém o desenho continua a ser o meio plástico e expressivo mais utilizado por Bravo. É através do desenho que produz em quantidade e em continuidade, num pulsar sem constrangimentos. Já a pintura representa um projeto definido, correspondendo a uma fase de autoavaliação e de expressão mais construída.

 

Ora, o desejo constante pelo longínquo e pelo desconhecido que Bravo tanto cultiva no final dos anos 80, faz com que se acentue o fascínio pela arte primitiva e pelo mito. Até ao final da sua vida, Bravo vai tentar terminar com a tensão entre o gesto e a forma, entre o emotivo e o racional. Definem-se agora formas bem demarcadas a preto, que são desequilibradas pela intervenção eficaz de retângulos amarelos, ou dinamizadas por linhas contínuas em movimento.

 

'A minha exasperação vem-me de pintar, é a urgência de saber que tudo e todos os minutos da minha vida têm de ser transformados nisto. O estar vivo é uma amplitude tão grande, que se pode tirar tudo lá de dentro. O que eu faço não vem de nenhuma filosofia, vem da vida, da pulsação.', Bravo


Ana Ruepp

 

 

A FORÇA DO ATO CRIADOR

blogue.jpg

 

A geometria, a cor e o gesto destabilizador. (Parte 1)

 

'Nas 24h do dia só vivo e penso em pintura.', Joaquim Bravo

 

Joaquim Bravo (1935-1990) teve uma formação exclusivamente literária e completamente fora do caminho estabelecido. Nunca frequentou uma escola artística, emigrou, em 1964 para a Alemanha, sem nenhuma bolsa da Gulbenkian. 

A sua pintura, desenho e escultura apareceram, como escreve Helena de Freitas, simplesmente como um vício. 

 

'Sempre vivi angustiado nas escolas, que eram sítios de constrangimento.', Bravo 

 

Joaquim Bravo começou a pintar em 1962 e rapidamente, por influência de António Areal interessou-se pelo informalismo americano (Pollock e Morherwell) mas também pelo surrealismo e pelo Paul Klee.

Helena de Freitas, no livro 'Joaquim Bravo' (2006)escreve que é pelo desenho que o artista caminha com mais segurança numa vontade de constante questionamento - a construção e a desconstrução aparecem sempre em simultâneo. Para Bravo, importante é a permanente referência à vida.

 

'Eu sei que muitos ficam perdidos em relação às minhas obras. Eu assumi há muitos anos que a pintura é uma arte solitária, mas ao mesmo tempo querem que quando ela sai de casa, dance o vira com toda a gente. Agradar? É o que menos me interessa. Tudo o que faço é para que seja mais meu.', Bravo, 1989

 

Em meados dos anos 60, logo após experiências gestuais, Bravo realiza desenhos que sugerem uma escrita visual combinada com linhas e formas geométricas e que introduzem à composição o absurdo e a estranheza. Estas composições são as suas primeiras experiências que articulam expressões plásticas contraditórias - o gesto e a geometria.

 

A estadia na Alemanha foi um marco fundamental para a evolução do trabalho de Joaquim Bravo. O contacto com a vanguarda internacional através da visita à IV Documenta de Kassel, fez com que Bravo pudesse avaliar o seu trabalho. Ficou muito impressionado com os artistas da Nova Abstração e da Pop Arte - Ellsworth Kelly, Morris Louis, Rauschenberg e Jasper Johns. 

 

'Eu quero que a minha pintura seja uma síntese de determinadas características que se vão avolumando no desenhar. Como o desenhar é um processo muito atento surgem diversos elementos que são meditativos. Pode-se pensar que o fazer é fácil, mas espero que se pressinta que preexiste um percurso, do qual esse quadrado é uma simples extroversão. As palavras e as frases num poema são sintéticas, mas subentende-se a intensidade interior que o provocou.', Bravo, 1989

 

Porém, é precisamente o programa de pureza da pintura não pessoal, quieta e imóvel, da Nova Abstração, que entra em conflito com o desenvolvimento do trabalho de Bravo. Freitas diz: 'Joaquim Bravo é um impuro. Atuará sempre segundo uma lógica de desvio e transgressão face a qualquer escola ou dogma.'

Mesmo nos trabalhos mais simples e depurados, Bravo inclui sempre uma componente contaminadora, uma ironia subtil, uma carga de energia, irregularidades e assimetrias. 

 

Ana Ruepp