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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


166. PRIMAZIA LEGAL E MORTE MORAL COMO JUSTIFICAÇÃO


1. Professor - As sociedades pensam que se regem por uma coisa chamada “moral”, mas não é verdade. 
Regem-se por uma coisa chamada “lei”.
Não se é culpado só por ter trabalhado em Auschwitz. Oito mil pessoas trabalharam em Auschwitz. Dessas oito mil, apenas 19 foram condenadas e apenas 6 por homicídio. Para provar um homicídio temos de provar intenção. É a lei.    
Aluno - A questão nunca é se foi errado, mas se era legal e segundo as nossas leis?     
P - Não. Segundo as leis da época.   
A - Mas não é redutor?     
P - Sim. A lei é redutora.   
A - Por outro lado, suspeito que as pessoas que matam outras pessoas tendem a estar conscientes de que é errado (excerto do filme “The Reader”/“O Leitor”).  


Bruno Day (BD), guarda das SS da Alemanha nazi, no campo de concentração de Stutthof, foi condenado, aos 93 anos, por ter colaborado no assassinato de 5230 pessoas alegando, em seu benefício, só ter, à data, 17, sendo menor e um membro inócuo de um sistema legal autoritário e burocrático a que devia obediência. A sua defesa recorreu ao argumento de Adolf Eichman (AE), no julgamento em Jerusalém, ao invocar a obediência hierárquica inserida numa estrutura administrativa de hierarquização rígida e de dependência acrítica, que anulava o espírito crítico, a ética e a moral, pelo que ambos teriam sido vítimas duma autolimitação ou remoção da sua capacidade de livre arbítrio. 


A centralidade biográfica e histórica do Holocausto começou por ter como tema as vítimas, uma espécie de compensação que não correspondia à realidade, ao não priorizar os perpetradores. Entre estes estavam os que tinham o poder, mandando executar ordens, que eram cumpridas pelos que obedeciam. Existia a convicção de que Hitler e os seguidores diretos eram monstros psicopatas, a que os seus subordinados hierárquicos e o povo alemão em geral tinham obrigatoriamente de obedecer, contribuindo para a desculpabilização da sociedade germânica. 


A rutura com essa análise sucedeu com o julgamento de Eichmann, com a sua transmissão e os relatos feitos por Hannah Arendt ao introduzir o conceito de “banalidade do mal”, do burocrata que não se sentia responsável, porque reduzido à mera dimensão de uma peça irrelevante de uma engrenagem e máquina burocrática que o asfixiava e remetia para um estatuto sub-humano, o que lhe permitia justificar a sua participação em atos criminosos. Se assim era com funcionários burocratas dependentes hierarquicamente e mais bem posicionados para conhecer a solução final judaica dos seus superiores nazis, por maioria de razão para o povo alemão que, em princípio, teria um menor ou nenhum conhecimento, dada a sua maior distância do núcleo central decisor.    


2.
A defesa da tese de que AE e BD, entre outros, naquele tempo e naquelas circunstâncias, por razões excecionais, foram as primeiras vítimas do sistema legal e da estrutura administrativa vigente, foi contestada pela acusação ao alegar que o ser humano nunca pode invocar a sua morte ética e moral como justificação para a colaboração em atos criminosos.   


Fritz Bauer, procurador alemão que lidou com processos relativos a Auschwitz, afirmou: “Este sistema monstruoso só funcionava porque todos participavam nele. Bastava uma só pessoa, um só funcionário, contrariar uma ordem e todo o sistema poderia ter sido afetado. É por isso que aqueles que habitualmente eram apelidados de pequenos foram indispensáveis e, como tal, devem ser penalmente responsabilizados”. Nos julgamentos de Nuremberga, pretendeu-se provar que todos e cada um dos acusados sabiam da existência dos campos de concentração, que o horror, o medo e o terror abominável a eles associados eram instrumentos através dos quais mantinham o seu poder e baniam a oposição às suas políticas. 


O que nos levou à terrífica constatação de que os crimes contra a humanidade não são apenas obra de uma minoria de pessoas facínoras ou malignas que detêm o poder, mas de milhares de seres humanos tidos como “comuns”, com a cumplicidade de milhares ou milhões, numa ambiência de indiferença generalizada (o que é diferente duma culpa coletiva).   


É mais fácil racionalizar as coisas no decurso da guerra, por patriotismo e ideias similares (ignorando tudo o resto), do que evitar delitos contra a humanidade e violações do Direito Internacional, em que o vencedor tende a ser o “juiz” e o acusado o “vencido”, sendo titubeante o progresso alcançado (por vezes regressivo), neste contexto, sempre algemado por interesses geoestratégicos das grandes potências, o que não implica desistir de expurgar a duplicidade de critérios que sobressai em temáticas que deveriam ser universalmente consensuais e exequíveis.


A relevância deste tema ultrapassa as fronteiras da Alemanha. Interpela toda a Humanidade. Aconteceu com o totalitarismo nazi, o soviético e outros, com ramificações diferenciadoras e comuns no presente. Acreditou-se, erroneamente, que tínhamos atingido um estádio de civilização tão evoluído, uma sociedade de bem-estar tão permanente, que a guerra e as crises não regressariam, tendo como adquirido um ilusório crescimento perpétuo a todos os níveis. O que nos interroga sobre a natureza da condição humana e quão longínqua está a materialização da Paz Perpétua de Kant, uma utopia, que pode e deve ser repensada, para que se criem alternativas com maior aderência à realidade e o seu máximo de viabilidade.          


15.03.24
Joaquim M. M. Patrício 

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

   


165. A NÃO ACEITAÇÃO DA VELHICE


Uma das melhores reflexões que conheço sobre a velhice e as fragilidades que lhe estão associadas, está num episódio da série britânica “The Crown” (“A Coroa”), em que o pintor Graham Sutherland (GS) retrata Winston Churchill (WC), octogenário, velho e doente, num retrato preciso da decadência causada pela idade, de que transcrevo alguns excertos.


GS - Soube que recusou o quadro. 
WC - Sim. 
GS - Com que fundamento?     
WC - Não é um retrato, mas, sim, uma humilhação.    (…) E eu não o aceito.
GS - Não acho que seja prudente recusar. Foi pedido pelos membros das duas Câmaras como sinal de respeito.   
WC - Pedissem a um artista de respeito, em vez de a um Judas com um pincel assassino. 
Olhe para ele! É uma traição de uma amizade.
Um ataque antipatriota, traiçoeiro e cobarde por parte da esquerda individualista.
GS - (…) Aceitei este pedido porque o admirava e, com a experiência, passei a admirá-lo ainda mais. 
WC - E faz das pessoas que admira monstros? 
GS - Não é uma vingança. É arte. Não é pessoal. 
(…) Peço-lhe que não se sobressalte. Dê tempo ao tempo. 
WC - (…)
Não é uma representação verdadeira da minha pessoa!   
GS - Sim, é.   
WC - Não é! É cruel!     
GS - A idade é cruel! 
Se vê decomposição, é porque ela existe. 
Se vê fragilidade, é porque ela existe.     
Não posso ser culpado pelo que é. 
E recuso-me a esconder e disfarçar o que vejo. 
Se está a combater alguma coisa, não é contra mim. 
É contra a sua própria cegueira.
WC - Acho que devia ir embora.


Feito à revelia do que idealizara para si como homem de Estado, Churchill detestou a pintura e, confrontado com a decadência artística do corpo, que o frustrou, o quadro acabou por ser queimado.  


Vigora uma cultura que idealiza e faz o culto do corpo, de uma forma que tem como insuportável confrontar o seu e o nosso declínio.


À medida que a idade avança apercebemo-nos e ouvimos narrativas de pessoas que escolhem ficar incontactáveis, sem deixar rasto, outras indisponíveis presencialmente, algumas só comunicáveis pelo telefone e redes sociais, por vezes apenas virtualmente, tomando opções radicais em relação a terceiros que amiúde contactavam e, em número significativo, refugiam-se no núcleo familiar mais próximo, alargado, de amigos  especiais ou disponíveis, quando os há, numa não aceitação, tantas vezes não assumida, da velhice e da doença, não querendo que as vejam ou serem entendidas, tal como o são, na sua realidade e  solidão existencial.


E embora a velhice tenha de ser vista como algo que faz parte da vida e que não podemos evitar, a sua rejeição e o querer vencê-la faz com que comece a ser encarada como uma doença que podemos impedir. 


Não podemos pensar que vamos ser imortais, mas sim que poderemos envelhecer mais devagar, parecendo ter 30 ou 40 anos aos 50/60 e 60/70, o que se indicia ser possível no futuro, com uma diferença maior, como já sucede agora, entre países ricos e pobres.


Mesmo assim, sempre foi uma miragem pensar que a ciência pode controlar tudo e, com a sua ajuda, controlar a vida e reverter de vez a velhice, como o prova a mais recente pandemia, pelo que é necessário adaptar a nossa mente a situações diferentes, mudando o nosso modo de pensar, não sofrendo com o que não podemos controlar, nem nos deixando ir tão docilmente nessa antecâmara da noite escura.


08.02.24
Joaquim M. M. Patrício

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


164. QUEM QUER EXERCER O PODER NO PRESENTE TEM DE DESTRUIR O PASSADO?


1. Com o desumano assassinato de George Floyd gerou-se uma vaga de indignação global contra o racismo. Aproveitando a ocasião grupos radicais ativaram uma guerra cultural contra o que têm como símbolos do colonialismo e opressão, através do apeamento, desmembramento e vandalização de memoriais e monumentos tidos como colonialistas, opressores e racistas. 


Ao longo da História humana sempre foram destruídos patrimónios civilizacionais, em nome de Deus, da fé, de ideologias, de poderes instituídos, de direitos tidos como inalienáveis, de utopias compensadoras, redentoras e salvíficas. 


Impõe-se referir que a destruição do passado em termos culturais, patrimoniais e civilizacionais tem sido transversal a todos os poderes e civilizações, uma caraterística constante e permanente que tem atravessado todos os conquistadores e vencedores, desde o Ocidente ao Oriente, do Norte a Sul, não sendo um exclusivo ocidental. 


Jerusalém, com a sua simbologia de cidade sagrada, é um exemplo, com as suas sucessivas ocupações e destruições (a começar pela destruição do Templo de Salomão e Herodes), desde a ocupação Judaica, Babilónica, Grega, Ptolemaica, do Reino Asmoneu, Romana, Bizantina, Persa, Islâmica, das Cruzadas, de Saladino, dos Mamelucos, Otomana, Britânica, Israel/Jordânia e Israel.


Só que o repúdio e revolta, mesmo que legítimos, por atos praticados contra a raça ou a cultura daqueles que se têm por vencidos, oprimidos ou explorados, não justificam, quanto a nós, que se destruam os símbolos de identidade cultural e patrimonial dos que têm como vencedores, por maioria de razão quando estes lhes permitem, na sua própria casa, manifestar-se e protestar, ao invés de países não democráticos, que não censuram, onde nunca poderiam exercer o direito à indignação e de opinião que exercem no Ocidente.


Se o presente interpela o passado, se aceitamos uma pluralidade de visões e diferentes memórias civilizacionais, a História tem de ser, no mínimo, a visão do vencedor e do vencido, o que levanta a questão, no nosso tempo e circunstâncias, do que é tolerável e intolerável na nossa memória coletiva. 


Em regimes autocráticos, ditatoriais e totalitários, apela-se a uma visão única da História, do tudo ou nada. Apelidar obras de arte de “degeneradas”, como Goebbels, durante o nazismo, a arte ocidental de “decadente, burguesa, capitalista e reacionária”, como Lenine na União Soviética, de “contaminadas”, no Estado Novo, a artes miscigenadas no âmbito da colonização e do império, lembra a linguagem de um poder supremacista sobre afirmações culturais tidas como desprezíveis ou indignas.     


2. Defendemos que os monumentos e memoriais, incluindo as letras e as artes em geral, são património histórico e cultural e, como tal, devem ser preservados, contra tudo e todos, o que exige às democracias saber o que fazer de uma memória tida como tolerável e intolerável, no seu tempo e nas suas circunstâncias, sendo inadmissível que se brutalizem, destruam ou vandalizem, tomando como arma de arremesso causas justas ou princípios universalmente consagrados, como o da justiça igualitária e social.


Se aceitamos que todas as obras de arte, incluindo a sua história, a museologia e as ciências do património, são um testemunho de uma História comum, do tempo em que foram produzidas, do que se seguiu e do atual, assim contribuindo para a configuração cultural e espiritual do mundo, também temos de aceitar que são permanentemente transcontemporâneas, não se esgotando na temática que representam.   


Nesta sequência, o questionamento crítico sobre se uma determinada estátua, por exemplo, pode ser retirada, deslocalizada, armazenada, transferida para um museu, discutida, historicamente contextuada e enquadrada, até por razões meramente estéticas ou de gosto, pode ser exequível e ser aceite pela comunidade, mas não ser adulterada, apeada, brutalizada, destruída, vandalizada, muito menos quando a iconoclastia integra uma agenda de protesto. O mesmo quanto à remoção, destruição ou vandalização de esculturas ou pinturas que só num determinado enquadramento previamente programado se justificam, que são transcontextuais e isentas de culpa dos desmandos humanos, mas que podem, a todo o tempo, ser contextualizadas e confrontadas com esculturas e pinturas contemporâneas sobre os mesmos temas. 


Mesmo que ideológica, política e socialmente comprometidos, os monumentos, memoriais e a arte em geral são sempre um testemunho vivo que suscita debate, controvérsia, seja no espaço público, museus, bibliotecas, igrejas, edifícios estatais ou civis, porque portadoras dos olhares do passado, do presente e do futuro. 


E ao abrir e reconhecer uma parte oculta da História, pode-se enriquecer a narrativa, torná-la mais verídica.


Daí que quem quer exercer o poder sobre o presente não tem que destruir o passado. Mais fácil, sem dúvida, em sociedades onde se aceita o respeito por uma pluralidade de visões e de diferentes memórias, onde há liberdade de expressão, de manifestação e de protesto, amiúde não reconhecida por quem dela aí beneficia, por confronto com países onde a intolerância é a regra.


01.03.24
Joaquim M. M. Patrício

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


163. O ASCENSO HIGIENIZANTE DE NOVAS CENSURAS


São regras de bom senso preservar os livros intactos para quem os aprecia e gosta de ler. Se há quem seja incapaz de os ler como foram escritos, é melhor não o fazer e não os comprar. É uma solução fácil, em sociedades onde prima a defesa da liberdade de expressão e de pensamento.


Já tivemos a Inquisição e fogueiras onde se queimavam livros proibidos em nome de interesses políticos, religiosos, patrióticos, nacionais ou morais. Agora são reescritos livros atuais ou de épocas anteriores, porque ofensivos da sensibilidade de pessoas ou leitores sensíveis, o que pode ser extensivo a esculturas, filmes, discos, à revelia dos seus autores.   


A pretexto de um olhar contemporâneo mais adequado, em Inglaterra, por exemplo, foram reescritos livros de escritores como Agatha Christie, Enid Blyton, Ian Fleming, Roald Dahl ou Joseph Conrad em que foram feitas alterações de adjetivos, substantivos ou palavras suscetíveis de magoar sensibilidades do tempo presente, tais como: “gordo” passou a “enorme” ou “grande”, “macho” para “homem”, “fêmea” para “mulher”, “pais” e mães” para “família”, “rapazes” e “raparigas” para “crianças”, “homens pequenos” e “mulheres pequenas” para “pessoas pequenas”, “nativo” para “local”. Sendo eliminados quaisquer insultos, palavras ofensivas como “doido”, “feio”, “louco” ou “preto”, “branco”, “amarelo”, “castanho”, “africano”, “oriental”, se tidas como uma inoportuna referência ou pretensa inferiorização racial, por maioria de razão se de um presumível supremacismo branco. 


Entre nós, por este veredicto, poetas das cantigas de escárnio e maldizer, obras de Gil Vicente, Bocage, António Botto, Mário Cesariny de Vasconcelos e Luiz Pacheco, entre tantos outros, seriam (ou serão?) reescritas, higienizadas do mal, do mau gosto e maldade a que não podem ser expostas pessoas diferentes e sensíveis, que não são obrigadas a lê-las, mas não podem proibi-las de serem lidas por quem quer.   


Ganha relevância, neste contexto, o clamor de Salman Rushdie, em 2023, escritor cuja vida se alterou, de modo irreversível e fatídico, após publicar um livro e, por causa dele, ter sido condenado à morte pelo ayatollah Khomeini, tendo sofrido, em 2022, um ataque que o cegou e deixou imobilizado do braço direito, o da mão com que escrevia, ao dizer: “Penso que estamos a viver um momento em que a liberdade de expressão e a liberdade de publicação nunca estiveram, no meu tempo de vida, sob uma tal ameaça nos países do Ocidente”.     


Que o autor modifique uma obra sua é aceitável e tolerável, mas é incompreensível que censores sociais, em representação da ética, moral, religião, política ou ideologias que defendem, se arroguem no direito de reescrever obra alheia. 


Os livros têm autor, goste-se ou não, leiam-se ou não, mas não podem ser adulterados por mão alheia. O mesmo em relação a outras criações artísticas e culturais de terceiros, repintando-as, desconstruindo-as, desmontando-as e remontando-as, ou algo similar.


Também a diretora de uma escola dos Estados Unidos foi demitida por os pais dos alunos descreverem como pornográficas as imagens da escultura de David, de Miguel Ângelo, expostas numa aula, apesar do seu realismo anatómico e ser uma obra prima da arte renascentista e mundial.


Aplicando este critério censório, para quando uma maior higienização na pintura, no desenho, na música, na televisão, cinema, teatro, porque não podemos ser confrontados com o que é ofensivo (para alguns) e o que está fora desta novidade do politicamente correto? 


Toda e qualquer censura, mesmo que maquilhada de novas regras, deve ser denunciada, combatida e removida, não sendo tolerável que se alterem ou proíbam realidades que são parte integrante da vida de todos os dias (com exceção de situações do foro criminal), pois a liberdade de expressão não protege o pensamento de quem concorda connosco, mas o de quem discorda de nós, dado que para concordar e nunca discordar não se justifica, sob pena de sucumbir a liberdade de diversidade e universalidade cultural.     


23.02.24
Joaquim M. M. Patrício 

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


162. AS ARTES DE BEM E DE ELITE E A SUA LIBERDADE


As artes de bem ou boas artes são tidas como compreensíveis por todos, um meio de comunhão universal entre as pessoas que entendem o seu valor intrínseco, não as excluindo da cultura.   


As artes de elite são tidas como deliberadamente excludentes do grande público e das pessoas em geral, operando por códigos elitistas e intelectualizados, só acessíveis e compreendidos por uma minoria.   


Se todas as pessoas têm direito ao gozo, uso e fruição da cultura (que é um dos direitos humanos), incluindo as artes, pode indagar-se do porquê de fazer, divulgar e promover   arte a partir de premissas estéticas e opiniões conceptuais de vanguarda, impedindo uma alfabetização cultural do povo, tido como inculto, em benefício de meios tidos como de média e alta cultura inacessíveis, no seu Olimpo, ao cidadão comum. 


É mais consensual haver boa arte ou artes de bem quando nelas sobressai o aprazível, o belo, a contemplação, o deslumbramento, o sublime e o transcendente, se acessíveis e universalmente entendíveis, por maioria de razão se aceitáveis por crianças, jovens e adultos, servindo também para entreter, não apenas educar, fazer pensar ou ter uma experiência estética.         


Ao invés, é mais incompreensível, ininteligível e irracional uma arte (ou artes) que nos impõe uma disponibilidade e obrigatoriedade, por vezes penosa, de pensar, que aborda uma realidade nua e crua, irrealista ou surreal, onde há o culto da irracionalidade, da obscuridade, duma experiência puramente estética, sem qualquer coerência lógica à vista desarmada de uma primeira impressão, por vezes chocante.   

Para ascendermos e nos transcendermos através das artes temos de, por um lado, nelas incorporar tudo o que somos como seres humanos, entre a luz e as trevas, elevando-nos da lama, sem omitir os impulsos e instintos que conscientemente não controlamos e, por outro, estar permanentemente a ir mais além, demandando o que não sabemos, numa busca infindável do que não conhecemos.


Sendo uma experimentação contínua e uma tentativa permanente de superar limites, em transgressão, revelia e rutura com as normas vigentes, valem por si, são um fim em si, não um meio ou instrumento para um fim, validando-se através de critérios próprios e não de validação exógena.


Realismo, neorrealismo e realismo socialista, por exemplo, que se presumiam grandemente apreciados e universalmente compreensíveis, foram ultrapassados, nomeadamente em países democráticos, que acolhem políticas plurais de cultura, sem dogmas ou imposição de gostos estéticos, dando abertura a que as artes dependam, no essencial, da emoção que provocam.


O que não sucede em regimes autoritários, ditatoriais e totalitários, onde são um meio ou instrumento de transformar a sociedade (não a arte) através de uma arte oficial, formatada e mais acessível às massas, que só admite uma ideia pré-formada da realidade, uma só e igual para todos, o que conduz a uma amputação da génese da criação artística.


Só havendo espaço para a liberdade, inerente à criação artística, podem coexistir todas as artes, incluindo as tidas tradicionalmente ou convencionalmente por boas, de bem ou compreensíveis pelas massas, assim como as de elite ou elitistas, compreensíveis por uma minoria ou ininteligíveis pela maioria, dado que a diversidade é a condição das liberdades.   


Todas as artes têm uma função, seja ela social, estética, de contemplação, da emoção que causam, de nos ascendermos e transcendermos para além da nossa própria materialidade, mesmo que ao observá-las ou usufruí-las não reconheçamos algo que nos leve para além da realidade, porque não gostamos ou percebemos, o que não invalida que futuramente sejam compreendidas pela maioria ou por todos, como tantas vezes sucedeu com obras de arte vanguardistas que se anteciparam temporalmente.


Antes a provocação da arte pela arte, acolhendo a dissensão em liberdade, uma linguagem permanentemente trabalhada e a trabalhar, mesmo a alegórica, metafórica, misteriosa, metafísica ou simbólica, do que a mera possibilidade de fixação de regras e dogmas ideológicos a que a criação artística se deve submeter, mesmo que mais acessível e de compreensão universal, sob pena de nos confrontarmos apenas com o determinismo do já conhecido, à revelia do desconhecido como promotor e questionador do progresso.  


16.02.24

Joaquim M. M. Patrício

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


161. O MELHOR E O PIOR NAS ARTES E NA VIDA


“É muito libertadora a facilidade, sempre que ouvimos a música de Wagner, com que nos esquecemos da maldade do compositor. A razão é simples: a música é muito boa. Deve haver uma escala de correspondências morais entre os defeitos humanos de um artista e as qualidades artísticas das coisas que criou. Se foi - ou é - muito má pessoa, as obras de arte têm de ser muito boas. Wagner tinha muitos defeitos para compensar, mas compensou-os.


Também há artistas que são humanamente muito bons, mas que artisticamente são infernalmente maus. Talvez sejam bonzinhos por serem tão maus. Nisso, parecem-se com os bons artistas que acham graça serem mauzinhos como as cobras.


Talvez a maldade tenha uma tabela de preços: quanto maior, mais se tem de pagar em obras de arte”
(Miguel Esteves Cardoso, A Tabela de equivalências, Público, 22.01.24).     


Eis um exemplo de um bom compositor e de um mau cidadão. Do que há de melhor na música, a maior de todas as artes, para muitos, e o que há de pior na sua vida, conhecida pelo seu anti-semitismo, prosseguido por descendentes (o que não significa que, o que com acutilância, ironia e perspicácia é citado, seja adequadamente extensivo e científica e diretamente proporcional à maioria dos criadores).     


A História está cheia de pecados e vícios privados, tantas vezes horrendos e ocultos, de homens e mulheres das letras, ciências e artes em geral que foram e são pessoas canonizadas e consagradas pela sua obra, mas desaconselháveis, maus exemplos ou desprezíveis em função de uma moral pública e legal vigente, em convivência com sórdidas histórias de família.


Pergunta-se: pode o autor ser menos avaliado do que as ideias que defende enquanto indivíduo, pessoa singular ou cidadão comum, separando a obra do seu criador?


Considerando que uma obra vale e deve valer por si, ao arrepio das opções pessoais do seu autor, do politicamente correto ou das políticas que a divulgam ou promovem, sempre entendemos que pode e deve separar-se o valor intrínseco da obra do seu criador, quando falamos de criação artística, por exemplo.   


O que não exclui ser legítimo saber o essencial da biografia dos criadores, alguns tidos por génios ao pretenderem ajudar a regenerar, revolucionar e alterar a natureza humana, o que nos leva a concluir que o mundo não pode ser apenas modificado e remodelado pela força do intelecto, das ideologias, ideias e conceitos, havendo que averiguar e examinar de perto a vida das pessoas, in casu, dos autores das coisas criadas.


Sem esquecer que a arte é um espaço de liberdade onde tudo é possível, onde podemos colocar o que há de melhor e pior em nós à revelia do sistema, em que esse melhor e pior é parte de quem somos como seres humanos evoluíveis, defectíveis e perfectíveis.


09.02.24
Joaquim M. M. Patrício

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


160. A AVENTURA DA FILOSOFIA, DA CULTURA E DA DEMOCRACIA


Na filosofia, na cultura e na democracia deve imperar o incerto, o imperfeito, o impermanente, a descoberta, a diversidade, a dúvida, o que nos interpela, o que promove o diálogo, o estudo, a investigação, o que nos estimula e atrai a criar, a continuar, a inovar. 


Se a filosofia é uma formulação de porquês geradores de outros porquês, se a cultura, na sua pluralidade, é uma interpelação permanente da realidade que nos liberta e transcende, se a democracia se funda na heterodoxia da liberdade de expressão, de pensamento, de informação, o que as deve entusiasmar é o que queremos saber e não sabemos, o que nos deve incentivar a uma disponibilidade constante para a aventura, desbravando e mapeando novas realidades, conhecimentos e saberes.   


São a continuação da curiosidade, um formular de perguntas com poucas ou nenhumas respostas, do querer descobrir ou saber, um processo infinito e intemporal de um diálogo intergeracional que envolve ouvir, colaborar, participar, conflituar e negociar, rumo a um ideal de referências tidas como comuns e sem absolutização de valores pré-fixados.     


Prevalecendo nelas o ir mais além do além, a sua evolução é gradual e por fraturas, qual matéria viva e incandescente, que pulsa, respira e demanda o desconhecido.


E se o nosso mundo é feito pela variedade de pequenos mundos, o relativismo será um dos seus fundamentos, aceitando, reconhecendo e valorando a ideia de que a capacidade de nos aproximarmos da verdade intrínseca e estrutural da filosofia, cultura e democracia deriva, no essencial, do escrutínio, do sentido crítico, do pleno exercício do contraditório, da complexidade e multiplicidade de ideias que proporciona, aceitando o compromisso como um fim inevitável a alcançar, com adequação, proporcionalidade e razoabilidade.


Questionando o que sabemos e não reunindo um conjunto de verdades absolutas, todos podemos filosofar, ser mensageiros culturais e defensores da democracia, mas nem todos querem fazê-lo, desde logo porque mal visto, por muitos, o querer pensar sobre nós, o que nos rodeia e ultrapassa, não admirando que tal atitude seja estimulante para uns (democratas) e perigosa para outros (autocracias, ditaduras e totalitarismos).


É nos domínios em que é maior a nossa ignorância que a aventura filosófica, cultural e democrática é mais importante, onde a noção de liberdade é mais urgente, não se adaptando a organizações hierárquicas anárquicas, ditatoriais ou totalitárias. 


O seu cerne é a liberdade, mesmo em tempos de escuridão, como escreveu o poeta: “Uma pequenina luz bruxuleante/ … brilhando no extremo da estrada/ aqui no meio de nós/ … Mas brilha/ …  Brilha” (Jorge de Sena, “Uma pequenina luz”).        


02.02.24
Joaquim M. M. Patrício

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


159. O NÃO PODER E O SUPERPODER DA CRIAÇÃO ARTÍSTICA


Rareia alguém querer que os seus filhos sustentem permanentemente as suas vidas como escritores, desenhadores, pintores, escultores, compositores, músicos, fotógrafos, ilustradores, através do cinema, do teatro, da dança, da moda, de experiências artísticas que possibilitem misturar imagens, movimentos, sons, textos, pela via digital ou computacional.


Quase ninguém, ou “ninguém”, quer filhos artistas ou criadores artísticos, porque há a perceção, na sociedade, que a criação artística e as artes em geral não dão, aos seus mentores e protagonistas, estabilidade e sustento, mas sim carência, incerteza, insegurança.     


Mesmo que únicos, geniais ou dotados de uma singularidade diferenciadora, essa genialidade deve ser canalizada para áreas mais estáveis, portadoras de conforto e de uma garantia de sucesso em termos económicos e sociais.


Querem-se filhos economistas, engenheiros, gestores, informáticos, juristas ou médicos, mas não profissionais do âmbito e domínio artístico, mesmo que exaltemos grandes escritores, poetas, músicos, pintores, escultores, realizadores, atores, começando por aqueles que podemos fruir, ler ou ouvir nas nossas casas.


No entanto, todos reconhecemos que os criadores artísticos são uma grande parte das referências do mundo em que vivemos, estimulando e escrutinando o sentido crítico das coisas, inovando e superando a nossa condição humana, enriquecendo a cultura com o belo, criações e ideias novas, numa aventura sem fim. 


E como referências do nosso espaço existencial podem definir a História, criar um registo ou deixar um testemunho para o futuro. Para que o futuro o possa ler, ouvir, reproduzir ou ver. 


Se a História fala de poderosos, que tiveram poder sobre milhares ou milhões de pessoas enquanto vivos, ao invés do pouco poder que a quase totalidade dos criadores artísticos tiveram em vida, após a morte de todos sobrevive apenas o testemunho e o registo que ficou como superpoder dos escritores, pintores, escultores, músicos, cineastas, entre outros, como classificação e memória coletiva de uma época e civilização, como o exemplifica a “Guerra e Paz”, de Tolstoi, obra que melhor retrata a invasão da Rússia por Napoleão. 


Mesmo quando perseguidos ou assassinados em vida, muitos desses criadores sobreviveram e sobrevivem, com o legado da sua obra, após a morte, através de um poder (ou superpoder) que contrasta com o pouco ou nenhum que tiveram enquanto vivos.     


26.01.24
Joaquim M. M. Patrício

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


158. A ROTINA FELIZ DOS DIAS PERFEITOS


Será que a mesma rotina e o ritual repetitivo do trabalho diário nos fazem felizes, fazendo perfeitos os nossos dias?       


Dependendo a felicidade essencialmente de condições interiores e, em parte, de condições exteriores, pode dizer-se que, em princípio, todas as pessoas que gozam de boa saúde e podem satisfazer as suas necessidades deveriam ser felizes, ter dias perfeitos, não sendo essa a regra. Porquê?   


Em “Dias Perfeitos”, de Wim Wenders, filme japonês de um realizador alemão, há uma tentativa de resposta, através do elogio às coisas simples e repetitivas da vida, em harmonia com a natureza e a sociedade, num estilo de despojamento monástico, feito de silêncios, contemplação, em interação com a poesia, que nos interpela e exige disponibilidade a quem vê.


Eis os dias perfeitos do inesperado protagonista Hirayama: acordar matinalmente com os primeiros raios solares, barbear-se, vestir-se, tratar das plantas, pegar algumas moedas, comprar um café gelado de máquina, conduzir a carrinha da sua ronda diária, ouvir música enquanto conduz, limpar minuciosamente as mais tecnológicas casas de banho de Tóquio, almoçar uma sandes no mesmo banco do jardim, fotografar árvores com a mesma máquina portátil, tomar banho nas mesmas casas de banho públicas, jantar no mesmo restaurante de bairro, ler antes de dormir, deitar-se e acordar de novo, repetindo-se os mesmos locais, movimentos e o gosto pela leitura, música, fotografia e andar de bicicleta.               


Trata-se de um homem de rotinas que sorri, de poucas falas, sem família, de uma rotina austera, metódica e organizada, desempenhando a função com dedicação e profissionalismo, que educadamente se afasta e espera se alguém quer usar os sanitários, que ouve música num leitor de cassetes, faz culto do analógico, não frequenta redes sociais, mantendo-se afastado (em termos pessoais, mas não profissionais) da tecnologia digital.     


O acordar, levantar, higienização pessoal, vestir, pequeno almoço, sair de casa, trabalho, almoçar, regresso ao lar, jantar, dormir, acordar e levantar de novo, sucessiva e repetitivamente, são os dias perfeitos, universais e transversais a todos nós, no nosso dia a dia costumeiro, obrigatório, evasivo, que nos transcende e em que há a consciência do dever cumprido, pois uma vida sem uma permanente solenidade de ritual legal não serve, sendo mais um favor (e não um absurdo) a pretensa condenação que Sísifo recebeu em nossa representação, salvando-nos do vazio, por mais ilógico que nos pareça.       


E há a força e o poder da música, com banda sonora e canções de Lou Reed (Perfect Day, inspiração do título da película), Patti Smith, Van Morrison, Kinks, Otis Reding, Nina Simone. E uma icónica interpretação, em japonês, num restaurante nipónico, da admirável The House of Rising Sun, dos Animals. Presume-se não ser mero acaso que um dos pontos culminantes do filme seja A Casa do Sol Nascente no Império do Sol Nascente. A que acresce a leitura de obras de Faulkner e Patricia Highsmith, visitas a uma livraria que vende livros usados, revelando-nos um homem curioso, culto e sensível, que tem como bênção ou tábua de salvação a cultura, que o ajuda a superar uma solidão existencial, austera e radical na sua simplicidade.   


Todo este mundo, feito de pequenos mundos, em que o máximo de satisfação é feito de prazeres simples, é quebrado pelo aparecimento de familiares, nomeadamente uma irmã, que o confronta com quão desprezível é trabalhar num emprego desprezado socialmente, quando poderia viver melhor.   


O que nos interpela sobre o que são os nossos dias felizes, perfeitos, a felicidade, a beleza, o espiritual, saber ouvir o silêncio, numa sociedade que se orienta em prol da estética, do consumismo, do culto do excesso, do hedonismo e da imagem, ao invés de um equilíbrio voluntário de autossatisfação e de desejável felicidade, numa simbiose de simplicidade e profundidade, aceitando antecipadamente a rotina como parte inevitável e integrante de todos nós, de todos os dias perfeitos, por mais imperfeitos e finitos que sejam.   


Se assumimos que a maioria das nossas vidas é rotina necessária e consentida, uma sacralização humanista do nosso quotidiano, há que aceitá-la como imprescindível para os nossos dias perfeitos, mesmo que por natureza sejam e sejamos imperfeitos. 


19.01.24
Joaquim M. M. Patrício

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


157. TURISTA E VIAJANTE


O turista não vai além daquilo que está à vista, do que vê nos postais, guias, revistas, vídeos de viagens e o que publica nas redes sociais, planeando e fazendo o que está certo, observando ao longe e privilegiando selfies e fotos, para aparecer, provar que existe e dizer: “Vejam, eu estou aqui e estive lá”.   


O viajante, em geral, não é turista, é alguém que explora, chega a um determinado lugar e descobre, improvisa, planeia e segue ao sabor do vento, foge às rotas mais típicas e massificadas, é altamente opinativo, de subtileza no olhar, sem perder os lugares imperdíveis e os alternativos. 


Vivendo numa espécie de ecrã global, em que todos querem aparecer a qualquer preço, em que conta, cada vez mais, o que projetamos de nós numa imagem, vendo a vida através de uma câmara, há que saber distinguir entre os que estão essencialmente preocupados em visitar os lugares mais na moda e populares, tirar selfies para provarem que estiveram lá (turistas) e os que querem conhecer, descobrir, experimentar e sentir outros locais e culturas através da história, tradições, modo de vida e gastronomia local, tirando fotografias para memória (viajantes). 


Nem todas as pessoas, incluindo turistas ou viajantes, publicam as suas imagens de viagens nas redes sociais, tipo “Maria vai com as outras”, em obediência ao modismo narcisista “se não te mostras, não existes”, pois nem todos os outros têm de estar informados de tudo o que fazemos, sob pena de exclusão da nossa privacidade.


Em ambas as situações há uma antecipação da viagem, que nos dá a diferença entre o modo como imaginamos um lugar e o que pode acontecer quando lá chegamos, havendo a ideia de que a realidade da viagem não é o que antecipamos mentalmente, podendo-o ser para melhor (otimistas) ou para pior (pessimistas), sendo tido como mais seguro sugerir que é, antes de tudo, fundamentalmente diferente.   


E se, por um lado, em ambos os casos, a memória opera um processo de simplificação e de triagem de imagens das viagens feitas, em que a memória ativa não reteve mais que um número restrito delas, que sobrevivem conscientemente, também é verdade que enquanto o turista visita o eventual lugar dos seus sonhos, o viajante visita mais lugares dos seus sonhos por onde quer viajar.


12.01.24
Joaquim M. M. Patrício