Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Arquílico, antigo poeta grego, escreveu: “A raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe apenas uma grande coisa”, metáfora que abre o livro “O Ouriço e a Raposa - Ensaio sobre a Visão da História de Tolstói”, de Isaiah Berlin.
Impactante pela sua simplicidade, eficácia e representação, há várias interpretações sobre o seu significado, indiciando-se que agarra mais de perto o seu fim a de que a raposa, apesar de toda a astúcia, malícia e manhas, desiste de ferir e trespassar o ouriço, pelo único e definitivo recurso de defesa que ele tem: os espinhos.
Em sentido figurado, divide-se os humanos entre ouriços e raposas: os primeiros, de ideias centrípetas, são associados a uma visão central e única, a um só princípio organizador universal, procurando explicar a diversidade do mundo por referência a um sistema monista, a partir do qual se compreende, pensa e sente; os segundos, de ideias centrífugas, pensamento difuso e disperso, são pluralistas, sabem que há vários fins, nem sempre compatíveis entre si, apreendendo-se a essência de uma heterogeneidade de experiências e objetos, sem se determinarem por uma visão dominante e essencial, onde a variedade do mundo não valida um só sistema explicativo.
Esta categorização ampla de uma procura de saberes abrangentes e uma visão global do mundo (raposas), de uma grande coisa que dê unidade formal à nossa realidade para nos reconciliarmos com o universo (ouriços), mesmo que redutora e simplista, se bem contextualizada, pode servir de guia e meio instrumental a nível ideológico, político, empresarial, intelectual e outros.
Para Isaiah Berlin, por exemplo, são “ouriços” Platão, Dante, Pascal, Hegel, Dostoévski, Marx, Nietzsche, Ibsen e Proust. Heródoto, Aristóteles, Shakespeare, Montaigne, Erasmo, Molière, Goethe, Púchkin, Balzac e Joyce são “raposas”.
Entre nós, referimos o padre António Vieira, Antero de Quental e Teixeira de Pascoaes como “ouriços”, Eça de Queirós, Fernando Pessoa e Eduardo Lourenço como “raposas”.
Ao dividir os intelectuais entre ouriços e raposas, acabou por criar dois tipos de personalidade distintivos presentes na história intelectual do Ocidente, que pode ser extensiva e adaptada a outras grupos, como a separação entre platónicos e aristotélicos, autocracia, ditadura, totalitarismo e democracia, pluralismo, liberalismo, especialistas e generalistas, tudo indiciando encaminhar-se, perante esta dicotomia, que uma liderança financeira ou empresarial de sucesso cabe preferencialmente aos “ouriços”.
Também há os que são naturalmente raposas e acreditam ser ouriços, e o inverso, exemplificando-o Isaiah Berlin com Tolstói que, segundo ele, foi “por natureza uma raposa, mas por convicção um ouriço”.
Quem é mais feliz?
Em face das consequências de um pensar aparentemente inócuo, há que viver, interrogando-nos e conciliando-nos, o que será tema vindouro.
Se o combate pela diversidade cultural e linguística não pode ser isolado, porque feito com os que para ele sensibilizados, significa que essa partilha é uma participação em igualdade, que acautele e evite posições de preponderância de um dos parceiros.
É saudável e gratificante cultivar e manter a diversidade linguística, dado que cada língua tem um tipo de relação com a realidade, sendo perigoso e redutor poder apenas contar com uma.
Sendo a língua um bem imaterial, da esfera do conhecimento, difícil de quantificar, o conhecer vários idiomas dá-nos mais probabilidades de encontrar mais e melhor, usando diversas ferramentas para pesquisar a realidade.
Se é verdade que o princípio da igualdade linguística impulsiona, em sentido crescente, o respeito pela variedade cultural e das línguas, de igual modo, em contrapartida, o progresso e a globalização, resultante dessa reciprocidade, estimula uma uniformização cultural e linguística.
Não podemos - consciente ou inconscientemente, por predisposição, inércia, paixão, ausência de amor próprio, provincianismo ou complexo de inferioridade - deixar que a nossa língua seja preterida ou dominada por uma estrangeira, revelando baixa consideração por ela.
O princípio da reciprocidade tem aqui papel primordial, institucionalizando-a em reuniões bilaterais, trilaterais, ou similares, em termos políticos e governamentais, onde cada elite ou poder interveniente faz questão em usar, mediática e publicamente, o seu idioma, dignificando-o num patamar de diversidade e igualdade recíproca, por maioria de razão quando línguas de comunicação global e internacional, como a nossa, nem sempre acarinhada e favorecida, por nós, a esse nível, por quem tem o dever primordial de o fazer, por confronto com terceiros que não ocultam a sua dos ouvidos alheios, nem a têm em baixa estima, muito menos na própria casa.
XCVI - PERFIL DE ANTERIORES E NOVAS VAGAS IMIGRATÓRIAS
Comparativamente às novas vagas imigratórias em Portugal, eram as anteriores, no essencial, de imigrantes das ex-colónias, cuja ligação se fixava, maioritária e naturalmente, por uma língua comum.
Eram imigrantes preferencialmente do espaço lusófono, ao invés de um novo perfil de origem anglófona, francófona, asiática, eslava, entre outros.
Enquanto anteriormente se diferenciavam, na quase totalidade, por baixas rendas e qualificações, há um novo perfil imigratório que se particulariza por serem recursos humanos qualificados e de um elevado património líquido.
Sendo um país intercultural, aberto a imigrantes, de emigrantes e com uma população das mais envelhecidas, é-nos dada uma esperança para amenizar o inverno demográfico e escassez de mão de obra.
Sucede que, em termos linguísticos - e se acreditarmos que o português é um ativo que não podemos desperdiçar - há uma nova vaga de imigrantes que se limita a estar entre nós enquanto auferir um benefício pessoal imediato, não se vendo como solução para os nossos problemas demográficos, económicos e outros, alheando-se da nossa cultura, a começar pela língua, e não reconhecendo em Portugal uma fonte civilizadora.
São, essencialmente, imigrantes muito qualificados, de altos rendimentos, criativos, cosmopolitas, globalizados, falantes fluentes de inglês, entre outras línguas, com capacidade para uma mobilização conjuntural e permanente (de país em país), ao gosto das circunstâncias, não portadores de uma mais valia estrutural, com uma experiência de inclusão limitada.
Interessa que permaneçam, não só porque aconchegados pelo nosso clima, pacifismo, natureza, gastronomia, baixo custo de vida (para eles), mas também abrindo novos espaços e mentalidades, investindo, criando postos de trabalho e integrando-se, o que mais vezes, do que seria desejável, não acontece, manifestando-se amiúde na não aprendizagem da nossa língua.
Nem sempre por responsabilidade exclusiva, dado o provincianismo de alguns portugueses, no próprio país, omitirem o idioma materno e usarem o alheio, mesmo que o interlocutor se esforce por o aprender e falar, chegando ao cúmulo de ter presenciado, num hipermercado, uma portuguesa atender, sempre em inglês, um imigrante que se esforçava, expressando-se e respondendo sempre em português! (apelei a uma colega, que se apercebeu, para chamar a atenção para o exagero, que compreendeu, prontificando-se a fazê-lo, dado me ter antecipado e não poder esperar).
O que nunca exclui, por uma questão de princípio e de respeito para com o país que nos acolhe, que todo o imigrante se tente integrar e aprender, ab initio, o nosso idioma, apropriando-se dele e tornando mais fácil, por arrastamento, a compreensão e interação com a nossa cultura.
Imigrantes de mais baixos rendimentos e qualificações, incluindo países de nível de vida inferior ao nosso, como das ex-colónias, leste europeu e de algumas bolsas asiáticas (não todas), reveem-se mais e melhor, até agora, como solução para a crise demográfica e aprendizagem da língua, sendo esta comum, para alguns.
Anote-se que entre os originários do Brasil, falantes de português na vertente brasileira, há um novo perfil e uma nova vaga de pessoas qualificadas, de altos rendimentos, diferentes dos brasileiros comuns, singularizando-se por bolsas de brasilidade, preferindo ser vistos como “não residentes” e não como “imigrantes”, em paralelo com os que estão de passagem ou trabalham no nosso país para o exterior, em que uma percentagem relevante nos quer mais como de acolhimento que como de integração.
Em qualquer caso, o permanente aumento da população estrangeira obriga Portugal a refletir sobre o seu futuro como país, contando com o perfil das tradicionais e novas vagas imigratórias, em termos de uma maior inclusão e integração (e não só acolhimento), com reflexos na nossa história e cultura, a começar pela língua, um ativo primordial e internacional de projeção global.
O único Museu da Língua Portuguesa existente, até hoje, está em São Paulo, no Brasil. Embaraçosa a sua ausência em Portugal onde, pela ordem natural das coisas e seu sentido literal (língua portuguesa), faria cabimento que também existisse.
É no Brasil, antiga colónia, que é homenageada, museologicamente, pela primeira vez, em todo o espaço lusófono, da CPLP e a nível mundial, quando é tida, para tantos, como imperialista, colonialista, neocolonialista, xenófoba, racista, homo-hegemónica, que atua em nome da uniformidade, fixando a norma e anulando os dialetos.
Embora haja quem alegue que Portugal transferiu para a língua, que tem como sua, um sentimento imperial, não se compreende que perdido o império, com a subsequente descolonização, expulsão e independência, se possa falar em “língua do colonizador” ou “neocolonialista”, quando foram os novos países (incluindo os africanos) que, voluntariamente, viram nesse idioma um instrumento de unidade e progresso adequado ao tempo presente, e não uma forma de exclusão e regressão.
Há que ultrapassar desconfianças e suspeitas de que tudo o que vem do ex-colonizador é mau por natureza, cabendo referir, por exemplo, Amílcar Cabral que reconheceu que uma coisa boa que ficou no continente africano foi a língua portuguesa.
Nem Portugal tem atualmente “força imperial “para a impor, pois além da língua ser de quem a fala, é de excluir uma presunção de superioridade do português europeu, dado que o futuro do nosso idioma já é, e será, protagonizado de fora da Europa, essencialmente a partir da América do Sul e de África, com a predominância atual do Brasil, havendo uma espécie de inversão, com o fim do colonialismo, dos antigos “colonizadores” em territórios “colonizados”.
Quanto ao Brasil não foi pelo facto de, em tempos idos, ter sido colónia que se inibiu de ser pioneiro em homenagear a língua portuguesa, num museu interativo paulista, inaugurado em 2006, reconstruído e concluído em 2019, após um incêndio em 2015, apresentando a sua diversidade, numa viagem por textos escritos, imagens, sons, vídeos, exposições temporárias (algumas de escritores, como Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa e Machado de Assis).
O MLP, aquando da sua reabertura, em 2021, foi agraciado, pelo presidente da república de Portugal, com a primeira medalha da mais recente ordem honorífica portuguesa, a Ordem de Camões, destinada a: “(…) a galardoar serviços relevantes prestados à cultura portuguesa, à sua projeção no mundo, à conservação dos laços dos emigrantes com a mãe-pátria, à promoção da língua portuguesa e à intensificação das relações entre os povos e as comunidades que se exprimem em português”.
Significativo também, nesta sequência, um texto conjunto do escritor angolano Agualusa e do moçambicano Mia Couto, que sintetiza o porquê e a importância do museu: “Ao mesmo tempo que ia sendo instrumento de dominação colonial, a língua portuguesa era já o avesso disso: componente fundamental na criação de identidades autónomas, no Brasil, em Angola, em Moçambique, em Cabo-Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau” (a que acrescentaremos Timor-Leste).
Sugestivo ser em São Paulo a sua localização, urbe com o maior número de falantes de português.
Porquê a sua omissão em Portugal? Ou de monumentos, evocações, sem complexos, deslumbramentos ou sacralizações, mas sim com a dignidade e merecimento que merece? Será que o exemplo tem de vir de “fora”?
Se filosofar é uma formulação de porquês geradora de outros porquês, um refletir sobre nós, a vida e a morte, questionar as coisas, escrutinando em permanência o que temos por adquirido e se a filosofia, em paralelo, interpela a incerteza, o desconhecimento, o amor pelo saber experimentado pelo ser humano consciente da sua ignorância, não surpreende que esta realidade seja tida por estimulante, para uns (democracias), e perigosa, para outros (ditaduras e totalitarismos).
Não reunindo um conjunto de verdades absolutas e pondo em causa o que sabemos, todos podem filosofar, mas nem todos querem fazê-lo, pois é mal visto, por muitos, o ato de pensar e de refletir sobre as coisas.
Quem somos? De onde viemos? Que queremos? Que é o ser humano e quem o rodeia? Para onde vamos? Questões permanentes que permanecem desde sempre.
Os estudantes peripatéticos, da escola aristotélica, há mais de dois milénios, filosofavam e refletiam enquanto caminhavam, valorizavam o valor do tempo lento, silencioso e do saber, o que hoje, em geral, é tido como mais inútil que útil, um interessante percurso sem saídas.
Há quem entenda que a filosofia e o filosofar é uma maneira de ensinar as pessoas a desaprender a aptidão natural das coisas e da vida, uma especulação sobre aquilo que a natureza nos dirá que fazer no momento adequado e à revelia do nosso pensar, desempenhando-o ela por nós, não tendo que nos preocupar nem refletir.
Nesta perspetiva, não nos preocuparmos nem refletirmos sobre a morte é um ato de libertação que nos permite simplesmente viver sobrevivendo, mesmo que se tenha como mais difícil.
Para Cícero e Montaigne, por sua vez, filosofar é aprender a morrer:
“Cícero diz que filosofar nada mais é do que aprender a morrer. Isto porque o estudo e a contemplação puxam até certo ponto a nossa alma para fora de nós e mantêm-na ocupada à margem do corpo, o que constitui uma espécie de aprendizagem e de semelhança com a morte; ou antes, porque toda a sabedoria e todos os pensamentos do mundo culminam neste ponto: ensinar-nos a não ter medo de morrer” (Montaige, Ensaios).
Pode-se filosofar sendo hedonista ou moralista, mas há que ter sempre presente que temos que antecipadamente nos convencer que não podemos alcançar ou ter tudo, e que privarmo-nos de alguma coisa faz parte da vida, assim como filosofar é pôr tudo em questão, e mesmo ter dúvidas sobre o universal “só sei que nada sei”, tal como em relação à morte.
1. Steven Roger Fisher diz que no futuro o português desaparecerá e será substituído pelo portunhol, argumentando que os falantes de espanhol, que rodeiam geograficamente o Brasil, irão usar dizeres do nosso idioma na variante brasileira, embora sustente que há diferenças significativas entre o português de Portugal e Brasil, que indiciam a sua separação, se essa tendência crescer, ao invés de uma aproximação do inglês americano e europeu, dada a crescente influência dos Estados Unidos através de filmes, música, cultura em geral, programas radiofónicos, televisivos, de streaming, informática e novas tecnologias.
Para Ivo de Castro: “a história da língua portuguesa pode ser resumida numa frase: falamos de uma língua que nasceu fora do nosso território (de nós, portugueses) e cujo futuro será em larga medida decidido fora das nossas mãos. A língua portuguesa, numa visão temporal ampla, acha-se de passagem por Portugal”.
Qualquer idioma é uma realidade viva, surpreendente e geradora de soluções hipotéticas, não sendo os portugueses europeus a definir, no futuro, o percurso sobreveniente e imprevisível do português, dado serem os herdeiros, sucessores ou continuadores da antiga Europa imperial os novos impérios linguísticos vindouros, como está sucedendo.
Se assim é e o futuro também depende de uma evolução gradual e profunda, sendo o português uma língua aberta, cosmopolita, flexível, integradora e transigente, é de questionar se faz sentido o seu desaparecimento ou substituição, segundo Fisher, ou mesmo o afastamento estrutural e irreversível da norma portuguesa e brasileira, que tornam ociosa qualquer tentativa de intervenção.
2. O tema é polémico, mas também há argumentos que contrariam tais perspetivas.
Se tudo fosse tão simplista, o português europeu de Portugal já tinha desaparecido e sido substituído pelo espanhol, tendo presente que há centenas de anos a Espanha é o único país com que temos fronteira terrestre, que entre 1580 e 1640 correu o risco de ser absorvido pelo castelhano ou ser um idioma ibérico menor sendo, hoje, um dos mais globais e falados internacionalmente.
Corroborado por Portugal ser um Estado unitário e uma só nação, por antagonismo com uma Espanha não homogénea, de várias nações e realidades linguísticas diferentes, suficientemente fraturantes e impeditivas que o hino (espanhol) seja cantado.
Também é redutor falar no seu desaparecimento no Brasil por estar rodeado por países falantes de espanhol, ou ser substituído por outro idioma, tipo portunhol, agudizado por se constatar falarmos de um país que tem 40% da população da América do Sul, o maior poder económico latino-americano, uma potência emergente e Estado-nação, potencialmente mais exportador (que importador) de mercadorias culturais.
De igual modo é de contestar que haja uma mais acentuada tendência de separação entre a norma portuguesa e brasileira, por confronto com a americana e britânica, porque o inglês europeu e americano se aproximam pelos programas televisivos, cinema, séries, filmes, músicas e eventos culturais que os Estados Unidos exportam em crescendo; dado que entre nós a influência cultural do Brasil está em ascensão e expansão, através da música, filmes, séries, telenovelas, crescente legendagem na vertente brasileira a nível do cinema, ópera, concertos (com uso crescente, por exemplo, do gerúndio verbal), notícias, textos e traduções nas redes sociais, na net, sem esquecer todo o tipo de obras e literatura em português, incluindo a tradução, na variante americana.
A que se junta, recentemente e em permanência, a mais numerosa e nova vaga de imigrantes brasileiros, da mais alta à menos qualificada, em que uma língua comum é sempre determinante e uma mais-valia, independentemente do perfil de alguns que preferem ser vistos por “residentes estrangeiros” e não como “imigrantes”.
Sem ignorar demais países lusófonos e suas potencialidades futuras, que têm o português como língua oficial, lusófilos, seu potencial crescente demográfico e como idioma de exportação.
Para concluir que o eventual desaparecimento, separação ou substituição do português, vale o que vale, por redutor e simplista, como tantas outras previsões registadas ao longo da História, em alternativa com o seu reforço, via norma padrão ou não balcanização.
O francês, por exemplo, era o idioma dominante e diplomático por excelência há cem anos, lugar que perdeu, nos tempos atuais, em benefício do inglês.
Estamos perante uma realidade complexa, em movimento permanente, com raízes na Galiza, cujo futuro dependerá de muitos fatores, entregue a mecanismos históricos imprevistos e que, em qualquer caso, a nossa força de vontade e querer são o mais decisivo.
Se em relação às línguas de origem europeia são os descendentes da velha Europa imperial os novos impérios linguísticos do futuro, como sucede, de momento, quanto ao inglês, por meio dos Estados Unidos, o mesmo ocorrendo, por analogia, com o português, via Brasil, isso significa estarem aquelas, numa visão temporal ampla, de passagem pelo velho continente.
Assim, não surpreende que o estudo do nosso idioma se deva essencialmente ao interesse pelo Brasil, seguido por Angola.
Sendo o Brasil, com Portugal, os dois países, dos oito lusófonos, que têm uma ação de política de língua institucionalizada.
À acusação de que o Brasil tem feito pouco pelo português, há uma tentativa de inversão desse diagnóstico, a que não será alheio, até hoje, um só Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, a que se junta, recentemente, o Instituto Guimarães Rosa, sob tutela do Ministério das Relações Exteriores, que tem por missão a promoção do português e a difusão e relançamento da cultura brasileira no exterior.
Considerando ter este instituto brasileiro (GR) por fim específico “promover a cultura e língua portuguesa de vertente brasileira pelo mundo” (sublinhado nosso), pode questionar-se se não será prejudicial para a difusão da cultura e o português de variante europeia, sendo a resposta, por nós, negativa.
O IGR “peca” apenas por tardio, não sendo novidade como modelo de atuação tendo, como referências anteriores, o Instituto Camões, em Portugal, o Britânico, no Reino Unido, o Cervantes, em Espanha, o Goethe, na Alemanha, o Confúcio, na China, a Aliança Francesa, em França.
A que acresce o Wall Street English (sucessor do Wall Street Institute) e a American School of Languages, dos EUA, na variante do inglês falado na América, pelo que também não é original que haja um instituto que promova a variante do português falado no Brasil e em Portugal, o que não é inconveniente nem incompatível, pois podem ser uma mais valia para evitar uma balcanização da língua portuguesa.
Assim como é importante, para melhorar o idioma de forma mais global, conhecer o inglês na vertente britânica, mesmo que a intenção seja apenas aprender a variante americana, também o é conhecer o português na sua variante europeia, mesmo que haja só o querer na vertente americana, e o inverso.
O que implica vontade prévia de cooperação entre o IC e o IGR no curto, médio e longo prazo, com contributos de falantes de português de outras latitudes, mesmo que o dificulte, quanto a estes, a ausência de uma política externa não institucionalizada.
E por que não uma colaboração e cooperação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, sobre o qual não há matéria pública relevante que se conheça?
Contrariamente a um pensar usual o inglês, o francês e o espanhol também apresentam grafias diversas para a mesma palavra, várias opções lexicais, expressões e frases de imediato não acessíveis a um falante de outros países, inovações sintáticas que ocorrem em línguas globais faladas em diversos continentes (ou extremos do globo) sem comunicação no dia a dia, não o sendo exclusivo do português, e nada disso exclui o seu uso ou impede a sua aceitação.
Seria surpreendente, por exemplo, que não houvesse diferenciação entre a variante do inglês falada no Reino Unido, Estados Unidos, África do Sul, Índia, Austrália e Nova Zelândia, a do francês falada em França, no Quebeque (Canadá) e em África, o mesmo sucedendo quanto às tradicionais variantes portuguesa e brasileira (sem esquecer a africana, ainda no começo).
Se todos estes idiomas apresentam realidades similares em relação às suas variantes, é pertinente estudar estes fenómenos a nível interno e no espaço natural em que se integram (anglofonia, francofonia, hispanofonia, lusofonia), sendo-o desaconselhável a nível político internacional, uma vez enfraquecer a sua afirmação, funcionando essencialmente como um argumento contra quem o levanta.
É uma questão que aparenta ser tida como um problema “inultrapassável” para o nosso idioma, não só interna e, mais grave, que se exponha externamente, não constando que internacionalmente os responsáveis falantes dessas línguas, tão globais como a nossa, promovam que se ponha à vista, em público, esse assunto. Parece que só para o nosso idioma é relevante, quando factualmente não é, com a agravante de, politicamente, em termos internacionais, ser desvantajosa para o português.
É necessário um empenhamento em dar do português uma imagem de uma língua internacional comum que não compete ruinosamente intra muros, vincando mais o que a une do que as diferenças, o que não impede campanhas de sensibilização dos seus falantes em vários países para as especificidades das variantes europeia, americana e realidades culturais e transcontinentais diferentes.
Há quem entenda que o Brasil nunca se interessou suficientemente pela promoção do português, em proporção com o seu peso e número de falantes, sendo premente a sua colaboração e cooperação para travar o nefasto tipo de posicionamento que pode ser aproveitado pelos organismos internacionais para travar o seu uso efetivo, escudando-se em questões ultrapassáveis, como saber que norma ortográfica ou variante usar.
Quando um dia, por direito próprio, o Brasil integrar o Conselho de Segurança da ONU, abrindo caminho ao português como língua oficial, há que, antecipadamente, e desde já, todos os países lusófonos e os lusófilos em geral cooperarem reciprocamente (e não em conflito) para que isso suceda, vincando menos as diferenças que o comum que os une, a começar pela língua.
Evidenciar mais as diferenças que o global que as une, é prejudicial para a afirmação e expansão da nossa língua, enfraquecendo-a por confronto com os outros idiomas internacionais, por maioria de razão no plano externo.
O reforço de Portugal, como realidade cultural e linguística, é o principal suporte da nossa reação aos desafios que a atual globalização nos coloca e à nossa existência como país.
Numa perspetiva económica e financeira, o escudo e a política monetário-cambial nacional desapareceu. Passámos a ter o euro como moeda e o Banco Central Europeu tomou o lugar do Banco de Portugal.
Ao deixarmos de ter moeda própria, perdemos a capacidade de ter uma política de comércio externo, de impor ou não restrições às trocas externas, de introduzir taxas aduaneiras ou alfandegárias, ou outras restrições, a outros países, ficando dependentes de decisões dos órgãos da União Europeia.
A nossa política orçamental está condicionada e sujeita ao Pacto de Estabilidade e Crescimento.
As políticas nacionais estão, cada vez mais, subordinadas a Bruxelas, restando-nos poder ter capacidade para as influenciar.
Portugal como economia é uma região, entre várias, da UE e da zona euro.
Sendo, cada vez menos, um país do ponto de vista económico e sendo-o parcialmente sob um prisma político, é-o ainda no sentido cultural, onde sobressai a língua e o património.
Quando há uma tendência, com a integração europeia e a globalização, para a ausência de barreiras ao comércio e à mobilidade de pessoas e bens, é a nossa realidade cultural que sobressai, sendo imperioso reforçá-la, assegurando o apoio interno e a internacionalização do nosso idioma, das nossas artes e centros culturais, fazendo mais pela manutenção e restauração dos nossos monumentos e pela divulgação de figuras representativas da nossa identidade e universalidade, sem que isso constitua um obstáculo a contactos com outras culturas.
Para que tudo não fique igual e se fortaleça a nossa especificidade como realidade cultural, enquanto espaço de autonomia e diversidade.
“Triste de quem vive em casa, Contente com o seu lar, Sem que um sonho, no erguer de asa, Faça até mais rubra a brasa Da lareira a abandonar!
Triste de quem é feliz! Vive porque a vida dura. Nada na alma lhe diz Mais que a lição da raiz Ter por vida a sepultura.”
(Mensagem, Fernando Pessoa)
Estes versos pessoanos têm uma dimensão e interpretação pluricultural e transversal que transcende a mensagem específica a que aludem (“O Quinto Império”), chamando-nos a atenção para a futilidade de uma vida homogénea horizontal, sem razão de existir que não seja a do dia a dia.
O sonho é um meio de nos transcendermos, ter asas para voar, ir mais além do que é elementar e trivial para sobreviver, afastando a rotina, o aborrecimento, o tédio, mesmo se vitais para a nossa segurança.
Sem espírito de missão, de transcendência e espiritualidade, a nossa passagem terrena está incompleta, caindo-se na mediocridade da mera subsistência, sendo insuficiente deixar aconchegados os filhos, casando-os bem, com casa, seguro, automóvel, termos descendentes e, depois, vem a senhora dona morte e … morremos!
Para Pessoa, foi o saber sonhar, o espírito de missão e de aventura que nos fez voar e transcender, que nos levou a todo o mundo, ficando desses tempos idos uma língua global, património comum da humanidade, tantas vezes por opção voluntária de quem a fala e a tem como imperialista e neocolonialista.
Será que sonhar e transcendermo-nos é só para alguns? E em certas épocas?
Pode ser para todos, em qualquer época, pois se o sonho comanda a vida, é uma maneira de nos transcendermos, materializando-o e procurando-o em vários interesses, pela criatividade, descendência, vontade, persistência e eternizando-o, por exemplo, pela escrita, pelas artes, ciência, tecnologia, digitalização e testemunhos perenes, como modo de lutar contra a angústia de se ser mortal superando-a e concretizando na Terra um ideal abstrato e pensado que esvoaça e se sustem imaterialmente.