Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Uma pessoa no interior de uma brancura luminosa (…) É isso que há aqui. Isso e eu (…) e talvez todos os anjos sejam bons e maus, pois essa também será uma possibilidade (…) era quase como se houvesse algo a que se pode chamar amor (…) ou, ou. (…) É assim. Ou, ou. (…) É quase como uma pequena casa que eu arranjei para mim. Casa.
A recente obra Uma Brancura Luminosa de Jon Fosse, surge pela chancela Cavalo de Ferro em fevereiro do corrente ano.
JF - Nobel de Literatura de 2023 - nas 54 páginas deste livro proporciona um núcleo do sublime de uma escrita única, assombrosa e comovente.
Leio sempre Jon Fosse aproximando-me dos passos que me levam até quem conhece como se fecham as abóbodas.
Mais uma vez, neste livro, palavra e ação são meios de conhecimento decisivo quando do choque Jon Fosse sabe que nem sempre resulta o mesmo.
E de tudo nos aproximamos como quando nos aproximamos de coisas movediças. Coisas que se fazem e desfazem para nos divulgarem o que afinal nos aguarda.
Sempre que leio e releio Jon Fosse, regresso a um passar a limpo as ideias iniciais, e assim vou assumindo cada página como uma evolução a mapear para riqueza do espólio da memória.
Os sons das palavras da escrita de JF constituem fontes de imagens, pensamentos e relações que ele oferece num desapossamento do poder de assim dizer, ligando-nos à tecedura de quem tem a capacidade de transportar nas palavras aquilo para que foram feitas.
E
(…)também eu já estou descalço (…) mas há tantas coisas que não entendo (…) como se os significados tivessem deixado de existir, porque tudo é apenas isso, por assim dizer, tudo é significado.
Quanta alegria recebi através desta notícia! Esta notícia era uma urgência na literatura: uma razão de ser face à imensa luz da escrita de Jon Fosse: poesia pura.
Criou uma forma literária que é só sua aliando uma fantástica riqueza na sua “prosa lenta”, como lhe chama, criando o que se não consegue a não ser neste seguro universo literário da poética.
No seu mais recente livro “Trilogia” a supressão de praticamente todos os sinais de pontuação, geram em nós o espaço-engenheiro que não resiste a apaixonar-se por esta leitura imprescindível.
“O destino de um tocador de violino é apenas isso, o destino.”
Tens frio, diz Asle
Sim, estou encharcada e tenho frio, diz Alida
Asle adormece de pé e Alida agacha-se com o seu enorme ventre, e acha possível, enquanto adormece, dar à luz dentro de horas.
Na rua.
Ambos sentiram o frio, aquele que faz tremer as paredes do fiorde, aquele que trespassa as casas e lhes chega aos olhos para lhes dizer que não há sítio para ficarem. Há frio.
O destino de quem sente frio, é apenas isso, sentir frio.
Na primeira novela desta trilogia, a vigília do frio sobre nós é a que nos surge até dentro da memória, é a que nos explica que o frio não adormece nunca porque há dentro dele um frio e outro e outro, sucessivamente.
Aqui lemos um frio que flui na música e se enrola na caixa do violino de Asle e no enorme ventre de Alida. É um frio de cimento. É um frio que impede o exílio.
E vão bater à porta da casa da frente (…) uma rapariga olha para eles, um pouco incrédula, e quando Asle lhe pergunta se têm um quarto para alugar, ela sorri e diz que para ele, poderão sempre arranjar-lhe um quarto, mas para aquela ali é mais difícil (…) no estado em que se encontra
e continuam a andar.
E o quarto?
Continuam sós.
Nem o frio conta como algo. O frio tomou-os num gole mais forte e há um infinito pó neste frio trazido pelo vento. Um pó que nenhuma persiana segura, e há música, a música é fundamental na união destes dois jovens ao frio.
O seu amor vencerá caso pecado ou morte se envolvam porque o destino de um tocador de violino é apenas isso, o destino, e o destino de quem sente frio, é apenas isso, sentir frio.
O frio esclarecedor desta escrita hipnótica tão poesia quanto prosa arrebata na leitura.
Da nossa contemporaneidade, Jon Fosse é um dos escritores mais celebrados. Foi prémio Literário Do Conselho Nórdico.
Nasceu Jon Fosse no Oeste da Noruega, e vive atualmente numa residência honorária situada nas propriedades do Palácio Real de Oslo, chamada «Grotten», bem como em Hainburg, Áustria, e em Frekhaug, Noruega.
A sua obra extensa está traduzida em mais de quarenta línguas.
Trilogia, eis um livro que entra como uma pena nos sinais ao nosso pensamento.