Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
A poucos dias do início da Jornada Mundial da Juventude, deixo aí, também a partir de perguntas de jornalistas, inclusivamente estrangeiros, algumas notas dispersas sobre a Igreja em Portugal.
Genericamente, diria que o seu estado geral é um pouco estagnado, falta dinamismo. Entre os pontos mais positivos, parece-me que é de justiça sublinhar, disso ninguém duvidará, o papel social que a Igreja presta aos mais vulneráveis, nomeadamente através das IPSS (instituições particulares de solidariedade social), um papel insubstituível, mas também através de outras instituições como o Banco Alimentar, as conferências vicentinas de São Vicente de Paulo… A Igreja desempenha também um papel importante, decisivo, na salvaguarda de valores essenciais, como a família, a dignidade humana, a solidariedade…
Aspectos negativos. Pouco dinamismo pastoral, um clero envelhecido… Sublinho que a Universidade Católica Portuguesa com a sua Faculdade de Teologia deveria desempenhar um papel mais activo e dinamizador na evangelização e quanto a questões de ética, nomeadamente de bioética…
Quero sublinhar que a Igreja Católica é ainda uma realidade pública reconhecida mesmo pelos media.
Neste contexto, é importante apresentar dados estatísticos. Segundo o Censos de 2021, os católicos constituem a grande maioria da população: 80,2% declara-se católica (em 2011, eram 88%); 14% diz não seguir nenhum credo religioso. Um outro estudo, de 2022, sobre “Jovens, fé e futuro” revela que 56% dos jovens entre os 14 e 30 anos se afirmam católicos e 34% dizem rezar regularmente e participar em celebrações. Mariano Delgado, Director do Instituto para o estudo das religiões e o diálogo inter-religioso na Universidade de Friburgo/Suíça, faz notar que “quase nenhum outro país europeu conta com estatísticas tão favoráveis para a Igreja católica”. Note-se, por exemplo, que, segundo uma sondagem recente, mais de um terço da população italiana, 37%, se declara “não crente”.
Claro que a prática religiosa tende a cair devido à secularização e também ao modo das celebrações. Precisamos, também neste nível, de uma reforma profunda. As celebrações têm de ser mais vivas, pois correm o risco de serem um ritual seco. As homilias são, de modo geral, um desastre. Neste contexto, julgo que bispos e padres deveriam aceitar o desafio de passar para o outro lado, isto é, disfarçados, assistir entre os fiéis de modo a sentir o que levam dessas celebrações, tomando consciência de certo vazio.
Entre os maiores desafios está certamente uma secularização crescente, no sentido de a religião já não ser tão determinante como era para a autocompreeensão e realização das pessoas nas diferentes esferas da vida. Assim, cada vez mais há menos casamentos pela Igreja e aumenta o número de divórcios… O Estado legalizou o aborto, acaba de legalizar a eutanásia activa…
Mas tenho a convicção de que a Igreja ainda encontra um lugar no mundo moderno, um lugar central, pois é portadora da mensagem decisiva do Evangelho, a melhor notícia que a Humanidade ouviu ao longo da sua História. Como diz a própria palavra Evangelho, que vem do grego: notícia boa e felicitante. Jesus entregou à Humanidade o Evangelho, essa notícia boa e felicitante: Deus é bom, é Pai e Mãe, ama todos os seus filhos e filhas e o seu maior interesse é a alegria, a felicidade, a plena realização de todos. Portanto, a Igreja transporta consigo não só o mandamento da parte de Deus da justiça e da paz, mas também a mensagem do sentido último da existência: não caminhamos para o nada, mas para a plenitude da vida em Deus.
Assim, a transformação da Igreja só pode realizar-se verdadeiramente, se cada um, a começar pelos bispos, padres, cardeais, perguntar a si próprio: acredito verdadeiramente nesta mensagem?, ela é boa para mim?, para mim? De facto, só se a considerar existencialmente boa e felicitante para mim, poderei ir convictamente entregá-la aos outros também.
Como é natural, a confiança na Igreja viu-se abalada por causa dos abusos sexuais. Como diz um estudo acabado de ser publicado, 68% dos portugueses pensa que a imagem da Igreja piorou no último ano precisamente ao ter de lidar com os resultados da investigação sobre os abusos sexuais. Ao mesmo tempo, o estudo mostra que 72% achou bem ou mesmo muito bem que a Conferência Episcopal Portuguesa tenha criado a Comissão Independente para um estudo independente dos abusos da Igreja desde 1950, mas 42% pensa que a mesma Conferência Episcopal respondeu mal ou muito mal aos resultados que a Comissão apurou, enquanto 33% pensa que a sua actuação foi “nem boa nem má”.
Numa outra sondagem sobre a confiança nas instituições, em relação à Igreja Católica 42% dizem tender a confiar e 53% tender a desconfiar.
É importante fazer notar que faz parte do programa da visita do Papa Francisco, para presidir à Jornada Mundial da Juventude, um encontro com um grupo de abusados.
Significativamente, desta mesma sondagem resulta que 79% crê que a Jornada Mundial da Juventude, com a presença do Papa Francisco, terá um impacto mais positivo do que negativo. Pessoalmente, também penso isso e que, com a presença de mais de um milhão de jovens vindos de todos os Continentes e quase todos os países, de diferentes cores, línguas, culturas e credos, ela poderia constituir uma espécie de micro-ensaio de como um mundo em diálogo, em justiça e em paz é possível.
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado no DN | 29 de julho de 2023
Continuo com os apelos e pedidos do Papa Francisco aos jovens. A partir de uma síntese de Gilles Donada publicada no jornal La Croix. Poderá ajudar na preparação para a Jornada Mundial da Juventude.
6. “Fazei escolhas audaciosas”. Francisco quer que os jovens sonhem grande. E em que consiste o essencial desse sonho? É um sonho que passa pela realização se si. “Levanta-te e torna-te o que és”. “Levanta-te” também significa “sonha”, “arrisca”, compromete-te com mudar o mundo”. “Obrigado, jovens, por cultivar o sonho da fraternidade, ter cuidado com as feridas da criação, lutar pela dignidade dos mais fracos e difundir o espírito de solidariedade e partilha.”
Em ordem à sua concretização, os sonhos passam por “decisões concretas e grandes escolhas”. “Não tenhais medo de escutar o Espírito, que vos sugere escolhas audaciosas, não titubieis, quando a consciência vos pedir para seguir o Mestre.”
7. “Falai sempre com Jesus”. “Ide ao encontro de Jesus, estai com Ele na oração, confiai toda a vossa existência ao seu amor misericordioso e à vossa fé, e a vossa fé será um testemunho luminoso de generosidade e de alegria por segui-lO.” “Falai sempre com Jesus, tanto no bem como no mal, quando fizerdes uma coisa boa ou uma coisa má. Não tenhais medo dEle.”
8. “... e evangelizai de joelhos”. “A evangelização faz-se de joelhos”, por outras palavras, com a oração. “Sede sempre homens e mulheres de oração. Sem uma relação constante com Deus, a missão torna-se uma profissão”, insiste concretamente diante de seminaristas. É preciso fazer como Jesus, que, “na véspera de cada acontecimento importante se recolhia numa oração intensa e prolongada. Cultivemos a dimensão contemplativa, também no meio do turbilhão dos compromissos mais urgentes e pesados. E quanto mais a missão vos chamar a ir às periferias existenciais mais o vosso coração deve estar unido ao de Jesus, cheio de misericórdia e de amor.”
Diz o Evangelho que Maria, para ir ajudar a prima Santa Isabel, “se levantou e partiu apressadamente” — este é o lema escolhido por Francisco para a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa. O Papa vê nesta atitude uma boa fonte de inspiração para a juventude. “O mundo de hoje tem necessidade de jovens que vão com pressa, que não se cansam de ir apressadamente, de jovens que têm esta vocação de perceber que a vida lhes oferece uma missão.” “Temos necessidade de jovens em marcha. O mundo só pode mudar, se os jovens estiverem em marcha.”
Mas como dirigir-se a uma pessoa afastada da Igreja? “A última coisa a fazer é dizer-lhe alguma coisa, fazer comentários.” A atitude tem de ser outra. “Começa por fazer e essa pessoa verá o que tu fazes e far-te-á perguntas, e, quando fizer perguntas, então responderás.” “Evangelizar é dar este testemunho: eu vivo assim, porque acredito em Jesus Cristo; desperto em ti a curiosidade da pergunta: “mas porque é que fazes estas coisas?” E a resposta do cristão deve ser esta: “Porque acredito em Jesus Cristo e anuncio Jesus Cristo não pela Palavra — claro também é necessário anunciar pela Palavra —, mas sobretudo através da minha vida.”
9. “Sede embaixadores da paz”. Para Francisco, uma dos combates prioritários é o da paz. “Sabei-lo bem, vivemos momentos terrivelmente difíceis. A Humanidade está em grande perigo. Estamos em grave perigo. Sede, pois, embaixadores da paz, para que o nosso mundo redescubra a beleza do amor, do viver juntos, da fraternidade, da solidariedade.”
O combate pela paz implica “um compromisso concreto, a partir da fé, para a construção de uma sociedade nova: viver no meio do mundo e da sociedade, para fazer crescer a paz, a justiça, os direitos humanos, a misericórdia, e estender assim o reino de Deus no mundo.”
Colocar “Deus no centro” da vida, acolhê-lo com fé, opera uma “revolução copernicana”. “A fé incita ao amor de Deus, que nos dá segurança, força, esperança. Quando Deus está presente, no nosso coração permanecem a paz, a doçura, a ternura, a coragem, a serenidade e a alegria, que são os frutos do Espírito Santo”, transformando “o nosso modo de pensar e agir, que se tornam o modo de pensar e agir de Jesus, de Deus.” Exorta os jovens: “Caros amigos, a fé é revolucionária, e eu peço-vos a cada um de vós, a cada uma de vós, hoje: estás preparado, estás preparada, para entrar nesta onda revolucionária da fé? Só entrando nela é que a vida de jovem terá um sentido e assim será fecunda.”
10. “Reencontrai as vossas raízes: escutai a sabedoria dos idosos”. É constante em Francisco o apelo à ligação viva entre as diferentes gerações, atacada pela “cultura da rejeição” e a “cultura da produtividade”. “A juventude é muito bela, mas a eterna juventude é uma alucinação muito perigosa. Ser velho é tão importante — e belo — como ser jovem. Não esqueçamos isto. A aliança entre as gerações, que restitui ao humano todas as idades da vida, é o nosso dom perdido e que devemos retomar.”
Quer que os jovens se reaproximem dos seus idosos, para irem ao encontro da sabedoria. “Deixa-te iluminar pelos conselhos e o testemunho dos idosos. Dialogar com as raízes, com as pessoas de idade, com os que nos precederam, e vós a caminhar para diante... É crescendo sob o olhar benevolente e atento dos mais velhos que construímos uma personalidade sólida para as lutas quotidianas e mais: eles transmitem-nos a fé e as suas convicções religiosas.”
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado no DN | 22 de julho de 2023
No passado dia 2, no jornal “La Croix”, Gilles Donada sintetizou, em dez pontos e a partir de citações de discursos, mensagens e apelos feitos por ele, o pensamento e atitude do Papa Francisco em relação aos jovens. Permito-me pedir emprestado, e com a devida vénia, o essencial dessa bela síntese, que, julgo, poderá ajudar imenso na preparação para a Jornada Mundial da Juventude.
1. “Vós, jovens, criai confusão, fazei barulho”. É a tradução da frequente exortação de Francisco aos jovens: “hacer lío”, expressão tipicamente argentina. Com ela, quer pedir que não adormeçam, que remem “contra a corrente”, erguendo-se contra a injustiça. “Fazei barulho”, mas “um barulho construtivo”, “um barulho de amor”. “Quero que vos façais ouvir nas dioceses, quero que a Igreja vá para a rua, quero que nos defendamos de tudo o que é mundanidade, imobilismo, conforto, do que é clericalismo, de tudo o que nos fecha em nós próprios”.
Confia aos jovens a tarefa de serem “revolucionários”, “discípulos missionários, mensageiros da Boa Nova de Jesus, sobretudo para os contemporâneos e os amigos.” “Não tenhais medo de levantar questões que ponham as pessoas a reflectir”. “Quereria pedir-vos que griteis, não com a voz, mas com a vossa vida, com o coração, para assim serdes sinais de esperança para o desencorajado, uma mão estendida a quem está doente, um sorriso acolhedor para o estrageiro, um apoio atento para quem está só.”
2. “Não confundais a felicidade com um divã”. Francisco não quer ver uma parte da juventude anestesiada na passividade e no consumismo. Ele agita-a: Onde se instalaram “estes jovens adormecidos, atordoados, embrutecidos?” Denuncia a atitude dos que se instalam num divã sem se importar com nada e dos que ficam num balcão a ver de longe a vida a passar, reformados antes do tempo... “Na vida, há uma paralisia ainda mais perigosa e muitas vezes difícil de identificar e que nos custa muito reconhecer. Gosto de lhe chamar a paralisia que nasce quando se confunde a felicidade com um divã”. “Um divã que nos ajuda a sentirmo-nos confortáveis, tranquilos, bem seguros. Um divã que nos garante horas de tranquilidade para passar para o mundo dos videojogos e horas e horas diante do computador. Um divã contra toda a espécie de dor e de medo, sem preocupações. Cuidado: quando escolhemos o conforto, confundindo felicidade e consumismo, o preço que pagamos é elevadíssimo: perdemos a liberdade”.
3. “Deixai a vossa pegada neste mundo”. Não viemos ao mundo para “vegetar” como “legumes”, insiste, mas para deixar uma “pegada”. “Podeis tornar o mundo melhor, deixar uma pegada que marque a história, a vossa história e a de muitas outras pessoas. A Igreja e a sociedade têm necessidade de vós. Que a vossa visão das coisas, a vossa coragem, os vossos sonhos e ideais derrubem os muros do imobilismo e abram caminhos que nos conduzem a um mundo melhor, mais justo, menos cruel e mais humano!”
Essencial para poder deixar a sua pegada neste mundo é cada um, cada uma acolher primeiro a pegada de Jesus. “Que Cristo transforme o vosso optimismo natural em esperança cristã, a vossa energia em virtude moral, a vossa boa vontade em amor autêntico, desinteressado. Eis o caminho que sois chamados a percorrer. Este é o caminho para vencer tudo o que, nas vossas vidas e na vossa cultura, ameaça a esperança, a virtude e o amor. Deste modo, a vossa juventude será um dom para Jesus e para o mundo.”
4. “Não deixeis que vos roubem a vossa alegria e a vossa juventude”. Francisco está consciente do perigo de instrumentalização da juventude pelo mundo de hoje. “A cultura actual apresenta um modelo de pessoa muito associado à imagem do jovem. Sente-se belo quem tem um ar jovem, que faz tratamentos para fazer desaparecer os traços do tempo. Os corpos jovens são constantemente utilizados na publicidade, para vender. O modelo de beleza é um modelo jovem, mas atenção!, porque isso não é elogioso para os jovens. Isso significa apenas que os adultos querem roubar a juventude para eles, isso não significa que respeitem, amem e cuidem dos jovens.”
Por isso, suplica: “Por favor, mantende viva a vossa alegria, ela é o sinal de um coração jovem, de um coração que encontrou o Senhor. E se mantiverdes viva esta alegria de estar com Jesus, ninguém vo-la poderá tirar, ninguém. Mantende esta alegria, conscientes de ser amados pelo Senhor. Com este amor, ireis poder mudar esta sociedade.“
Pede que não se deixem enganar. “Vós, caros jovens, vós não sois o futuro. Diz-se habitualmente: ‘Vós sois o futuro’. Não; vós sois o presente. Vós não sois o futuro de Deus: vós sois a hora de Deus. Ele convoca-vos, chama-vos nas vossas comunidades, chama-vos nas vossas cidades para ir à procura dos vossos avós, dos vossos anciãos, apela para que vos levanteis e tomeis a palavra com eles e realizeis o sonho que Ele sonhou para vós.”
5. “Ousai sonhar grande!” É outro refrão de Francisco, dirigindo-se aos jovens: “Não tenhais medo do futuro. Ousai sonhar grande! É para estes sonhos grandes que vos convido hoje. Por favor, não vos acantoneis na ‘pequenez’, não voeis ao rés-do-chão, voai alto e sonhai em grande!” “Nós, nós todos, ficamo-vos gratos quando sonhais. Sim, enquanto Igreja, também temos necessidade de sonhar, temos necessidade do entusiasmo, do ardor dos jovens para ser testemunhas de Deus que é sempre jovem.”
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado no DN | 15 de julho de 2023