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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

BERNARD PIVOT

  


Partiu há dias Bernard Pivot (1935-2024), um jornalista único, conhecido por muitos como o “Rei Ler”, num jogo de palavras (de que ele tanto gostava) que o ligava à peça imortal de Shakespeare. Como afirmou Pierre Nora, Pivot foi o homem essencial que pôs a França a ler – e, não só para os francófilos, pois foi alguém que deu à leitura e aos livros uma importância fundamental no mundo da vida. Os programas “Apostrophes” e “Bouillon de Culture” foram grandes sucessos junto do público televisivo, conseguindo a extraordinária proeza de juntar cultura popular e erudita. Lançado em 1975, o “Apostrophes chegou a reunir entre 2,5 e 6 milhões de espectadores no mesmo programa em meados dos anos 80… Em 1983, um inquérito à opinião pública, revelou, aliás, que um terço das compras de livros em França se devia ao programa “Apostrophes”, o que levou Régis Debray, num acesso de mau humor, a falar de um monopólio de Pivot no mercado dos livros. O ativista arrepender-se-ia, porém, desse repente e pediria desculpas formais ao jornalista.


Lembro bem o entusiasmo de Isabel da Nóbrega sobre a importância desses programas, designadamente dos célebres “Dicos d’Or”, ditados nacionais para que se escrevesse melhor, com mais rigor, e que inspirou fugazmente os nossos Campeonatos Nacionais da Língua Portuguesa, que Francisco Balsemão, em boa hora, trouxe para Portugal. O segredo para o sucesso de Bernard Pivot deveu-se à escolha de personalidades capazes de suscitar boas polémicas e inesperadas controvérsias. Então presenciávamos o renascimento dos antigos salões literários, com uma qualidade e um refinamento difíceis de alcançar. Sabia-se sempre que algo se iria passar nessa noite – jocoso, dramático, inteligente, incerto, mas atraente, motivando uma boa razão de leitura e um bom livro ou uma ideia interessante. Bernard Pivot era de uma curiosidade e de uma imaginação inesgotáveis. Nunca perdeu a capacidade de fascínio de uma criança. E em alguns programas chegou mesmo a ter de lidar com situações muito desagradáveis, como aconteceu em 1978 com o desatino de um Charles Bukowski totalmente ébrio.


Mas Bernard Pivot gostava de arriscar, nunca tendo conseguido convencer Gracq, Cioran, Beckett ou Genet, mas tendo suscitado deliciosos encontros como o de Roland Barthes com Françoise Sagan, sob o olhar de Anne Golon, além da presença difícil, mas muito apreciada, de Marguerite Duras, Claude Levi-Strauss ou Vladimir Jankelévitch… Apesar de ter tido um desencontro profissional com Jean d’Ormesson no “Le Figaro”, a verdade é que este seria o autor com mais presenças nos seus programas. O debate de ideias funcionava e punha os espectadores presos à pantalha, como antes não suspeitariam possível. Só a qualidade excecional de Bernard Pivot permitia manter conversas apaixonantes, sempre renovadas, e sobretudo insuscetíveis de caber em qualquer receita repetitiva ou maçadora. Contudo, o trabalho a que se dava o jornalista era incomensurável, com uma equipa excecional, animada pela qualidade de um maestro culto, inteligente, atento e empenhado, com a tal curiosidade insaciável, facto bem evidente em livros como “Dicionário Amoroso do Vinho” (2006) e “As Palavras da Minha Vida”(2011), obras só possíveis para um grande e requintado especialista. Pode dizer-se que criou um fenómeno que nos obriga a pensar. Por mais campanhas que se façam, para promover a leitura, a verdade é que se torna necessário criar motivos sérios e exigentes para mobilizar vontades e interesses. Precisamos de catalisadores capazes de tornar a leitura e o amor aos livros fatores de cultura, como foi Bernard Pivot.          


Uma nota final. As Artes afirmam-se pela prática e pelo exemplo. Hoje, devo lembrar a memória de um jovem músico da Orquestra Gulbenkian, Pedro Freire, que nos deixou na flor da idade sem que alguém pudesse prever. Fica o seu entusiasmo e a sua extraordinária qualidade a demonstrar que o culto das Artes está no princípio de tudo.


GOM