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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

  


“Tante Olga” de Anatol Herzfeld simboliza uma nova forma de conduzir a vida. 


“Kunst ist Seelsorge (A Arte sustenta a alma)”, Anatol Herzfeld 


Anatol Herzfeld (Karl-Heinz Herzfeld, 1931-2019) foi aluno de Joseph Beuys, mas começou a sua carreira como polícia e pugilista. Manteve a sua ligação à polícia, enquanto artista, através da educação rodoviária para crianças, na qual explicava aos seus alunos as regras de trânsito através de fantoches por si criados. Ao longo do seu trabalho como artista, as crianças foram também um tema fundamental do seu trabalho, uma vez que tinha um fascínio pela extraordinária intuição que as crianças têm quando se exprimem - e que frequentemente é suprimida na escola.


Anatol, tal como Beuys, sempre alargou a sua prática artística muito para além da pintura e do desenho, pois ambos acreditavam que a arte tem a capacidade de transformar e curar o ser humano. Ao utilizar frequentemente elementos como a cadeira, a mesa, a casa, mas também o soldado, o peixe e a flor crucífera, Anatol deseja transmitir a ideia de que a arte talvez não constitua uma profissão especializada, mas sim uma atitude humanitária intensificada.


Uma das obras-chave que Anatol realizou para a Documenta 6 de 1977, em Kassel, foi um barco feito de folhas de fibra de vidro - com a forma de um barco de papel - chamado "Tante Olga”. Anatol navegou este barco desde o Norte da Alemanha até Kassel. O barco recebeu o nome de Olga Tapken, que era a proprietária de um restaurante em Oldenburg, e que concedeu, a ele e aos seus colegas artistas, o terreno para a academia "Freie Akademie Oldenburg", que ele fundou juntamente com o artista local Eckart Grenzer. Trata-se de uma escola secundária destinada a formar artistas, independentemente da sua educação escolar, na tradição de Joseph Beuys, que se opunha às rígidas regras de candidatura às universidades de arte que exigiam um nível A (Abitur) para a admissão. A escola atraiu, para além do próprio Joseph Beuys, também Blinky Palermo (esta alcunha foi também dada por Anatol em memória de um famoso pugilista com o mesmo nome), que trabalhou e actuou juntamente com Anatol em vários eventos. O lema desta escola era "Kunst ist Arbeit--Arbeit ist Kunst” (Arte é trabalho, trabalho é arte) - um princípio que Anatol também promoveu com os seus eventos artísticos "Arbeitszeit" (tempo de trabalho).


O objetivo da viagem do seu barco “Tante Olga” era levar todos os sonhos das crianças até Kassel. Mas representava também uma acção / protesto contra a divisão de Friesland em dois distritos distintos de Wittmund e Ammerland (revertida em 1980). Na sua opinião, não podia ser aceitável destruir uma área que cresceu una culturalmente durante séculos. Joseph Beuys comentou após esta viagem que “Finalmente a arte era livre em terra, no mar e no ar".


O barco como símbolo representa uma travessia e uma descontinuidade, simboliza um meio para chegar a um outro modo actual de ser. Se a vida e a existência são uma viagem, o barco possibilita a transição e a transformação. A possibilidade de um renascimento, a oportunidade de passar de um estado a outro mais essencial. Por isso, este barco de Anatol simboliza uma nova forma de conduzir a vida. 


Com a sua viagem, Anatol pôde trazer para Kasssel o seu apoio às crianças e também o seu princípio de "Arbeitszeit”. Foi a partir daqui que Anatol se estabeleceu igualmente como artista performativo, utilizando as suas obras para transmitir mensagens políticas. Um exemplo mais recente é um enorme canhão de ferro puxado por um tractor que Anatol utilizou para lançar sementes de flores e borboletas de papel em vários locais. O barco “Tante Olga” ainda existe e atualmente está exposto no espaço exterior de uma escola em Kassel.


Ana Ruepp

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Joseph Beuys e a importância da escultura social.

 

‘That is why the nature of my sculpture is not fixed and finished. Processes continue in most of them: chemical reactions, fermentations, colour changes, decay, drying up. Everything is in a state of change.’, Joseph Beuys

 

Para Joseph Beuys (1921-1986), a arte é uma força, é uma energia encantatória que provoca fascínio e que poderá conter uma verdade maior do que a vida do dia a dia. Apesar de se apresentar através  de métodos misteriosos, a arte tem uma função social e um poder de cura muito importante. A arte contem em si as forças da vida, as forças da alma, as forças de um espírito mais elevado. Para Beuys, existe uma grande necessidade do ser humano evoluir através da arte. A arte é o potencial ponto de partida de tudo o que aparece no mundo, em todos os campos do conhecimento.

 

‘This is the kind of faith one can have in art: one can say that it is on the path towards something (it is not something finished and perfect, it can never be!). Art is something living, never complete, never ending.’, Joseph Beuys

 

O ser humano socialmente envolvido tem o poder de transformar o mundo, para melhor. Cada um de nós tem um potencial poético e criativo que se enterra na pressa, na competitividade e no desejo de ter sucesso. Para Joseph Beuys, ser artista implica sim ter: um sentido muito alargado de liberdade interior, uma imaginação criadora, uma conexão com certas energias invisíveis, uma comunicação e contágio com os outros, e implica ser um veículo crítico, pensante de uma atividade contínua de criação. Para Beuys, a descrença generalizada no ser humano, como ser criativo, pode levar ao conflito, à tirania e à opressão.

 

‘I believe that the human being is fundamentally a spiritual being, and our vision of the world must be extended to encompass all the invisible energies with which we have lost contact or from which we have become alienated.’, Joseph Beuys

 

Beuys acreditava que a sua vida e o seu ser eram os materiais mais indicados para fazer arte – e a escultura de Beuys fazia-se através de formas pensantes e formas faladas. A sociedade é assim uma gigante escultura social. O ser humano tem a capacidade de moldar e formar o mundo em que vive, através de um processo evolutivo e progressivo. E a democracia, para Beuys, advem desta ideia, de que o ser humano é um artista com um vigoroso poder de realização.

 

Ao dar forma à sociedade através da atividade criativa, Beuys afastava-se, determinantemente de grupos políticos radicais, como o “Rote Armee Fraktion” (RAF), que acreditavam na violência para conseguir uma revolução social.

 

E é através de uma rosa (‘Rose for Direct Democracy’, 1973), que Beuys enfatiza o seu desejo de desenvolvimento social através de uma via pacífica, gradual e evolutiva. O vaso de vidro tem inscrito a direção do crescimento da rosa. A trajetória suave e contínua da rosa corresponde à trajetória que Beuys desejava para o progresso da sociedade e de toda a vida. As pétalas ao brotar, contrastam em aparência com o resto da planta. Tornam-se, para Beuys, símbolo de uma revolução. A flor, gradualmente, emerge através de uma transformação e evolução orgânica extraordinária das folhas verdes. Por isso, a fotografia de Joseph Beuys sentado atrás da rosa tem o seguinte título: ‘We Won’t Do It without the Rose, Because We Can No Longer Think.’  

 

Ana Ruepp