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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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JUAN MANUEL ROCA II


Poeta, critico, ensaista, um dos mais importantes colunistas do nosso tempo, recebeu o Poeta colombiano Roca, inúmeros prémios, e a propósito dos mesmos escutei em Barcelona que Roca se lhes referia dizendo em voz alta o seu próprio poema


Arte do Tempo

O tempo permanece

Apanhado entre os livros.

Por este prodigio de apreensão,

Heraclito continua a banhar-se

No mesmo rio,

Na mesma página.

Tu continuarás para sempre

Nua no meu poema.

Enfim, Roca exorciza como resistência espiritual, o tempo que os homens lhe dão em possíveis tempos de o medir, mas nunca se asila numa tranquilidade. E Roca entende eventualmente a imensidão de prémios como se duvidasse e aceitasse a distância, ambas aldeias perdidas que mudam a canção para visitar outro país. Assim entendi.

Nuno Júdice referindo-se a Roca, afirma que a sua literatura quando fala do individuo fala sempre de ninguém e ninguém é o personagem eterno da literatura. Diz o senhor Nabokov que a literatura não nasceu quando uma criança de um vale de Neandertal chegou a gritar: Um lobo! Um lobo!, e atrás dele, as quatro patas no ar, um lobo cinzento brandia a sua língua estralejante. Diz, melhor, que a literatura nasceu quando uma criança de um vale do Neandertal chegou a gritar: Um lobo! Um lobo!, e atrás dela não vinha ninguém.

Desde então, ninguém é um personagem eterno, um fantasma nos vales dos poemas de Roca. Ninguém é o que falta, o que foi e o que será. Deste ninguém surge a obra, diria. Surge de novo Nabokov, reflectindo que entre o lobo da floresta e o da história existe um meio-termo e por esse prisma habita a arte da literatura.

Um dia jantava eu num restaurante virado ao mar em plena noite de verão. Entre mim e o mar apenas a silhueta de uma tocadora de harpa. A música untada de infinito regressou-me a Bogotá nas ruas de Paris que Juan Manuel Roca já habitava, e naquela hora em que me deslizavam sonhos


ORAClÓN AL SEÑOR DE LA DUDA
 

Más que fe, dame un equipaje de dudas.

Ellas son mi puente, mi afluente, mi oleaje.

Venga a nos el Reino de lo Incierto.

Mantén en vilo mis verdades,

Concebidas, muertas y sepultadas

En los telares del olvido. Llévame

Por las arenas movedizas,

Dame a comer el pan de la derrota,

A beber el agua del silencio.

No hay timos ni trucajes:

Estoy herido y soy mi camillero.

Sean las certezas palacios de nieve

A los que alguien asedia con el fuego.

Señor de la duda, si existieras,

Escucha la oración del descreído

 
Surgiu-me ainda aquela pequenina bíblia:
 

Lugar de aparições (Inicio)

          A mulher que amei converteu-se
          em fantasma.
          Eu sou o lugar das aparições
.

                    JUAN JOSÉ ARREOLA


A grande reflexão sobre a liberdade, caminho de vida de Roca, leva o poeta Germán Espinosa a dizer que Roca tinha em si a primavera perpétua de todo o criador. E nunca lhe foi estranho Rimbaud, entre outros, o Romantismo Alemão, a sua capacidade imensurável para escrever liricamente a realidade. Curioso que a sua única novela publicada em 2003 se intitula “Esa maldita costumbre de morir”

 

Repito que num livro de Juan Manuel Roca, a claridade tem este rosto

 

El silencio es una lengua muerta. Sólo algunos pocos lo conocen.

 

E quando falo de ti, falo sempre do lado de cá do nascimento: só a sentir.



Teresa Bracinha Vieira
Junho 2016

 

JUAN MANUEL ROCA


MANO


Una mano traza la palabra pájaro, la otra escribe su jaula.
[“Parábola de las manos”, en Cantar de lejanía.]

 

Quando em Barcelona vi vários jovens com livros de Roca na mão, pensei na minha fidelidade a este poeta que também eu considero o mais importante da literatura colombiana. Agradece-se sempre que Nuno Júdice e Roca ofereçam uma tarde de leitura de poesia. Como diz o Embaixador da Colômbia em Portugal, Germán Barragán «Portugal é a literatura, e o seu idioma é talvez a língua da Terra onde melhor soa a lírica da poesia. Portugal (…) e nas ruas de Lisboa, a poesia está presente em cada antiga livraria (…) na roupa estendida ao colorido do sol das janelas (…) e o fantasma de Pessoa, respira-se na sua perfeita morada para existir». Congratula-se Germán Barragán que Roca tenha chegado ao português pela tradução de Nuno Júdice para quem Roca se não parece com ninguém. É talvez o poeta que não reflectindo nada se parece com o universo. E assim o senti e sinto.

 

Juan Manuel Roca vive em Bogotá onde o procurei. Sentei-me por lá em muretes e jardins a reler “Bíblia dos Pobres”, livro de 2009. Muitas vezes foram, as que equacionei a tradução da poesia, ainda que pela proximidade de visões e pela maturidade do conhecer colombiano, Júdice tenha sido a relação mais perfeita na tradução de Roca pois bem sabe o quanto a poesia é pergunta e o poeta seu tradutor.

 

Sempre me senti enfeitiçada pela poesia de Roca. A sua insubmissão e o seu rigor com os prismas de cristais das palavras utilizadas na literatura, sempre me lembraram que Sá de Miranda, Gil Vicente, entre outros, escreveram em espanhol com a mesma teia de seda fina, como que a prever que, a relação entre a Colômbia e a nossa língua, não nos chegaria pelos poetas brasileiros mas sim através dos portugueses. E tudo isto era um espelho para mim que me fazia sentir muito honrada por ter lido Memoria del agua (1973) que me chegara através do Padre Jesuíno da Capela do Rato.

 

“A poesia é a saúde da linguagem” como disse Roca quando, juntamente com Nuno Júdice estiveram juntos no Hay Festival, de Cartagena das Índias, e aí conviveram com o Jornal Expresso, cuja entrevista agitou.

 

E como não sugerir estas contidas e totais palavras de Juan Manuel Roca?

 

Con coronas de nieve bajo el sol cruzan los reyes.

 "País Secreto", Bogotá, 1987.

 

Ou

 

ATEOS
Hemos llegado al extremo de querer erigir la iglesia de los que no tenemos religión.
(Diario de la noche, cuaderno inédito.)

 

E sempre

DESAMOR
Dice el proverbio chino que no es posible atrapar un gato negro en un cuarto oscuro, sobre todo si el gato no está en él. Por eso mismo, quizá, es que no logro hallarte en mi corazón.
(
Diario de la noche, cuaderno inédito.)

 

Ainda este poema
 

PARÁBOLA DA SOLIDÃO

Quando se desdobrava a solidão,
Quando descia a sua máscara de proa,
Convidava-a para um passeio na praia.
Muitas vezes
Levei a solidão aos bailes
Ou ao grande concílio de solidões
Que se agride nos estádios.
Para não a ver maltratada
Uma vez levei-a ao alfaiate
No meio de fatos vazios.
O costureiro
Com a boca cheia de alfinetes
Como um boneco vudu,
Desdobrou na sua mesa um pano negro.
Tirou as medidas à arisca solidão
E traçou a giz o seu molde.
Tinha a mesma medida da minha sombra.
 

Já que a lucidez de Roca é também assim:
 

TRUEQUE
Mujer, te ofrezco mi soledad, dame tu compañía.
[Diario de la noche, cuaderno inédito.]
 

Afirmo eu agora e aqui o quanto gostava de ter aberto em dois um qualquer mar e parecer que lá moro desde sempre por ter lido e ler Juan Manuel Roca, e de continuar a escrever os meus poemas numa anarquia de sonhos provocados pelo dia em que visitei a lonjura. Assim mereça deitar pão às pombas na companhia silenciosa deste poeta.

 


Teresa Bracinha Vieira
Junho 2016