Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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Kazuo Shinohara imagina um espaço com uma escala que confunde a medida humana.
“I would like for the houses I make to stand on this earth forever.”, Kazuo Shinohara, ’Theory of Residential Architecture’ (1967)
Encontrar uma forma, neste mundo cheio de coisas, deveria estar relacionado com a procura de algo que realmente deve existir - ligado à subjetividade de cada um e muito próximo da compreensão de uma experiência particular. Kazuo Shinohara no texto ’Theory of Residential Architecture’ (1967) reflete sobre a urgente necessidade em produzir uma arquitetura que perdure no tempo.
Segundo Shinohara, a constituição de um espaço interessado com a natureza e o desenvolvimento do ser humano, pode contribuir para uma intensa observação de si próprio. A constante mutabilidade é uma característica intrínseca do cosmos - o ser humano e tudo ao seu redor estão sempre em constante mutação (não existe distinção entre um e outro).
‘I believe that the world flows ceaselessly through the small spaces of the house.’, Kazuo Shinohara, ‘Beyond Symbol Spaces’ (1971)
Um espaço, também nunca toma a forma que se deseja, está sempre em permanente alteração. Para Shinohara, a arquitetura não existe para manipular o ser humano, mas para abrir novas possibilidades e transições.
No livro ‘Kazuo Shinohara: Traversing the House and the City’ de Seng Kuan (ed.) lê-se que Shinohara redefiniu a habitação através de um espaço onde o significado pode ser gerado com base numa experiência pura e singular - um espaço que privilegia a relação entre o sujeito que é único e o meio envolvente que é específico.
‘Human emotion must never be identified with a mere gap between material things’, Kazuo Shinohara, ’Theory of Residential Architecture’ (1967)
A experiência sensível faz parte da vida humana. A arquitetura para ser eterna tem de ser capaz de criar um espaço possibilitador que incorpora o fluxo da intensidade da vida humana. Um espaço duradouro necessita de todos os seus serviços e equipamentos mecânicos, somente como tela de fundo. A vida numa casa não acontece entre soluções técnicas e funcionais. Segundo Shinohara, uma casa é a forma expressiva mais ativa, pois é na ação física diária que o ser humano floresce.
Durante um primeiro período ou estilo, do qual a Umbrella House faz parte, Shinohara desenvolveu uma retórica de permanência, de expansividade, de irracionalidade, que acentuava os desejos mais emotivos de uma casa - contrapondo-se à corrente arquitetónica Metabolista. Seng Kuan explica que o primeiro estilo de Shinohara é um exercício de diálogo com a tradição arquitetónica japonesa, onde se destilaram conceitos de composição como a frontalidade e a divisão a partir dos seus estudos de habitações pré-históricas, casas comuns minka e edifícios de estilo Shoin (tais como Katsura Imperial Villa e Jikō-in).
“From the moment a small space touches the human heart it has become art.’, Kazuo Shinohara, ’Theory of Residential Architecture’ (1967)
Segundo Shinohara, o espaço de uma casa incorpora espontaneamente uma resposta à abundância da emoção humana. A casa é assim a forma criada pelo ser humano mais integral e intensa. Uma casa contém tudo aquilo que constitui vida.
Segundo Shinohara, para se moldar a vida e segurar o que é fugaz, é preciso criar um espaço de conceitos. Os conceitos não se descrevem por palavras e só residem nos espaços criados que correspondem aos desejos mais profundos. Shinohara não pretende estabelecer bases sólidas, estáticas e uniformes, mas, sim, de alguma maneira segurar, firmar e conter emoções, reações e variações à deriva e sem rumo.
Shinohara imagina, por isso, um espaço com uma escala para além do que se conhece, para além de sistemas formalizados e regulamentados - uma escala que confunde a medida humana. Shinohara anseia, assim por uma extensão abstrata e inesperada do chamado espaço simbólico - onde toda a concretude do quotidiano será posta em causa como forma de recuperar a extensão da perceção que se tem do mundo.
‘I want to create spaces that are beyond mere human physical scale, and then return these to human beings. (…) The intuitive impulsiveness of an architect may well capture spaces having non-everyday scale.’, Kazuo Shinohara, ’Theory of Residential Architecture’ (1967)
“Quand les cimes de notre ciel se rejoindront Ma maison aura un toit.”, Paul Eluard (Bachelard 1994, 38)
Umbrella House (1959-1961) de Kazuo Shinohara é uma casa total e muito pequena completamente exposta à imponente estrutura que a cobre e que a sustenta.
Shinohara percepciona uma casa como sendo como uma obra arte - um lugar onde se expressa subjectividade. Uma casa é muito mais do que a concretização de determinadas tarefas quotidianas. É acima de tudo a materialização de uma ideia, cuja relação com qualquer contexto deve ser universal. É um lugar que permite o sonho, a expressão, o movimento, a hesitação, a demora, a espera, o encontro e a solidão. É claro constituída por hábitos e ritmos, mas é sobretudo testemunha de pensamentos e sentimentos irrepetíveis. É passado, presente e futuro. É intimidade, presença e abismo. Por isso, a Umbrella House não é só um contentor funcional mas sim um invólucro espiritual. É espaço que transcende e que é difícil de compreender.
Nesta casa objecto e sujeito fundem-se. Shinohara deseja simular um espaço sem referências explícitas, nem detalhes concretos em relação a exemplos tradicionais japoneses. Talvez o templo ou a casa do chá sejam as referências mais próximas, onde a enorme cobertura piramidal é unidade. O nome atribuído à casa - umbrella (guarda-chuva) - traz à memória as delicadas construções de papel. A sua cobertura flutuante transforma esta casa num objecto singular, num todo único e indeterminado, que pode ser compreendido por inteiro. Shinohara ao expôr, no seu interior, a estrutura de madeira que suporta a cobertura, afirma a capacidade que uma casa tem de proteger e de abrigar.
Numa casa tão pequena, Shinohara corporiza o espaço não funcional ou abstrato (em reação contra o conceito de Existenzminimum dos anos 30) através de uma simplificação radical das funções necessárias para o habitar. Para Shinohara, só foi possível desenvolver a ideia de espaço não usado e não existente tornando imanente o espaço vazio. Espaço, para Shinohara, não é algo físico nem substancial - é fluxo, transitoriedade, transparência, impermanência e imersão.
Ao enfatizar-se o esvaziar cósmico e a ausência de funções - principalmente numa casa tão pequena e perante uma sociedade extremamente mecanizada - possibilita-se assim a imensidão da vida humana.
“The real work of design is not the mere production of housing as a social goal, but should instead be the creation of spaces that will strongly appeal to people. Unless it attains the status of a work of art, a house has no reason for being. The strength of my conviction that 'A House is a Work of Art' was born of the struggle with this small house. I wished to express the force of space contained in the doma (earthen-floor room) of an old Japanese farmhouse, this time by means of the geometric structural design of a karakasa (oiled-paper Japanese umbrella).", Kazuo Shinohara, text for Umbrella House, October 1962 (first published in English in The Japan Architect, vol. 38, Tokyo, February 1963).
'The expression of modern townscape must be found in the beauty of chaos, and not necessarily in that of harmony.', Kazuo Shinohara
Kazuo Shinohara escreveu longamente sobre a cidade. E desde sempre manifestou preferência pelo planeamento urbano que se baseia numa estrutura de lotes com pequena dimensão. Shinohara é fascinado pelo crescimento urbano aparentemente irracional, caótico e repentino - pela disposição de casas que apesar de estarem lado a lado nada têm a ver umas com as outras.
'There is a certain beauty in districts never intended for (aesthetic) appreciation, while beauty does not exist in modern communities in which individual houses were designed to be beautiful.', Kazuo Shinohara
Nesta forma de projetar, Shinohara vê uma possibilidade de trazer vida e complexidade para a cidade de modo a superar, por um lado, o movimento moderno introduzido logo após a Segunda Guerra Mundial e por outro lado, a mega escala repetitiva e inumana das gigantes formas orgânicas, geométricas e mecânicas propostas pelos arquitetos metabolistas, no início dos anos 60.
Para os contemporâneos de Shinohara era impensável projetar através de conceitos relacionados com a pequena escala, o caos, a complexidade, a irracionalidade e a arbitrariedade. Na década de sessenta, do séc. XX, o Japão assistiu a um crescimento urbanístico desmedido, associado a um rápido crescimento económico - o país transitou de uma sociedade que recuperava da guerra para outra altamente industrializada. E Shinohara explicita no texto 'Toward a Super-Big Numbers Set City and a Small House Beyond' (Shinohara, 2000) que os arquitetos mais progressistas, por esses anos, lamentavam a falta de conceito urbano nas cidades japonesas existentes e por isso projetavam as suas esperanças em cidades utópicas e infraestruturas colossais.
Foi através da sua formação em matemática, mas também através da investigação sobre a composição espacial dos edifícios tradicionais japoneses, que Shinohara começou a compreender a cidade como um sistema altamente abstrato determinado por um número infinito de funções urbanas - e este tipo de complexidade nunca tende para uma solução construída totalmente autónoma. Shinohara acredita que a essência da cidade é matemática e não uma expressão meramente formal. É uma entidade extremamente complexa e caótica, constituída por inúmeros elementos de diferentes dimensões em fluxo contínuo.
'A certain vibrant physicality and spatial sensibility that one comes across, whether in a crowded street or at some unknown street corner, is the starting point for my personal urban aesthetic of the contemporary city.', Kazuo Shinohara
Shinohara deseja criar um complexo sistema espacial que não se baseia simplesmente na zonificação, ordem, racionalidade e unificação, mas que se afirma na beleza do caos profundamente envolvido na tradição japonesa e nos aspetos mais essenciais da vida quotidiana.
A raiz do conceito de anarquia progressiva, que Shinohara introduz, reside na intensificação dos fenómenos de confusão, fragmentação, simultaneidade e turbulência da sociedade contemporânea. A composição bem ordenada das cidades e dos edifícios foi um modelo de beleza dos impérios antigos, dos estados monárquicos e das ditaduras, como afirmação máxima de poder. Shinohara declara assim, que as cidades não devem ser desenhadas, nem controladas. Ao aumento da complexidade, vitalidade e viabilidade deve associar-se uma sucessiva perda de controlo político.
O excessivo planeamento urbano que domina a sociedade ocidental contemporânea deve, segundo Shinohara, dar então lugar a um sistema aberto e selvagem, feito de contrastes e desuniões, de modo a permitir a vitalidade das grandes cidades. A cidade deve, deste modo, ser capaz de refletir a beleza da diversidade, que coleciona todas as expressões individuais construídas e que corporificam o dia-a-dia de cada ser humano.
'Houses cannot exist entirely outside the context of the most insatiable desires of man.', Kazuo Shinohara, 1967
O espaço das casas, que Kazuo Shinohara projetou, é propositadamente enigmático e desconcertante. Advém de uma sabedoria intuitiva única, numa tentativa de valorizar a singularidade do ser que as habita. Shinohara ao dedicar o seu interesse aos desejos humanos mais profundos deseja produzir algo que perdure no tempo e para sempre.
‘The architectural mainstream, as a critical part of our industrialized society, focuses attention on the shape and profile of the collectivity. This is only natural, given today’s mass society. This condition for the design of a house, reaching out to one unit among countless others, may hardly spark much hope.’, Shinohara, 1967
Shinohara acredita que o arquiteto deve desenvolver o seu talento expressivo único para criar espaços que, ao sublinharem as mais profundas emoções humanas, salvarão a arquitetura de um modelo repetitivo. Os espaços devem assim, a seu ver, ter antes de mais um caracter irracional, produto da enorme potencialidade tecnológica atual . Por isso Shinohara afirma que a tecnologia é magnífica mas a vida e a alma humana são ainda mais extraordinárias. Shinohara declara ainda que o desejo supremo, em criar espaços que estejam mais além da escala física humana e mais além da escala do quotidiano, pode e deve ser captado pela irreflexão intuitiva do arquiteto. É o desvio ao espaço convencional quotidiano que tende a fazer questionar a ação do homem e a transcender as suas referências. É o desvio à norma que traz o incómodo, o espaço não quotidiano e por isso uma nova forma – uma forma construída eterna.
‘The planning of large urban spaces – or the design of great building complexes – now seems most promising.’, Shinohara, 1967
Ora, na Casa Branca (1964-66) o espaço único é público, formal, monumental, simbólico, espiritual e sagrado - é claridade. O pilar que atravessa o espaço principal da casa é o elemento que faz a comunicação entre o céu e a terra (tal como acontece com os pilares nos templos japoneses, que são centro de todos os gestos e movimentos). Já na Casa Terra (1964-66) o espaço é privado, primeiramente emocional e espontâneo. É vitalmente informal, é facetado, multicolor e obscuro. Nos seus escritos, Shinohara revela a sua intenção em expressar diversas emoções reprimidas, na Casa Terra – tal como a ansiedade, a fúria e a alienação. Até ao final da sua vida, Shinohara projeta as suas casas baseando-se no princípio da separação de espaços funcionais e não funcionais (esta efetua-se em planta ou em corte) através da separação entre o espaço único, público, e o espaço anexo oculto, privado. Só assim poderá obter-se a máxima emoção sem comprometer a funcionalidade normal da casa.
A casa do poeta japonês Tanikawa foi feita de acordo com a vontade do proprietário: 'Winter house or pioneer cabin (house). Summer space or church for a pantheist (need not be a house).' Shinohara projectou esta casa como se de um exterior interiorizado se tratasse – um anti-espaço que convida à utilização livre, em que o seu chão de terra segue a pendente natural da colina. O espaço principal é de meditação, mas é também um espaço que Shinohara oferece ao utilizador com uma funcionalidade ilógica. É um espaço nu, vazio puro tomado à natureza e por excelência, o lugar de inspiração do poeta.
A casa Uehara (1975-76) é selvagem: ‘A more significant point was that the large spaces I have always taken as my ‘theatre of operations’ are here nowhere to be found. They had to be replaced by a collection of much smaller spaces, whose combination became a new problem. It was in this connection that the concept of ‘savagery’ arose shortly after the beginning of my Third Style.’ (Kazuo Shinohara, 1977). De acordo com Shinohara a conceção desta casa foi feita em várias fases e o seu carácter de colagem, de partes alietórias, materializa as mudanças que foram sendo feitas ao programa durante o projeto da casa. As desproporcionadas estruturas cruzam os espaços de estar, comer e cozinhar e relacionam-se fortemente com as neuroses da vida contemporânea, corporizando a dualidade entre o funcional (racional e lógico) e o mágico (irracional e ilógico).
A casa em Yokohama (1982-84), hoje demolida, foi gerada através da noção de arbitrariedade controlada – bem presente nas diversas e diferenciadas aberturas ao exterior.
‘I expected a relationship between the interior and the exterior that might go beyond the usual. Thus, counter-contextual movements by people and changes of light do arise quite unexpectedly here. Of course, unqualified Randomness is outside my realm of interest, since this theme has already been realized in today’s cities throughout Japan. I do not think of Randomness as being a negative concept – but rather a positive and active one. For any system if it has no capacity to accommodate random resources, then nothing new can be produced by that system.’, Shinohara, 1986.
A sua forma advém assim de um processo que concilia restrições do sítio e condições conceptuais; domesticidade e emoção; casa e cidade.
Sendo assim, Kazuo Shinohara direciona a sua obra através de princípios opostos e aparentemente irreconciliáveis, reflexo de uma realidade quotidiana incompleta e complexa. Shinohara está imensamente preocupado em restituir identidade às formas construídas de modo a salvar o ser humano da vida contemporânea.
'Gostaria que as casas que projeto permanecessem nesta terra para sempre. Não confio no tipo de projecto que dá prioridade à função. Quando um espaço possui uma beleza superior, terá necessariamente direito a uma vida mais prolongada. Não será natural que um arquiteto queira que a sua casa seja amada pela família que a habita? No entanto, a sociedade frenética em que vivemos mostra-se indiferente perante tais imperativos.' Kazuo Shinohara, 'Teoria da arquitetura residencial', 1967
Kazuo Shinohara (1925-2006) é um arquiteto japonês, que começou por estudar matemática, e que em grande medida influenciou a forma de pensar a casa e a cidade contemporânea.
'I majored in mathematics before studying architecture. Therefore, for me, thinking about mathematics is almost the same as thinking about architecture. It is like two sides of the same coin. I first started to talk about the “mathematical city” around 1967. The concept first provides a reason for small houses to exist; and then an opposing aspect emerges, so that the huge urban space of the city itself surfaces. My own vision was perfectly synchronized with the fact that the composition of a city has a complex mathematical nature. It was a mathematical approach positing that very state of confusion, or lack of unity, as its essential significance.', Kazuo Shinohara em entrevista com Hans Ulrich Obrist.
Shinohara faz parte de uma geração de arquitetos que questiona o modo uniformizado do movimento moderno - 'The central concept of modernism in the 20th century has been to unify. One of the concepts was an “international style”, by which architects tried to unify everything making use of its clarion principles.Now we’re approaching the 21st century and I am writing a series of articles, which say that the “un-unified” will assume superior value over humdrum unity. Restoring disjunction will become more important during the next century. There is beauty in chaos.', Kazuo Shinohara
A sua obra concentra-se essencialmente no tema da casa e dos seus espaços profundamente idealizados. Shinohara acredita na arquitetura como meio que transmite emoções.
'I believe that the world flows ceaselessly through the small spaces of the house.', Shinohara, 1971
Lê-se no texto de Enric Massip-Bosch ‘Kazuo Shinohara: Más allá de estilos, más allá de la domesticidad.’ que as casas - bastante pequenas - de Shinohara tem a forte intenção de colocar emoção no centro dos espaços projetados. Esta emoção resulta da conjugação de uma série de dualidades - urbano/doméstico, sagrado/profano, formal/informal, ordem/caos.
Shinohara escreveu tanto como projetou. As suas reflexões beneficiam do encontro com as complexidades da realidade. Existem dois tipos de escritos. Por um lado, existem textos acerca da tradição arquitetónica japonesa e as suas condições urbanas. Estes temas dominam as suas preocupações desde o início do seu percurso e dão bases a Shinohara para construir a sua própria obra. O seu interesse pela tradição é assim meramente instrumental, uma espécie de ponto de partida para a contemporaneidade.
Por outro lado, Shinohara escreveu textos que exploram as ideias que constituem o cerne dos seus projetos. É uma tentativa do arquiteto em racionalizar um processo altamente irracional e intuitivo. Surpreendentemente, a teoria dos seus projetos surge, claro durante o processo de projeto, mas também e sobretudo através da sua experiência de construção. Shinohara é um arquiteto muito conceptual, mas que se empenha sempre em estabelecer um comprometido compromisso com a realidade. Só assim, as suas teorias poderão influenciar e modificar verdadeiramente a vida quotidiana e as suas necessidades reais (estruturais, funcionais ou económicas).
Shinohara ao afirmar que tem como intenção primeira a de construir casas eternas, contradiz a ideia de que a arquitetura tradicional japonesa é de uma materialidade muito frágil e que não é concebida para resistir ao passar do tempo. Shinohara interessa-se assim pelas estruturas estáveis e permanentes e pelos espaços duradouros - e não por espaços meramente consumíveis ou descartáveis.
Shinohara adota sim uma posição militante: deseja formar espaços que sejam o suporte espiritual dos seus utilizadores e que lhes deem poder e sabedoria para enfrentarem o crescimento aterrador e as influências da sociedade tecnológica contemporânea. Só assim o homem poderá distanciar-se da vertigem da vida quotidiana.
A arquitetura tradicional japonesa é feita para um observador/utilizador estático. Shinohara deseja antes projetar para um observador em movimento. Por isso os espaços interiores das suas casas não se concretizam apenas na confortabilidade, na complacência, nem apenas na banalidade. O arquiteto cria emoções através da recorrência a sensações irracionais que questionam a experiência diária do espaço doméstico. E a estrutura desempenha aqui um papel crucial. Mesmo nas suas casas mais pequenas as soluções estruturais são muito audazes e dramáticas. É este o elemento chave para que Shinohara crie uma nova, dinâmica e memorável experiência espacial. Uma experiência que se concretiza através do movimento do observador no espaço.
Sendo assim, Kazuo Shinohara ao justapor nas suas pequenas casas elementos estruturais muito audazes e por vezes ambiciosos na escala e na dimensão, introduz intencionalmente a surpresa, a justaposição, a disfunção, a inquietação e a incerteza ao espaço. Esta é a sua resposta à uniformidade do modernismo e às exigências da vertiginosa sociedade contemporânea. Deste modo, levanta-se igualmente a questão da identidade- para que o homem crie uma profunda ligação às formas construídas e se sinta profundamente identificado com elas, estas têm de apresentar algo único e individual - e Shinohara tenta introduzir esta singularidade através de elementos inesperados e de elementos que provocam o questionamento da utilização banal do espaço doméstico.