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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A FORÇA DO ATO CRIADOR

  


A forma da capela de Notre-Dame-du-Haut domina com autoridade mas admite concessões através da experiência e dos fenómenos a que está exposta. 


‘1950-1955. Liberté: Ronchamp. Architecture totalement libre. Pas de programme autre que le service de la messe, - l’une des plus vieilles institutions humaines. Une personnalité respectable était toutefois présente, c’était le paysage, les quatre horizons. Ce sont eux qui ont commandé. Véritable phénomène d’acoustique visuelle. “Acoustique visuelle, phénomène introduit au domaine des formes”: les formes font du bruit et du silence; les unes parlent, les autres écoutent…’  Le Corbusier In L’atelier de la Recherche Patiente (Le Corbusier 2015, 166)


No texto “Actualidade de Le Corbusier”, de Nuno Portas (Portas 2005, 180-194) lê-se que a Capela Notre-Dame-du-Haut em Ronchamp (Le Corbusier, 1955) surgiu já após do movimento CIAM (Congressos Internacional de Arquitetura Moderna) se ter desagregado e após os discípulos de Le Corbusier e camadas mais jovens terem posto em causa os diversos lados do método e do vocabulário do racionalismo e o estilo internacional. 


No início da década de 1950, Portas explica, reabriram-se novas referências tais como o organicismo de Frank Lloyd Wright, a arte nova de Van de Velde, o empirismo e o neo-realismo dos nórdicos e dos italianos. A máquina de habitar de Le Corbusier estava agora contaminada com o realismo, os costumes e as tradições populares e com a pretensão de integração e diálogo com os ambientes históricos preexistentes. Para Nuno Portas esta retirada de Le Corbusier como propulsionador e profeta coincidiu “…com o seu mais importante período de construtor de obras diferentes e dispersas e atestam a capacidade maravilhosa de um homem que fora o mestre de maior influência escolástica neste século…” (Portas 2005, 192)


Neste novo período Le Corbusier foi capaz de superar as próprias bases do seu próprio método e conseguiu também romper com esquematismos ideológicos e figurativos, através de um esforço em tornar a sua linguagem formal mais realista - que resulta de um franco diálogo com as condições concretas da existência e da permanente investigação ao ritmo da mudança daquilo que existe de facto. Talvez para trás tenha ficado também a sua inclinação por ideais de cariz fascista (https://www.bbc.com/news/world-europe-32546182).


Em todas as primeiras obras de Le Corbusier estava presente a ideia de aglutinação dos elementos da composição - os elementos eram volumes que traduziam uma função única. E estes volumes funcionais eram por Le Corbusier tratados como sólidos geométricos simples que, ao serem justapostos e o articulados com outras peças de circulação, formavam um edifício onde o observador se poderia deslocar para contemplar os volumes como uma escultura geométrica arquitetónica se tratasse. 


Nos últimos quinze anos de produção, Le Corbusier interessou-se em tornar o espaço interno o protagonista da sua nova arquitetura. O espaço interno é assim moldado, escavado e esculpido dentro das paredes através da luz, da cobertura, do chão inclinado e do céu. O espaço interno é agora o elemento principal que consegue, através da sua escala e do seu percurso, comunicar e relacionar-se com cada indivíduo que contempla, que vive e que se move.


Ora, Vincent Scully no texto ‘The Nature of the Classical in Art’ refere-se à arquitetura dos últimos anos de Le Corbusier, também como sendo uma tentativa de resolver integralmente espaço interior e revestimento exterior - forma e espaço são um só. 


Para Scully, a capela de Ronchamp evoca a escala humana, a horizontalidade a verticalidade, o peso, o suporte, uma ordem nova artificial e abstrata, que completa aquele mundo natural da colina. Sem aquele artifício, aquele lugar específico não faria sentido. Le Corbusier coloca toda a paisagem visível em foco humano. A capela é ponto de convergência que transforma mas dá a ver. Le Corbusier escava no interior cavidades nos volumes inchados para uma experiência sublime de luz e de cor. O exterior escultural revela elementos dissonantes e violentos mas que se apaziguam ao estarem combinados, colados e cosidos uns aos outros. 


Scully escreve que, tanto as paredes como a cobertura estão comprimidos em direção ao interior. O objeto não é um simples volume oco. Em Ronchamp, caverna e invólucro são um só. O santuário escavado interno é revestido com formas externas de força escultórica extraordinária - Scully afirma que a capela é um impulso material que atracou naquele monte em eterno voo.


Está-se, por isso, perante um recipiente espiritual, que engole e que envolve. É um corpo que cobre, que rodeia e que cerca um outro corpo.


Ronchamp lida com o todo e sobretudo com opostos em conflito e em confronto: a figura e o abstrato; o finito e o eterno; o absoluto e o relativo; a matéria e o espírito. E a fusão, o equilíbrio, o diálogo dos opostos só se dá através da vivência daquele espaço - é o indivíduo que permite a concretização total daquele lugar.


A forma da capela de Ronchamp domina com autoridade mas admite concessões através da experiência e dos fenómenos a que está exposta. É a sua unicidade e singularidade que permite a irrepetibilidade da experiência. Experiência essa que é individual e rara e que coloca o indivíduo perante existências ambíguas e por vezes contrárias. É aí que se situam em simultâneo verdades e incertezas, respostas e perguntas, presenças e ausências, massa e vazio, luz e sombra, barulho e silêncio, o dentro e o fora, o primitivo e o novo, o passado e o futuro.


Scully refere-se a Ronchamp como o invólucro que apela à liberdade a todos os que reconhecem a condição não submissa nem constrangida desta capela. É o absoluto que cresce através da aceitação total do que é relativo e indeterminado pois o interior e o exterior completam-se e confundem-se. 


Le Corbusier conseguiu na capela de Ronchamp aproximar opostos ao relacionar diretamente o ser humano com a natureza. E foi assim capaz de criar um espaço gerador e suscetível de criar um novo ser. O estado rudimentar e inicial, de concha e de casulo, deste objeto, provoca e permite o princípio de algo. Este é o sentido sagrado desta capela pois é um espaço causador, capaz de criar, de produzir e de propor constantemente novos conteúdos. É um espaço contentor contemplativo mas acima de tudo indizível.


“… e esta(s) obra(s) ficam entre as mais poderosas máquinas de comover que terão sido inventadas.”, Nuno Portas (Portas 2005, 193)


Ana Ruepp

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

A habitação coletiva no movimento moderno. 

 

O movimento moderno ao aliar a casa unifamiliar à unidade de habitação vertical permitiu criar uma profunda relação complementar entre o indivíduo e a coletividade. De modo, a poder conceber uma casa na cidade, tão humana, diversificada e diretamente comunicante com a natureza, como a que se havia concebido para o campo. 

 

A célula em altura, no domínio da habitação social foi a solução mais higienista que afrontou com mais pertinência os problemas postos na cidade logo após a revolução industrial. As descobertas processaram-se em torno da célula estreita, do duplex, do semi-duplex e do piso único. (N. Portas)

 

O aparecimento do grande bloco moderno justificou-se ao conseguir responder com eficácia às novas exigências da civilização industrial de construção rápida, de prefabricação e modulação. 

 

Em muito, a pesquisa da habitação coletiva, beneficiou da experimentação de novas espacialidades, organizações funcionais e novas vivências do espaço doméstico das vivendas modernas.

 

'Foi na habitação coletiva, adotada para servir ou programas urbanos de luxo ou de âmbito social, que se ensaiaram, com um sentido de maior radicalismo formal e funcional, novos sistemas de acessos, de organização das habitações de acordo com modernas noções das áreas e cubicagens necessárias, definidos segundo os novos conceitos de habitar.', Ana Tostões In 'Os Verdes Anos na Arquitetura Portuguesa dos Anos 50.'

 

O bloco de habitação coletiva moderno é uma unidade autónoma na cidade, que inclui pequenas estruturas comunitárias - como creches para crianças, lavandarias coletivas, unidades de comércio de primeira necessidade, salão comunitário, piscinas e jardins.

 

Ora, Le Corbusier desenvolve o Plano da Cidade Radiosa, segundo unidades de habitação autónomas que concentram em altura todos os sistemas - habitação, comércio, escritórios, serviços, aproveitando os terraços como grandes espaços coletivos de jardins suspensos com piscinas e outros equipamentos.

 

No final dos anos 40, concretizou-se a Unidade de Habitação de Marselha, a obra mais influente de Le Corbusier e sem dúvida a mais copiada. Esta obra constituiu-se o modelo arquitetónico dos grandes edifícios coletivos. As suas formas são próximas do universo da máquina e o bloco assente em grandes pilotis está rodeado de grandes espaços verdes e de sol.

 

Num só edifício consegue-se aliar a casa unifamiliar, o bloco coletivo e a cidade. Num só edifício une-se arquitetura e urbanismo. 

 

Ana Ruepp